Joêzer Mendonça
Sem muita resistência, o mundo gospel não escapou da correnteza avassaladora do fenômeno da celebridade na cultura moderna.
Assim, o marketing da indústria fonográfica gospel procura gerar uma identificação do público com o cantor de uma forma semelhante ao modo de construção de mecanismos de comunicabilidade da mídia secular: a divulgação do CD/DVD que ressalta o sucesso do artista, competições e eventos que premiam os “melhores do ano”, a promoção de tarde de autógrafos ou de visitação aos bastidores, programas de TV e revistas evangélicas que mostram casamentos, aniversários e a própria casa dos cantores gospel, e assim por diante.
Para Neal Gabler, autor do livro Vida, o filme, o culto à celebridade está substituindo a religião organizada e a própria religião tem se adaptado aos novos tempos ao assimilar a cultura do consumo e empregar estratégias similares às da comunicação midiática secular.
Mesmo que os artistas gospel autointitulem-se “levitas” ou “ministros”, vemos que o relacionamento entre “ministros” e “fiéis” por vezes segue o padrão de tratamento mútuo entre “ídolos” e “fãs” seculares, como demonstrações de histeria durante os shows, oferta de wallpapers com fotos de cantores (sugerindo o download de posters dos “levitas”), criação de sites não-oficiais e comunidades nas redes sociais altamente devotas dos artistas.
Assim, embora os jovens conversos ao cristianismo abandonem os ídolos da música secular, uma considerável parte dos novos fiéis parece apenas ter trocado de ídolos – os seculares pelos cristãos – tal é o nível de interesse e devoção com que buscam relacionar-se com os cantores do gospel contemporâneo.
Nem todo cantor gospel demonstra interesse no padrão de tratamento “ídolo-fã”. Alguns deles não alimentam esse comportamento. Outros, acreditam que é apenas uma forma de carinho por parte do admirador de sua música. Mesmo assim, há espectadores que se comportam como fãs, embora isso também dependa do incentivo do artista.
Alguns dizem que o estilo de música é o gatilho que dispara a reação histérica dos fãs. Ocorre que, no século XIX, o pianista e compositor erudito Franz Liszt incendiava a platéia com suas performances fenomenais. Ele cansou de receber flores, cartas e, veja só, peças íntimas de madames apaixonadas. Mais antigamente ainda, os fãs das óperas de Haendel endeusavam a diva Francesca Cuzzoni com mimos exorbitantes.
Não é todo artista que vibra com o fanatismo. Os Beatles pararam de fazer shows ao vivo no auge da carreira porque já não suportavam os gritos histéricos que sufocavam a música.
Não digo que o público cristão seja um insensato adorador de cantores – embora em alguns casos possa ser. Ou que os fiéis assumam os cantores como seus “ídolos”. Não deixa de ser uma relação de admiração e carinho também. Uma relação, aliás, que não dá espaço para qualquer crítica ao artista de sua preferência.
No entanto, alguns artistas gospel já se reportam aos fiéis com expressões como “agradeço a presença dos meus fãs” ou “um beijo para todos os meus fãs”. Tempos estranhos para o cristianismo: ninguém consegue imaginar Pedro e Paulo agradecendo de coração à presença de “fãs gentios”. Hoje se consegue assimilar um cantor cristão mandando um beijo no coração dos seus fãs gentis.
Fonte: Nota na Pauta