A Igreja Adventista do Sétimo Dia e os Aspectos Negativos da Ênfase Numérica

Pr. Érico Tadeu Xavier

Quais aspectos negativos podem trazer à Igreja Adventista do Sétimo Dia a ênfase numérica?

– Trabalho Missionário Parcial

A preocupação com a quantidade pode levar os obreiros à tendência de trabalhar só com classes desfavorecidas econômica, cultural e socialmente, por ser mais fácil alcançar o alvo, desprezando outras classes que também necessitam receber as boas novas de salvação. Diz Ellen G. White (1978, pp. 555-556): “Não se tem feito o esforço devido para atingir as classes altas. Ao passo que nos cumpre pregar o evangelho aos pobres, devemos apresentá-lo também, em seu mais atrativo aspecto, aos que são dotados de capacidade e talento“. Mas como realizar esse trabalho de “evangelização global” incluindo minorias raciais e classes sociais de difícil acesso, enquanto o critério de avaliar os obreiros forem os números de batismo?

– Batismos sem Conversão

Quando a ênfase são os números de batismo, almas são agregadas à Igreja sem o devido preparo ou conversão, com conseqüências danosas. Notem essas divergências apontadas por White (idem, p. 319):

A aquisição de membros que não foram renovados no coração e reformados na vida é uma fonte de fraqueza para a Igreja […] muitos se unem a Igreja, sem primeiro se haverem unido a Cristo. Nisto satanás triunfa. Tais conversos são seus instrumentos mais eficientes. Servem de laço para outras almas.

Por que ufanar-se com a preocupação dos números se não é isso que o Senhor nos pede? A missão da Igreja é anunciar o evangelho a todas as gentes, por todos os meios possíveis, e com o devido senso de urgência, mais os resultados, queiramos ou não, pertencem a Deus. E Ele saberá cuidar da parte que Lhe pertence. Falando sobre a semeadura da Palavra, White (1998, p. 65) assim se pronunciou: “Não sabemos durante toda a vida qual prosperará, se esta ou aquela. Isso não é nossa alçada. Façamos nosso trabalho e deixemos os resultados com Deus“. Muda o nosso enfoque: em vez de nos alegrarmos somente quando os batismos são numerosos, alegrar-nos-emos até mesmo quando “um pecador se arrepende”, a exemplo do que acontece no Céu (Lucas 15:7). A conversão de alma deixará de ser um número para ser um acontecimento transcendental, muito acima de qualquer valorização estatística.

– Espírito de Competição

A preocupação com a quantidade tende a promover na obra de Deus o espírito de competição. E esse método não é de Deus, mas do mundo. Qual a motivação divina para o trabalho de ganhar almas? Seria o desejo de alcançar números? Certamente que não. Embora, às vezes, os números se apresentem grandes, como a Pedro no dia do Pentecostes, ou pequenos, como a Noé, o único motivo genuíno do obreiro fiel é: “O amor de Cristo nos constrange” (II Coríntios 5:14). White (2004, p. 652-653) declarou: “O Salvador não ordena aos discípulos que se ufanem para produzir frutos. Diz-lhes que permaneçam nEle […] Vivendo em Cristo, aderindo a Ele por Ele sustentados, e dEle tirando a nutrição, darei frutos segundo a Sua semelhança“. Alguns, com ares de incredulidade, pensam que tal maneira de ver a obra levaria obreiros e membros à perda do fervor missionário, à inatividade e a uma vida puramente contemplativa. De modo algum, pois “O coração que mais plenamente descansa em Cristo será o mais zeloso e ativo no labor por Ele” (White, 1972, p. 71).

– Alto índice de Apostasia

Talvez seja esse o motivo que levou White (1969, p. 370) a fazer a seguinte declaração: “Deus ficaria mais satisfeito com seis pessoas inteiramente convertidas à verdade, do que com sessenta fazendo profissão de fé, mas não estando de fato convertidas“. Creio que os registros de avaliação de Deus não concordem exatamente com os nossos. Os frutos numéricos em pessoas agregadas podem aumentar, mas, talvez, não são frutos reais em almas salvas e alimentadas.

– Desânimo e enfermidades

É alto o número de pastores vitimados por doenças nervosas. Devido à constante expectativa de resultados imediatos, muitos obreiros sucumbem ante esse clima de contínua tensão. Para eles, o ministério vai perdendo o encanto, idealismo, tornando-se pesado fardo, e passam a almejar outro trabalho na obra, que lhes proporcione uma atmosfera mais natural de vida. Isso não é apenas uma suposição. É uma realidade que pode ser comprovada. White (2004a, p. 31 e 32) escreveu :Fossem os algarismos indícios de êxito, Satanás poderia reclamar a preeminência, pois, neste mundo, os que o seguem constituem a grande maioria. A virtude, a inteligência e a piedade do povo que compõe a nossa Igreja, não seu número, deveriam ser causas de alegria e gratidão“.

Considerações Finais

O crescimento da Igreja pode ser encarado por diferentes perspectivas. De um lado, os cristãos têm demonstrado ao longo dos séculos a preocupação de expandir a sua fé através do mundo, atendendo ao imperativo de Cristo. Esse crescimento teve aspectos apreciáveis, à medida que a fé cristã veio enriquecer a vida de muitos povos, trazendo a indivíduos, famílias e sociedades dignidade, esperança e maneiras mais construtivas de encarar a vida. O crescimento da Igreja muitas vezes teve um efeito benéfico e civilizado, trazendo consigo avanço cultural, educação, elevação do nível de vida e promoção humana em diversas áreas. Por outro lado, como foi apontado, esse crescimento muitas vezes está associado a atitudes questionadas pela própria ética cristã, como a violência, a ganância, o espírito de superioridade e o desrespeito pela integridade humana..

Uma questão problemática é ilustrada pelos movimentos de “crescimento da Igreja”, que se preocupam em atrair grandes números de pessoas, muitas vezes sem importarem com os métodos usados, caindo na falácia dos resultados rápidos, do uso de técnicas de marketing religioso, das estratégias pragmáticas, da rendição às expectativas de uma sociedade embriagada com a prosperidade do sucesso.

A preocupação da igreja deve estar voltada não somente para a quantidade mas também para a qualidade de seus membros. Não é acepção de pessoas. É evangelismo sério. Pessoas verdadeiramente convertidas, e não apenas números estatísticos. O crescimento da igreja em Jerusalém não foi exclusivamente numérico (Atos 1:15; 2:41; 4:4), acontecia o crescimento qualitativo (Atos 2:42-47). A igreja não pode esconder dos pecadores a necessidade de arrependimento (Mateus 16:24), do carregar diário da cruz (Mateus 10:38), da obrigação de ser o sal da terra (Mateus 5:13) e luz do mundo (Mateus 5:14-16).


Referências Bibliográficas

White, Ellen G. (1969). Obreiros Evangélicos. Santo André, SP: Casa Publicadora.

White, Ellen G. (1972). Caminho para Cristo. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira.

White, Ellen G. (1978). Evangelismo. Santo André: Casa Publicadora Brasileira.

White, Ellen G. (1998). Parábolas de Jesus. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira.

White, Ellen G. (2004). O Desejado de Todas as Nações. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira.

White, Ellen G. (2004a). Testemunhos Para a Igreja. V. 5, Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira.


Fonte: O presente artigo é parte de uma excelente dissertação intitulada “O Crescimento da Igreja Através dos Séculos: Análise da História e dos Aspectos Positivos e Negativos“, publicada na revista Kerygma v. 4, n. 1: 1º Semestre de 2008.