CD Jovem – Introdução

por: Rodrigo de Galiza Barbosa

CD Jovem: Cultura de Massa na Igreja Adventista do Sétimo Dia?

Introdução

O cristianismo, desde cedo, usa a música na adoração a Deus. E essas músicas expressam a mentalidade do crente e sua visão do mundo físico e espiritual (STEFANI, 2002. p.187). Nos primeiros anos a ênfase encontrada nas músicas cristãs consistia na visão de um Deus transcendente, alguém para além de nós (STEFANI, 2002. p.166). Essa superioridade aumentava o senso de reverência e de reconhecimento do sagrado. Ao mesmo tempo em sua comunicação litúrgica o aspecto racional mediado por uma reflexão bíblica era quase inexistente, pois, as missas eram realizadas numa língua não conhecida pela maioria e o povo não tinha acesso à leitura da Bíblia.

Após a Reforma Protestante, que se iniciou no século XVI, o Deus além de nós tornou-se mais próximo do homem (STEFANI, 2002. p.166). Os cristãos, a partir da influência desse movimento, passaram a acreditar que Deus trabalha pelo homem e não contra ele como transparecia na comunicação da Igreja vigente. A Bíblia foi traduzida para a língua local e lida pelo povo. Assim também a música que era usada no dia a dia foi transformada em música litúrgica e o uso das imagens sagradas também foi modificada para adequar a crença Protestante.

De acordo com Alberto Klein em sua obra Imagens de culto e imagens da mídia

(2006a), a imagem foi rapidamente associada à liturgia cristã na sua primeira fase, pré- Reforma. Mas com a Reforma protestante surge um movimento contra imagens (KLEIN, 2006a. p.22). Os protestantes elevaram a razão e a racionalidade da palavra à textolatria. A Bíblia, e não os santos, passou a ser o centro do culto Protestante (KLEIN, 2006a. p.222).

No contexto dessa mudança litúrgica os reformadores Martinho Lutero e Calvino afirmaram que a Bíblia deveria ser interpretada racionalmente e individualmente (CALVIN, 1966. p.36; LUTERO, 1992. vol.3 p.121). Assim, mesmo colocando a razão como determinante religioso, os reformadores iniciaram o processo da subjetividade e do individualismo na determinação da religiosidade ao romperem com a autoridade da Igreja Católica da época.

No século XVI, surgem então, com força, os movimentos espirituais que fizeram em suas mensagens que o divino descesse ainda mais perto da terra. A ênfase na subjetividade, do emotivo, era comum, pois Deus estava não mais além do homem (transcendente), nem pelo homem, mas dentro dele (imanente). Esse cristianismo menos intelectualizado dá origem ao pentecostalismo que prioriza o individualismo e a imanência do divino.

Nesse percurso histórico as músicas sempre refletiam a mentalidade cristã de cada período (ver STEFANI, 2002, Cap. IV). Nesse contexto de evolução musical e teológica, o pentecostalismo aparece no Brasil introduzindo na divulgação de sua mensagem a música gospel.

Esse fenômeno gospel tem crescido desde seu início no país. Esse estilo musical foi principalmente espalhado pela Igreja Renascer em Cristo na década de 80 e surge para atender um público especial, o segmento jovem. Os mais novos estavam insatisfeitos com a liturgia das igrejas, denominadas tradicionais, e partiram para uma liturgia mais “animada” (STEFANI, 2002. p.179-184)

A música gospel logo foi transformada em um produto, sendo vendido em lojas por todo o Brasil. Os corinhos ou músicas jovens, que até a década de 70 eram usadas apenas em movimento para-eclesiais e cultos jovens, são introduzidos na liturgia por igrejas pentecostais. Esse estilo de música hoje é muito usado pelo neopentecostalismo e possui algumas características importantes ao estudo da religiosidade e a comunicação.

Uma delas é que o momento de louvor é marcado por uma psicologia hedonista. A “experiência com Deus deve ser acessível, imediata e sem reservas” (OLIVEIRA, 2005. p.85). Isso é esclarecido com a análise das letras das músicas usadas nessa liturgia (OLIVEIRA, 2005. p.99-102). As mensagens pregadas são materialistas, existencialistas e priorizam o “cliente”, já que houve uma mistura entre mercado- igreja (OLIVEIRA, 2005. p.88).

Isso leva a uma outra característica importante do nosso estudo. As mensagens bíblicas retratadas nessas músicas são desescatologizadas, ou seja, as ênfases na volta de Jesus e no fim do mundo são eliminadas. As bênçãos e os benefícios que biblicamente são advindas desse evento futuro, nessas músicas são trazidas para o presente, o agora e imediato.

Como descrito acima brevemente, ao mesmo tempo em que a mensagem cristã se modificou, os meios usados para propagá-la também. Isso porque os meios usados na comunicação da mensagem religiosa podem afetar profundamente o seu conteúdo como apontado por vários pesquisadores (KLEIN, 2006a.; CONTRERA, 2006; OLIVEIRA, 2005).

Hoje as igrejas cristãs neopentecostais que enfatizam a aspecto emotivo da religiosidade, têm usado a cultura de massa para propagar sua mensagem, pois ela favorece a transmissão de conteúdos espirituais no mundo pós-moderno num formato emocional. Algumas semelhanças apontadas, entre o divino e a cultura de massa, são que os personagens da mídia são divinizados e a sua mensagem se torna onipresente (ADORNO, 1975. p.180,181; MORIN, 2002. p.106-109). Mas nesse processo ela mundaniza o divino (CONTRERA, 2006). Componentes da fé cristã que eram consideradas para acontecer no futuro são trazidos para o presente. Pois a cultura de massa e a religiosidade pós-moderna é imediatista.

Em meio a essa mudança de paradigma religioso, a Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) enfatiza em sua mensagem o futuro, com o evento da volta de Jesus. Ao seguirem princípios influenciados pela Reforma, os adventistas apontam a Bíblia e a razão como determinantes da religiosidade. Por isso, sua ênfase no estudo e na reflexão. Mas nos últimos anos a Igreja Adventista se apropriou de outros meios de comunicação para tentar propagar sua mensagem, além dos livros e lições de estudos bíblicos (com o apelo a razão, textual), programas televisivos, rádios e uma forte produção musical (recursos audiovisuais) têm sido utilizadas para tal fim. Nesse último apontado, destacase a coletânea de músicas jovem, produzida anualmente, que se tornou padrão nos cultos direcionados ao público jovem.

Como produto industrial ele faz parte da cultura de massa que tem a característica de simplificar a mensagem para se adequar ao meio mercadológico. Tendo assim a possibilidade de tornar sua mensagem existencial-desescatológica, como o neopentecostalismo, em contraste com a crença adventista essencial-escatológica. Surgem então alguns problemas.

Questões e problemas

Nessa nova onda de mercantilizar a religião para atrair os jovens, a música é identificada como maior meio de atração, e ao mesmo tempo, de propagação da filosofia existencialista (OLIVEIRA, 2005. p.99). Estará a IASD sendo influenciada por essa onda no meio e na mensagem? Que ensinos bíblicos, teológicos ou doutrinários são refletidos na poesia dos hinos cantados pelos jovens adventistas do sétimo dia? Que paralelos ou contrastes podem ser estabelecidos entre a hinologia jovem adventista e a tendência em tornar os cantos jovens existenciais?

Objetivos

O propósito do trabalho é identificar se as letras das músicas, produzidas especificamente para um público jovem, transmitem uma ideologia existencialista dentro da IASD. E se essa produção musical segue as características da cultura de massa.

Justificativa

A IASD é por origem e natureza, uma igreja que enfatiza o fim do mundo e a volta de Jesus. Portanto, é importante saber que mentalidade teológica está sendo formada através dos CD Jovem nessa nova geração de adventistas. Se suas letras apenas confirmam a ênfase escatológica do movimento ou comunicam um existencialismo pósmoderno.

Desenvolvimento da pesquisa

Na primeira parte do estudo é realizada uma descrição dos conceitos teórico-filosóficos usados na problematização da pesquisa. O existencialismo como influência negativa e o essencialismo como influência positiva na compreensão da mensagem da escatologia cristã, mensagem enfatizada pela IASD. Nesse capítulo essas correntes são contrastadas numa dicotomia de razão e emoção como determinante religioso.

No segundo capítulo é descrito como foi feita a classificação das poesias musicais da coletânea jovem adventista. Tendo como base os conceitos da análise de conteúdo, elas foram classificadas tendo em vista as características das filosofias existencialistas e essencialistas como descrito no capítulo anterior.

E encerrando a análise da comunicação adventista via CD Jovem, foi feita uma análise das imagens dos slides e dos DVDs usados junto às poesias na transmissão do conteúdo musical dessa coletânea.

Em cada um dos capítulos, breves considerações são feitas na tentativa de responder a problemática levantada e em seguida todas essas informações são reunidas numa conclusão onde propostas são feitas pelo autor.


Rodrigo de Galiza Barbosa é Bacharel em Teologia pelo Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP

O presente material é um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado em dezembro de 2008.

Orientador: Vanderlei Dorneles, Ms.


Fonte: Revista Kerigma – Ano 5 – nº 1 – 1º Semestre de 2009, pp.97-98.


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