A Seleção de Cantos Para o Culto Cristão – Prefácio
por: Denise Cordeiro de Souza Frederico
A pergunta inicial que motivou o assunto desta pesquisa tem ligação direta com o Hinário para o Culto Cristão (HCC), editado pela “Junta de Educação Religiosa e Publicações” (JUERP) da Convenção Batista Brasileira (CBB) e remonta ao ano de 1989. Nessa data, a autora foi convidada a participar da comissão deste hinário, cujo trabalho já estava em fase final de execução. Considerando-se as dimensões do Brasil, não era tarefa simples reunir gente de todos os cantos. Não menos fácil era haver consenso em todas as questões, em razão da diversidade das pessoas que ali trabalhavam. Havia funcionários da JUERP, como boys, datilógrafos e supervisor de texto. Missionários da Junta de Richmond da Convenção Batista Brasileira do Sul dos Estados Unidos também colaboravam nas mais diversas frentes de trabalho, seja no subcomitê de música, seja em outras assessorias. Havia pastores batistas nacionais ajudando em questões teológicas, em assuntos bíblicos e em documentação histórica. Durante as reuniões da comissão do HCC, a autora começou a tomar ciência da hinologia e a ter interesse em aprofundar o assunto, o que não foi possível na época. Embora não pudesse trabalhar nessa questão, o assunto foi sendo problematizado e a partir de então muitas perguntas começaram a inquietar a autora acerca de hinários, seleção de músicas, metodologia de trabalho com hinários, curso de música sacra e formação de músicos de igreja, entre outras. Uma de suas grandes inquietações era quanto à seleção de cantos. Quando iniciou seus trabalhos na comissão do HCC, todas as fundamentações da metodologia da tarefa bem como as principais filosofias de ação do grupo já haviam sido estruturadas e estavam sendo postas em prática.
Ao mesmo tempo, outro fato muito pessoal começou a acontecer na vida familiar. O filho da autora, na época adolescente, era muito ligado à música e desejava fundar, na sua igreja, um grupo de jovens instrumentistas e cantores. Enquanto selecionava o que cantar, o garoto prontamente se deu conta de que o HCC, para o qual até havia servido como digitador de textos, não lhe oferecia os cantos que desejava. Não contente com os cancioneiros de música à disposição no mercado brasileiro, os quais não vinham com partitura musical, empreendeu a tarefa de buscar em distintas comunidades aquilo que julgava ser mais condizente para o seu grupo. O trabalho de buscar em cultos ao vivo o que estava sendo cantado nessas igrejas resultou em dois cancioneiros que seriam editados em 1995, após dedicar muitas horas coletando e transcrevendo o material para a pauta musical e para o computador. O seu grupo de jovens músicos e cantores quis participar nos cultos. Após algumas hesitações por parte do pastor e líderes locais, a proposta dos jovens foi aceita, contudo a empreitada não durou muito. Não havia instrumentos adequados e a igreja tinha outras prioridades para onde canalizar o dinheiro dos dízimos e ofertas dos crentes. Cansado e frustrado, o jovem músico abandonou a igreja e foi “cantar em outra freguesia”.
Se havia perguntas a serem respondidas durante os dois anos em que a autora esteve trabalhando no HCC, a elas se juntaram os novos questionamentos oriundos do problema vivido por seu filho: por que, num hinário editado tão recentemente, não havia músicas de estilo atual, contemporâneas? Por que o estilo do hinário era predominantemente do século XIX? Por que não se havia pensado na juventude das igrejas batistas, quando se fez a seleção dos cantos para o HCC? Afinal, será que os critérios apontados no início do empreendimento foram mesmo acatados? Será que foram “criteriosamente” levantados, por um grupo representativo de pessoas de várias camadas sociais, de diversos níveis de idade, de diferentes regiões do país? E os cantos ditos brasileiros eram “mesmo” brasileiros, feitos por brasileiros, com ritmos e melodias brasileiros? Os temas abarcados eram suficientes para toda a “demanda” da atualidade da igreja? Houve boa proporcionalidade de hinos para os variados assuntos teológicos de uma igreja cristã do final do século XX?
Os questionamentos ficaram em “compasso de espera” até que, uma vez aceita como aluna no Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG) da Escola Superior de Teologia (EST) da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), a autora achou que era hora de “remexer” neles. Dessa forma, depois de muita confabulação com seu orientador e ensaios para achar um título adequado, decidiu pesquisar sobre a seleção de cantos para o culto cristão. Faria uma leitura da história da música sacra ocidental, observando como as pessoas lidaram com a tensão entre os cantos tradicionais e os contemporâneos e como escolheram os seus hinos. Dessa leitura, tiraria conclusões pertinentes que viessem contribuir para que pessoas ligadas a hinários e música em geral nas igrejas cristãs pudessem ter critérios de seleção dos cantos para os mesmos.
Algumas lacunas, que não puderam ser preenchidas, existem em função da incapacidade da autora para manejar a língua alemã. A autora também teve de limitar sua pesquisa à música sacra ocidental. Empreender um estudo de toda a história, incluindo a do mundo cristão oriental, seria um trabalho hercúleo, em muito superior ao tempo de que dispunha. Tomar todo o período da história da música, vindo desde o Antigo Testamento até o século XX, era um labor arrojado e mesmo temerário em face do tempo, mas foi o que se decidiu fazer. Não se queria correr o risco de deixar descoberto um certo período da história e constatar, depois de cessada a pesquisa, ser ele rico em sugestões. Outra limitação tem ligação com bibliotecas e a especificação do seu tema principal. Existe um número ainda inexpressivo de publicações específicas em língua portuguesa sobre o assunto em estudo. Mesmo assim, considerando que a pesquisa histórica não é o principal tema desta tese, julga-se que o levantamento bibliográfico foi suficiente para ela. Em termos de áreas geográficas, duas áreas ficaram excluídas e mereceriam consideração futura: a América Latina e os países escandinavos da Europa. Centros ecumênicos, onde há vasta produção de cantos sacros, como Taizé (França) e Iona (Escócia), foram abordados, mas, por sua importância, deveriam ser aprofundados no futuro. A produção brasileira também poderá vir a ser mais explorada. Para isso, a autora julga que serão necessários contatos com denominações protestantes que ficaram marginalizadas: dos presbiterianos e metodistas falou-se pouco. A própria música sacra da IECLB teria de ser pesquisada com mais rigor. A autora entende que teria de ser uma pesquisa praticamente “pioneira”, com buscas locais, entrevistando pessoas envolvidas em hinários, cancioneiros, corais e curso de música sacra.
A autora opta por não usar a linguagem inclusiva, achando que ela torna a leitura do texto “pesada”. As traduções de citações nas línguas francesa, espanhola e inglesa foram feitas pela própria autora, tendo as de língua inglesa sido revisadas por Luís Sander. As traduções do alemão ora são de Vera Liana, ora de Romeu Martini, ora de Martin Dreher, Walter Schlupp e Ilson Kayser (estes três trabalharam em publicação sobre Lutero ainda no prelo).
A autora reconhece que, sem o auxílio de Deus, a tarefa teria sido impossível.
É grata também a inúmeras pessoas que, de alguma forma, ajudaram-na a executar o trabalho. A gratidão da autora é dirigida:
Ao seu marido, Monfardini Cesar Frederico, incansavelmente paciente, e aos seus filhos, Gustavo e Carolina, de quem a autora roubou inúmeras horas de convívio e “infindáveis” feriados e fins de semana; ao filho Gustavo especialmente pela ajuda nas lides com o computador e à filha Carolina pelas buscas de livros em bibliotecas americanas. Ao seu pai, Jeiel Corrêa Ferreira de Souza, falecido em março do corrente ano, que ainda em vida se dispôs a procurar livros em bibliotecas do Rio de Janeiro.
Ao seu orientador, Dr. Nelson Kirst, cuja proficiência foi a “bússola” segura que mostrou sempre o rumo certo a seguir.
Aos professores do IEPG da EST, Dr. Martin Dreher, por orientações bibliográficas e cedência de material das “Obras Selecionadas” de Martinho Lutero, vol. 7, ainda no prelo, e Dr. Ricardo Rieth, por leitura prévia de um capítulo, indicações bibliográficas, cedência de um texto de Helmar Junghans traduzido, mas ainda não editado, e empréstimo de seu livro Nós, os Teuto-Gaúchos.
À chefe atual do Departamento de Música da UFRGS, Dra. Rose Marie Reis Garcia, sempre prestimosa e compreensiva, e aos colegas do colegiado deste departamento, que permitiram seu afastamento do trabalho para a redação deste relatório de pesquisa.
À Dra. Karen W. Tucker, dos EUA, pela cedência de livros sobre Watts, os irmãos Wesley e a história dos hinos de língua inglesa; ao Dr. Dietrich Werner, da Alemanha, pelas informações passadas por fax acerca do Thuma Mina; a Fred Graham, do Canadá, pelo material sobre o hinário Voices United; à professora Elizabeth Damião, de SP, pelas informações sobre o Canteiro e envio de dois exemplares dele e à amiga Dra. Carolyn Kirk, inglesa radicada em Porto Alegre, por livros sobre a música do século XX.
A João Arthur Müller da Silva, atual gerente de editoração da Editora Sinodal, pelas informações acerca da produção discográfica da ISAEC e pela oferta de discos históricos referentes a essa produção.
Às amigas “do peito”, mas à distância, como Vera Liana Nachtigall e Joan Sutton. A primeira traduziu parte de um livro em alemão e a segunda “destrinchou” uma expressão arcaica da língua inglesa. Ao colega Dr. Romeu Martini pela tradução do material proveniente da Alemanha sobre o hinário Thuma Mina.
Aos pastores das duas comunidades protestantes de Porto Alegre e aos irmãos e amigos, que ficaram incógnitos, da pesquisa social relatada no primeiro capítulo pela generosidade em ceder seu tempo e suas opiniões.
Aos irmãos da Segunda Igreja Presbiteriana de Porto Alegre, que formam o grupo diário de oração das 6 h, pelas fervorosas orações em favor do bom êxito desta pesquisa.
À família de Ricardo e Jaqueline Garcia, pelos almoços gostosos oferecidos e degustados quando a autora passava o dia em São Leopoldo.
A Maria Helena B. dos Santos, eficiente ajudante, sem a qual o trabalho doméstico teria entrado em “colapso”.
“Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra”
O tema desta pesquisa: “A seleção de cantos para o culto cristão: critérios obtidos a partir de um estudo sobre a tensão entre tradição e contemporaneidade na história da música sacra ocidental” brotou de situações concretas vividas pela autora. Essas experiências, relatadas previamente, têm ligação com a confecção do Hinário para o Culto Cristão, da qual a autora participou como membro de duas subcomissões, e com o problema de seu filho que buscava cantos contemporâneos para os jovens de sua igreja.
Tendo como ponto de partida estas duas indagações, a autora optou por extrair do estudo da história da música sacra cristã ocidental subsídios acerca de como as pessoas lidaram com tradição e contemporaneidade nos cantos. A partir dessa observação, deseja-se oferecer às comunidades cristãs, principalmente as brasileiras, critérios de seleção de cantos para os cultos da atualidade. A pesquisa histórica é apenas subsidiária para o tratamento do tema, não consistindo, portanto, em assunto principal. Deseja-se contribuir para que as pessoas tenham condições de selecionar os cantos para o culto ou para hinários cristãos com critérios abalizados. Não se trata de uma descoberta feita aleatoriamente, mas surgida de uma profunda investigação histórica, de fatos acontecidos em comunidades cristãs.
Existem alguns termos e certos conceitos que precisam ser definidos aqui. Eles serão trabalhados durante todo o estudo.
Por música sacra entende-se aquela cujos textos estão relacionados aos assuntos de cunho religioso e falam principalmente de Deus: seus atributos e suas ações em favor da humanidade. Ela ainda espera uma resposta do ser humano à convocação divina para uma vida de acordo com os princípios do cristianismo. Segundo Joseph Gelineau, “música sacra” é um termo genérico e sobretudo se refere à fé, quer seja pela inspiração que o canto contém, quer seja por sua funcionalidade no culto. Possui uma direção vertical (quando a letra expressa o sentimento do crente em relação a Deus) e uma direção horizontal (quando o assunto de seu texto é dirigido não a Deus, mas ao próximo). Entende-se por música sacra cristã qualquer música usada no culto cristão. Entre as diversas formas, destaca-se a que serve a uma liturgia oficial, acompanhando uma práxis litúrgica fixa. É o canto que Gelineau classifica como canto propriamente litúrgico ou canto da liturgia: “Uma música é litúrgica quando a Igreja nela reconhece sua oração”. Em outras palavras, é o canto que acompanha as palavras rituais e que, no caso da Igreja Católica Romana, é executado “de acordo com os livros litúrgicos aprovados pela Santa Sé”. Existe um outro tipo de música que acompanha a liturgia: é aquele que Gelineau denomina de canto na liturgia. Existe também a música que é usada onde não existem critérios fixos de ordem litúrgica. São levadas em consideração todas as participações, quer sejam vocais ou instrumentais, coletivas ou individuais.
Por tradição entende-se o acervo de usos e costumes conservados no decorrer dos tempos por um povo ou segmento social, transmitidos através de sucessivas gerações. No contexto desse estudo o termo aproxima-se dos vocábulos memória e história. O termo tradicional é tido como a qualidade daquilo que tem tradição, cuja existência tem história e memória, passando de geração em geração. Pode eventualmente também designar algo antigo, velho, do passado. Na presente pesquisa não se dá a essa sinonímia nenhuma conotação negativa. O termo “tradicional” também não possui aqui as marcas que o caracterizariam como proveniente do saber tradicionalista popular, tal qual é entendido por sociólogos.
Por música sacra tradicional entende-se aquela que tem sido transmitida de geração em geração, com as características de sacralização especificadas anteriormente. Seu estilo deve apresentar marcas de adequabilidade aos fins litúrgicos e deve vigorar já há algumas gerações.
Música contemporânea é a que pertence à mesma época, que é do mesmo tempo. Não é necessariamente a música atual, do século XX, mas a que era típica da época que estiver sendo focalizada. Tratando-se do presente século, alguns vocábulos sinônimos poderão substituir o termo contemporâneo: moderno, atual, em vigor, hodierno, vanguardista, etc.
Como ponto de partida, decidiu-se observar hinários contemporâneos, sendo três estrangeiros e quatro nacionais. O levantamento não quer apresentar um exame minucioso de cada um desses hinários, mas apenas verificar como as pessoas dos comitês lidaram com o problema de cantos antigos e atuais, tentando descobrir ainda como o trabalho de seleção desses cantos foi efetuado. A pesquisa social empreendida em duas comunidades porto-alegrenses será importante no sentido de deixar a autora alerta para possíveis interpretações “elitistas” das leituras da história da música que fará a seguir.
A pesquisa histórica do segundo capítulo inicia no Antigo Testamento. Aí se detém um pouco, principalmente no estudo dos Salmos, que constituem a tradição musical legada pelos judeus ao cristianismo. Passa pelo Novo Testamento, analisa os textos paulinos, e termina verificando os pais da igreja no início da caminhada cristã.
Inicia o terceiro capítulo com a Idade Média, em que o povo é colocado num nível subalterno dentro da ação litúrgica. No final da Idade Média ou início da Renascença, a pesquisa trata de Lutero e dá a ele mais atenção por causa da diversidade de possibilidades encontradas para os critérios de seleção de cantos. A partir dos procedimentos deste reformador, diversos critérios de seleção de cantos seriam possíveis ou porque ele quis manter a tradição (para o ensino, para adequar-se à liturgia que Lutero mantinha em igrejas de maior porte), ou porque necessitou contextualizar a nova mensagem da salvação pela graça (favorecida por uma teologia diferente da que os católicos defendiam), ou porque havia uma nova teologia do culto: os fiéis são agora participantes ativos da liturgia. Depois de Lutero, a pesquisa examina a posição de Calvino e Zwínglio. Interessa saber por que um “elitizou” o canto e o outro o proibiu em sua igreja. A autora analisa os hinos dos anabatistas, talvez motivada pelo fato de eles terem sido antecedentes dos batistas, denominação à qual a autora serviu desde criança como pianista e, mais recentemente, como integrante do comitê do novo hinário. O capítulo termina olhando a Contra-Reforma e constata que Palestrina, o músico da Contra-Reforma, embora com grandes méritos profissionais, esqueceu-se da participação popular no canto congregacional.
O quarto capítulo inicia empreendendo um estudo das tendências da música do período barroco. Johann Sebastian Bach, que manejou a técnica composicional como poucos músicos o fizeram, reconhecidamente serviu durante toda a sua vida à Igreja Luterana. Seus oratórios, paixões e cantatas são obras-primas de primeiro quilate, contudo estão em nível superior ao que o fiel comum pode oferecer como elemento ativo na liturgia. Os hinos pietistas do conde Zinzendorf são importantes porque através deles, cantados nas “horas de canto”, os morávios construíram uma fé cristã mais forte. Muitos dos hinos pietistas chegariam ao Brasil via Estados Unidos ainda no século XIX e se instalariam nos hinários oficiais de igrejas protestantes não-litúrgicas. Os hinos de Paul Gerhardt serviriam para alentar os crentes ante uma guerra entre protestantes e católicos. Ainda hoje podem ser vistos no Hinos do Povo de Deus (HPD) com boa representatividade. No pós-barroco, período de decadência da qualidade artística da música entoada nas igrejas cristãs, as pessoas começaram a “florear” o canto congregacional, introduzindo elementos novos, não pertencentes à partitura original. É nessa fase que surgiu Isaac Watts. Sua inovação foi cristianizar os Salmos, pois entendeu que eles tinham o poder de falar às almas humanas. Na sua percepção, faltava apenas contextualizá-los ao cristianismo, abolindo os termos hebraicos e substituindo-os por outros da língua inglesa, que fossem entendidos por todos. O ápice do período aconteceu com os irmãos Wesley e os hinos compostos para o movimento avivalista que inauguraram. As novas composições foram efetuadas para doutrinar os crentes, para defendê-los de heresias, para o seu crescimento espiritual, que era um dos alvos do movimento que, mais tarde, daria origem ao metodismo. Reconhece-se uma coadunação perfeita entre o enfoque teológico do movimento: “salvação, fé e boas obras” com os textos dos hinos que compunham. Em termos de dar ouvidos à voz popular, foram bastante felizes no pragmatismo de algumas letras dos cantos, que podem ser usados para tarefas cotidianas. A contribuição dos irmãos Wesley também se faz sentir no valor que deram aos hinos tradicionais da Igreja Anglicana, os quais retiveram, principalmente aqueles destinados às celebrações festivas do calendário eclesiástico. Os cantos “wesleyanos”, quer antigos, quer novos, ajustaram-se bem ao contexto em que viviam. Neste capítulo, chama-se a atenção para um problema sério que despontou claramente na pesquisa social feita nas duas comunidades protestantes porto-alegrenses e que aqui acaba sendo confirmado. Trata-se do papel dos líderes para a seleção dos cantos na igreja. A tendência é, salvo exceções: líderes muito treinados na arte musical tendem a elitizar o canto; pessoas cultas sentem a necessidade da manutenção da tradição musical; por outro lado, se deixado só, o povo elege aquilo que está ouvindo nas rádios, na televisão, no cinema, no bar da esquina.
Ao chegar na música sacra do século XX, a autora limita a pesquisa a alguns países da Europa Ocidental, aos Estados Unidos e ao Brasil. O quinto capítulo, portanto, inicia visualizando as principais tendências da música sacra do período. Detecta pelo menos três tipos: a música da linha evangelical, a mais inclinada a perpetuar o modismo das baladas românticas nos seus hinos e a que mais tardiamente acolhe a música “pop”; a segunda tendência tem ligação forte com as expressões populares e seculares da música: é a música “pop”, à qual se acrescentam as músicas pertencentes ao estilo folclórico regional; como terceiro tipo arrola-se a música de movimentos de reexame de tradição. Germinado na Alemanha, o “Movimento Litúrgico” logo se espalhou por vários centros, tendo sido foco de atenção mais por parte de católicos, luteranos e anglicanos. Alguns centros ecumênicos também têm sido importantes na manutenção de uma hinodia cristã tradicional e comum a vários segmentos denominacionais. Esses centros têm não só fomentado a tradição, mas também mostrado que é possível a conjugação de simplicidade com boa qualidade estética na música sacra.
Dois terços do quinto capítulo são destinados ao estudo da história da música sacra no século XX. Divide-se a pesquisa em: Igreja Católica Romana e igrejas protestantes. Dentro da Igreja Católica Romana, aprecia-se apenas a música posterior ao Concílio Vaticano II, procurando dar relevo àquilo que tem sido feito em solo brasileiro. Se por um lado os católicos atêm-se ferrenhamente à manutenção do canto gregoriano, herança da Idade Média, e ao cultivo das scholae cantorum, por outro lado as resoluções acerca da música sacra nesta igreja são sensíveis às necessidades de regionalização do canto, tanto que muito do que tem sido produzido no Brasil, especialmente o acervo do Hinário Litúrgico, se baseia nas características da música folclórica nacional. Retendo a tradição do canto gregoriano, a Igreja Católica Romana mantém uma identidade que a torna peculiar e, ao mesmo tempo, idêntica no mundo inteiro. O novo impulso do Vaticano II para o canto pode ser constatado pela introdução da língua vernácula nos cultos. Se são tardios nisso, na inclusão de música “pop” os católicos são pioneiros, o que revela estarem atentos às expressões populares e à necessidade decontextualização de sua linguagem. Não se pode esquecer de ressaltar o aspecto facilitador da ordem litúrgica rígida da missa católica para a escolha de cantos. As partes fixas colaboram no sentido de se saber sempre que cantos são adequados para aquelas partes da liturgia.
Divide-se o protestantismo em duas “veias”: o litúrgico e o não-litúrgico. Parte-se da implantação do protestantismo no Brasil, crendo que esse histórico é decisivo para entender o legado hinódico de grande parte das denominações que acorreram para cá, principalmente os norte-americanos com sua “era de expansão missionária”.
Luteranos da IECLB e da IELB constituíram-se exceção, pois seus antecedentes encontram-se não nas igrejas americanas de missão, mas nos imigrantes europeus que chegaram em terras cariocas a partir de 1820 e em terras gaúchas a partir de 1824. A hinodia seria, por essa razão, diferente nas igrejas de missão e nas luteranas. A hinodia dos luteranos da IECLB abrange majoritariamente hinos da tradição. Isso está estampado no HPD. Se, por um lado, este hinário é fraco na contextualização de temas, que acabaram ocupando cancioneiros paralelos, os quais não podem ainda ser rotulados como oficiais, em contrapartida é um “dossiê” fidedigno do luteranismo, com hinos representativos dos maiores compositores da Igreja. Nesse sentido, dá identidade confessional ao grupo. O mesmo pode-se dizer dos anglicanos, pois seu hinário data de 1962. A contextualização da música anglicana no Brasil tem ocorrido graças a esforços extra-oficiais, como os que produziram o cancioneiro O Novo Canto da Terra. Tanto O Povo Canta quanto O Novo Canto da Terra dão prioridade à produção brasileira e à TdL.
Após o estudo dos assuntos abordados nos cinco primeiros capítulos, são examinadas as maneiras como as pessoas se envolveram na tensão entre cantos tradicionais e contemporâneos ao longo da história. Esses procedimentos, estudados e analisados, resultaram em critérios de seleção de cantos para o culto cristão. Cada um dos critérios é pormenorizado levando em conta dois enfoques principais. São eles: averiguação dos fenômenos observados ao longo da história da música sacra, relatada nos capítulos anteriores, e considerações teológico-musicais. Após isso, são feitas algumas observações conclusivas, com a intenção de dar um fecho mais pessoal. Disso, portanto, trata o sexto capítulo desta pesquisa, que espera contribuir de maneira eficaz para que gerações presentes e futuras tenham critérios abalizados e práticos para escolher os cantos do culto cristão. Além desse aspecto, a autora deseja chegar a uma proposta programática para os diversos institutos de música sacra espalhados pelo Brasil. Ela crê que, nessa área, pode oferecer prestimosa contribuição para que futuros líderes tenham melhores condições de orientar as comunidades cristãs na escolha de música para cultos e hinários.