por: Samuele Bacchiocchi
A Cosmovisão da Música Rock
A música rock é o fenômeno cultural mais popular da segunda metade do século vinte e é a única maior propagadora dos valores morais, sociais e religiosos da nossa sociedade. Analistas sociais concordam que a música rock tem se tornado uma força principal na formação do pensamento e estilo de vida desta geração.
Em seu livro Rock Music, o sociólogo William Schafer descreve a música rock “como um dos principais dialetos na linguagem da cultura…. Uma forte contracultura ergueu-se ao redor de uma sensibilidade musical, tendo a música como o modo básico de comunicação e expressão estética.” 1 Schafer não se opõe à música rock. Ele apenas reconhece que o rock tornou-se uma “ferramenta para a alteração da consciência.” 2
É inquestionável que o rock, em seus vários estilos, é a forma musical mais popular a influenciar o mundo de hoje. As pessoas ouvem o rock não apenas na privacidade de seus carros ou casas, mas no local de trabalho, nos shopping centers, bares, clubes, academias, locais de lazer, e em um número crescente de igrejas.
Nos cinqüenta anos desde seu aparecimento, a música rock tem dominado o gosto musical de muitas pessoas em várias partes do mundo. Em 1976, dois cientistas sociais da Universidade Temple quiseram investigar o impacto físico e emocional da música rock sobre os estudantes. Eles encontraram facilmente 56 entusiastas do rock para seu estudo, mas quando tentaram formar um grupo controle, “não pôde ser formada uma amostra significativa que tivesse aversão à música hard rock”. 3
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A Natureza Revolucionária do Rock. Em seu artigo “Rock and Roll, Religion and the Deconstruction of American Values”, o sociólogo Charles Pressler nota que a “música rock and roll e suas mensagens conduziram a uma nova visão do mundo e a um novo modo de relação interpessoal – e quase por definição, os efeitos sociais da música rock podem ser descritos como ‘revolucionários.'” 4 A revolução iniciada pela música rock tem algumas conotações religiosas distintas que serão examinadas no capítulo 4. Em seu livro You Say You Want a Revolution, o sociólogo Robert Pielke argumenta de forma persuasiva que a revolução do rock iniciada nos anos cinqüenta criou uma transformação religiosa da cultura americana. 5 Nossa preocupação é averiguar se a natureza desta transformação religiosa foi uma maldição ou uma bênção para a fé Cristã.
A natureza revolucionária da música rock é descrita de forma sucinta pelo sociólogo William Schafer: “O rock tem atuado como um catalisador, uma força unindo e ampliando ideias e sentimentos. Ela é um meio, uma forma de comunicar emoções…. o meio é a mensagem. Associado com o rock, por exemplo, existe um culto da irracionalidade, uma reverência ao instintivo, ao visceral – e uma desconfiança em relação à razão e a lógica; esta forma de anti-intelectualismo pode ser altamente perigosa, podendo conduzir a modos totalitários de pensamento e ação. Unido a este anti-intelectualismo está um interesse pelo oculto: magia, superstição, pensamento religioso exótico, qualquer coisa que seja contrária à principal corrente do pensamento Ocidental. Também diretamente ligado a isso está uma obsessão pela mente inconsciente; a força da cultura das drogas tem sido a sua promessa para revelar o oculto, o homem instintivo, para libertar indivíduo das restrições e as limitações de sua mente consciente e seu corpo físico como um todo. 5
Mais será dito durante o curso de nosso estudo sobre os pressupostos filosóficos da música rock. Por hora, basta notar que o conflito de valores despertados pela mensagem da música rock, tem colocado a juventude da geração rock contra seus pais e professores. O conflito tem se estendido para muitas igrejas cristãs, onde formas “purificadas” de música rock têm sido adotadas. Na realidade, a introdução da música rock “cristã” durante os cultos na igreja, tornou-se um dos assuntos mais emotivos e causadores de divisão nas congregações em diferentes denominações, inclusive na minha própria Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Neste estudo, o termo “cristão” será colocado constantemente entre aspas, quando usado para designar música rock, porque esta pesquisa indica que a música rock, como definido no capítulo 1, é contrária às crenças cristãs e a seus valores. A razão é simples. Nossa pesquisa indica que a música rock
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personifica crenças éticas, filosóficas, sociais e religiosas que são contrárias às crenças e aos valores cristãos.
Os Pressupostos da Música Rock. Alguns cristãos consideram a música rock “cristã” como uma concessão mundana e ultrajante, enquanto outros a consideram como um agente providencial de renovação e esforço evangelístico. Infelizmente muito da discussão sobre os prós e os contras da música rock “cristã”, tem sido superficial, especialmente entre aqueles que acreditam que os cristãos deveriam rejeitar a versão “secular” da música rock, mas aceitar a versão “cristã.” A discussão se concentra, principalmente, no ritmo, nas letras, no impacto fisiológico e psicológico da música rock, no grafismo da apresentação desta música, e nos estilos de vida dos artistas. Estes são fatores importantes que serão considerados nos próximos capítulos, mas, em minha visão, o mais importante é a compreensão das pressuposições filosóficas e teológicas adotadas pela música rock.
As atividades humanas são moldadas pelos pressupostos do indivíduo e das nações. Tomados em conjunto, estes pressupostos formam o que chamamos de cosmovisão, a qual afeta tudo que somos e fazemos. Isto significa que nossa compreensão de Deus e de Sua revelação dá significado a nossa vida e molda nossas atividades, inclusive na produção das formas artísticas musicais. A mudança nos estilos de música na igreja normalmente reflete uma mudança na cosmovisão da época, conforme a interpretação dos compositores contemporâneos.
Uma avaliação da música rock, seja na versão secular ou “cristã”, necessita de uma compreensão da cosmovisão (pressupostos teológicos) que deram origem a tal música. Quais são algumas das crenças fundamentais que a música rock contém e proclama, e por que o credo de tal música é aceito tão amplamente hoje em dia? Uma compreensão da cosmovisão da música rock, fornece uma base para determinar se a música rock pode ou não ser legitimamente purificada e ser transformada em um meio para adorar ao Senhor na beleza de Sua santidade e para evangelizar os não convertidos.
Por uma questão de clareza, deixe-me declarar, de início, os resultados desta investigação. A música rock encarna e expressa uma cosmovisão humanista/panteísta, que se origina tanto das suas raízes africanas quanto do humanismo secular da sociedade Ocidental. Esta cosmovisão rejeita abertamente Deus e Seus princípios morais revelados, promovendo, em vez disso, o hedonismo, o individualismo, o materialismo, o amoralismo, o ateísmo, o sexo, as drogas, a violência, o ocultismo, e outras formas de perversão humana.
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Nosso estudo mostrará que ao mudar o centro da fé de Deus para o eu, a música rock derruba a estrutura da fé Cristã, fazendo de Deus um produto de consumo usado para a satisfação pessoal. Qualquer tentativa de purificar e converter a música rock em um meio para adorar a Deus e proclamar o Evangelho, prostitui a fé cristã debilitando, assim, seu testemunho para o mundo de hoje.
Objetivo deste Capítulo. Neste capítulo buscamos entender a cosmovisão da música rock seguindo o que para algumas pessoas pode parecer como um procedimento tortuoso. As razões para este procedimento ficarão evidentes no momento em que o leitor alcançar a última parte do capítulo.
O primeiro e mais amplo objetivo é examinar como a produção de música na história da cultura cristã ocidental foi influenciada pela evolução da compreensão de Deus. A mudança histórica da compreensão transcendental de “Deus além de nós” durante o período medieval, para a concepção imanente de “Deus por nós” durante a reforma no século XVI, e para a percepção de “Deus conosco” do século XVII até nossos dias, ajuda-nos a entender a evolução gradual da música na igreja do canto medieval, para o coral luterano, e para o rock “cristão” de hoje. (N.T. – A palavra “coral” é usada aqui no sentido de “forma de composição homofônica a quatro vozes”, característica do período da reforma, e não necessariamente o grupo vocal que executa estas músicas.)
O segundo e mais limitado objetivo é considerar algumas das ideologias significantes que respondem pela origem e popularidade mundial da música rock de hoje. Vamos nos concentrar em três áreas significativas. Primeiro, veremos como a manifestação moderna de uma forte concepção imanente de “Deus em nós”, fez com que as pessoas buscassem uma experiência emocional imediata de Deus, através do estímulo da música rítmica, alta. Segundo, discutiremos como a orientação panteísta/imanente da música Africana/Indiana, influenciou a cosmovisão e o estilo da música rock. Por último examinaremos como a influência de ideias humanísticas moldou muito do pensamento ocidental, especialmente durante os dois últimos séculos. Veremos que a convergência destes desenvolvimentos em nossa época facilitou a adoção da música rock, tanto no mundo secular como no mundo Cristão.
Dois Estudos Significativos. Dois estudos importantes me ajudaram a entender a relação entre o desenvolvimento de novos estilos de música religiosa e a evolução do conceito de Deus. O primeiro estudo é a dissertação doutoral de Wolfgang Stefani sobre “The Concept of God and the Sacred Music Style” (O Conceito de Deus e o Estilo da Música Sacra), apresentada na Universidade Andrews, em outubro de 1993.
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Stefani apresenta uma documentação convincente mostrando que “estilos de música são repleto de valores religiosos – eles são verdadeiras personificações das crenças acerca da realidade…. As questões que cercam as discussões sobre o estilo na música sacra, estendem-se além do simples gostar ou não gostar. No fundo de tudo, a divergência sobre os estilos de música sacra pode muito bem ser uma divergência acerca das crenças subjacentes sobre a natureza da realidade final, e não sobre preferências estéticas inconseqüentes”. 6
Nos termos de nosso presente estudo, a pesquisa de Stefani sugere que o debate atual sobre o uso do rock “cristão” na adoração da igreja é, no final das contas, um debate teológico sobre nossa compreensão de Deus, e não somente uma controvérsia sobre preferências musicais. Esta é uma observação muito importante que, como veremos, fornece a chave para entendermos por que o uso da música rock, tanto em suas versões seculares quanto “cristãs”, é um assunto crucial que afeta o próprio alicerce teológico da fé cristã. Aqueles que argumentam que o uso do rock “cristão” na adoração da igreja é simplesmente, uma questão de preferência cultural ou pessoal, ignoram que a música na igreja encarna e expressa nossas convicções teológicas. Tanto o estilo quanto o conteúdo da música na igreja refletem nossa compreensão de Deus e da Sua revelação.
O segundo estudo significativo é de Calvin M. Johansson que é Professor na Faculdade de Música no Evangel College em Springfield, Missouri. Ele escreveu vários livros sobre música na igreja, inclusive uma dissertção doutoral 7 Em Discipling Music Ministry – Twenty-first Century Directions, Johansson mostra como “o traçado da história das visões mundiais no ocidente dá-nos um quadro claro da deriva contínua da cultura em direção a uma autonomia humana. Esse movimento, implacável em sua pressão pela influência e controle, tem afetado profundamente a igreja cristã. O evangelismo, o ensino, e a adoração, assim como o dia a dia do viver cristão, tudo tem sido alterado, embora sutilmente, pela influência humanística, de forma a tornar supremos os indivíduos e os seus desejos. A música na igreja tem sido parte dessa mudança”. 8
Johansson nota que as alterações na música da igreja trazidas pelas influências humanísticas contemporâneas, podem ser vistas na preocupação interminável com a gratificação do eu. Ele descobriu que “um exame da Música Cristã Contemporânea (MCC), o gênero mais popular de música religiosa, mostra muitas canções transparentemente, até mesmo heréticamente, orientadas em torno da satisfação pessoal… mas quando a preocupação está com o eu… então a adoração é tortuosa, refletindo a elevação que a cultura faz das pessoas acima de Deus”. 9
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Parte 1
A Evolução do Conceito de Deus e dos Estilos de Música Sacra no Pensamento Cristão Ocidental
A música usada na adoração cristã reflete o entendimento que uma igreja tem de Deus e de Sua revelação contida nas Escrituras. O problema é que há um paradoxo inerente na revelação Bíblica de Deus. De um lado, Deus é revelado como um Ser transcendente, “o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo” (Isaías 57:15). Por outro lado, Deus é revelado como um Ser imanente que mora “também com o contrito e abatido de espírito” (Isaías 57:15).
Paul W. Hoon explica, de modo perceptivo, que “a adoração cristã apóia-se num paradoxo, de que Deus é igual e ao mesmo tempo diferente do homem; Ele é pessoal, porém Ele é mais que pessoal. Quando o primeiro aspecto é exagerado… Deus se torna um tipo de amigo divino, a adoração se transforma na intimidade de um bate-papo, destituída de reverência e evocando os elementos mais infantis da personalidade humana. Quando o segundo aspecto é exagerado, a adoração perde sua substancialidade e realidade, e tende a se evaporar em estados vagos de devoção mística”. 10
Esta visão aparentemente contraditória transcendente/imanente de Deus, tem tido, historicamente, um impacto sobre a adoração cristã. Estilos de adoração oscilaram de um extremo a outro, dependendo do entendimento cristão de Deus. A lição da história é que é essencial manter um equilíbrio entre uma visão transcendente e imanente de Deus, de forma a assegurarmos uma vida cristã e adoração saudáveis, incluindo a música na igreja.
A oscilação, de uma adoração e expressão artística predominantemente orientada pela transcendência, de outro mundo, para uma adoração e estilo artístico de orientação imanente, deste mundo, pode ser traçada na história da cultura cristã ocidental. Wolfgang Stefani oferece uma classificação simples e útil deste desenvolvimento sob os três títulos seguintes: “(1) Deus além de nós; (2) Deus por nós, e (3) Deus ao nosso lado/em nós”. 11 Estas três categorias servirão como base para nossa investigação histórica, que mostra como cada uma destas visões de Deus têm afetado a vida e a adoração cristã no decorrer da história cristã.
1. A Orientação “Deus Além de Nós”
Igreja Apostólica. A concepção transcendental de “Deus além de nós” prevaleceu, embora em diferentes formas, durante os primeiros quinze séculos
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do Cristianismo. Os cristãos primitivos rejeitaram, fortemente, a orientação imanente prevalecente das religiões pagãs, onde os deuses estavam presentes e interagiam com as pessoas. Isto foi especialmente verdadeiro nas religiões de mistério, cujos rituais orgiásticos foram projetados para conduzir as pessoas a um contato direto com a divindade. A música desempenhava um papel importante nestes rituais e exercia uma atração irresistível sobre as massas.
Alfred Sendrey nota que as religiões de mistério pagãs trouxeram para Roma “um grande número de músicos estrangeiros e dançarinos. Os instrumentos e concertos de música foram ganhando pouco a pouco uma posição sólida no teatro, sendo empregados mais tarde abundantemente na música de entretenimento dos romanos”. 12
Em alguns aspectos os ritos extáticos das religiões de mistério pagãs, que intoxicavam as massas, assemelham-se ao excitamento frenético causado hoje em dia, pelos dos concertos de rock. Os cristãos que acreditavam em um Deus santo, transcendente, rejeitaram fortemente, a extravagância musical dos cultos pagãos. 13 Como Hanoch Avenary observa: “O tinir, golpear, e chocalhar acompanhava os cultos pagãos, e as charamelas frenéticas de uma dúzia de ritos extáticos intoxicavam as massas. Em meio a esta festa eufórica de despedida de uma civilização que morria, as vozes dos não-conformistas estavam emergindo dos lugares de adoração judaicos e da igreja apostólica”. 14 (N.T. – A charamela é um antepassado do oboé)
Os defensores da música rock “cristã” argumentam que seguem a tradição dos cristãos, que no passado adotaram músicas e formas artísticas seculares para comunicarem a mensagem cristã. Este argumento dificilmente pode ser apoiado pelo testemunho dos cristãos primitivos que se recusavam a participar ou a adotar essas formas seculares de entretenimento que eram contrárias à mensagem e aos valores morais cristãos.
No capítulo 7 veremos que os cristãos seguiram a tradição da sinagoga, proibindo o uso de instrumentos musicais nos seus cultos na igreja por causa de sua associação pagã. A visão popular de que a música rock pode ser adotada para alcançar a sociedade secular, porque a igreja no passado adotou a musica secular para alcançar as massas, é baseada em uma evidente ignorância da realidade histórica. A verdade neste assunto é que os cristãos primitivos se distanciaram não apenas das canções seculares, mas também dos instrumentos musicais usados para o entretenimento secular e adoração pagã. Voltaremos a este ponto no capítulo 7.
Rejeição de Entretenimento Secular. Um documento do segundo século conhecido como Octavius escrito por Minicius Felix, contém um diálogo entre um pagão, Caecilius, e um cristão, Octavius. O pagão
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Caecilus acusa seu amigo cristão, Octavius, de abster-se da vida social, dizendo: “Você está se privando de prazeres respeitáveis. Você não visita espetáculos; não tem nenhuma preocupação com apresentações públicas; rejeita os banquetes públicos, e detesta as competições sagradas”. 15 Octavius reconhece a verdade desta acusação e explica os motivos que o levam a esta abstenção, isto é, a violência e a imoralidade promovidas por tais espetáculos eram contrárias aos valores cristãos.
“Pois, nas corridas de carruagens, quem não estremece diante da loucura das multidões brigando entre si? Ou diante do ensinamento de assassinatos nos combates de gladiadores? Também no teatro a loucura não é menor e a libertinagem é mais prolongada: hoje um mímico expõe ou exibe adultérios; mais adiante, um ator irritado, enquanto finge luxúria, sugere-a; o mesmo ator difama seus deuses atribuindo-lhes adultérios, suspiros e ódio”. 16
Os cristãos primitivos sobreviveram e tornaram-se uma força transformadora no império romano, não pela purificação de formas pagãs de entretenimento de forma a usa-las para comunicar a mensagem cristã, mas pela rejeição dos espetáculos e valores seculares, imorais, promovidos pelos astros de Hollywood de seu tempo. Eles recusaram-se a assistir aos seus espetáculos, até mesmo se isto significasse ser ridicularizado e rejeitado como “misantropo”, um termo usado, freqüentemente, para denotar seu estilo de vida não-conformista. Imagine o que aconteceria hoje na América ou em qualquer país cristão, se todos os professos cristãos seguissem o exemplo dos cristãos primitivos recusando-se a assistir ou participar em qualquer forma de entretenimento que promovesse violência ou imoralidade! A indústria de entretenimento teria que fazer uma limpeza em seus programas, se quisesse permanecer nesse negócio. (N.T. – Misantropo é aquele que evita a convivência, que prefere a solidão, que é solitário, insociável)
Música na Igreja Apostólica. Na igreja apostólica a música era largamente inspirada pela visão de um Deus e Salvador majestoso e transcendente, que devia ser aproximado com, temor e reverência. Encontramos um vislumbre de tal música nos hinos “cristocêntricos” do Novo Testamento, especialmente no livro do Apocalipse (Apocalipse 4:8, 11; 5:9; Efésios 5:14; I Timóteo 3:16; Colossenses 1:15-20).
Discutindo como a visão transcendente da divindade moldou os estilos musicais tanto do cristianismo quanto do islamismo primitivo, Lois Ibsen Al Faruqui oferece esta informação descritiva: “A música religiosa evitava o emotivo, o frívolo, as repostas descontroladas, tanto de grande alegria quanto de grande pesar. O alcance limitado e a continuidade das notas do canto gregoriano e do canto do Alcorão, a prevalência de uma progressão gradual, o evitar de
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grandes saltos melódicos – tudo isto contribuiu para este objetivo. Os tempos frouxos, o movimento calmo e contínuo, a rejeição de acentuação forte e de grandes alterações na intensidade ou volume condiziam, da mesma forma, com uma atitude de contemplação e abandono de envolvimentos mundanos. O uso de unidades métricas regularmente repetidas teria levado à tendência de suscitar associações, movimentos cinestésicos e emoções incompatíveis com a noção de religiosidade entre os muçulmanos e os cristãos primitivos. Portanto, estes eram evitados…. A música contribuiu com pouco ou nada para o conteúdo dramático/programático ou para a pintura tonal imitativa dos objetos, eventos, ideias ou sentimentos deste mundo. Assim, as suas qualidades abstratas têm sido uma característica marcante…. As características formais estavam de acordo com esta tendência, tornando os elementos de unidade e mudança dependentes de uma correspondência com as unidades poéticas, em vez dos fatores narrativos ou descritivos.” 17
Ela continua explicando que não apenas a estrutura da música, mas também a forma como era executada era influenciada pela concepção sublime de Deus e pelo abandono das associações seculares: “A prática da execução, dependendo da voz humana, tem evitado as associações seculares que os instrumentos podem trazer, bem como as harmonias de acordes que poderiam ser sugestivos de efeitos emocionais ou dramáticos. Mesmo o uso da voz ou vozes humanas… tem evitado o sensual e imitativo, de forma a ampliar o efeito espiritual no ouvinte.” 18
A música solene, que inspirava o temor a Deus, da igreja apostólica era impulsionada por uma visão sublime de Deus. Seu afastamento das associações seculares que os instrumentos musicais poderiam trazer é particularmente relevante para o debate atual sobre o uso da música e instrumentos associados com o cenário do rock. A lição a ser aprendida do testemunho da igreja apostólica é que a adoração de um Deus santo, majestoso, pede por uma música sacra que evite associações seculares
A Idade Média. O reconhecimento e a proteção imperial dados ao cristianismo no século IV não mudou de forma significativa a visão transcendente da divindade “Deus além de nós”. Os cristãos adaptaram as fórmulas artísticas usadas para exaltarem a glória do monarca para representar sua concepção da onipotência e transcendência de Deus. O desenvolvimento do sacerdotalismo e dos sacramentos, distanciou ainda mais a Deus da experiência direta dos adoradores, cuja participação na adoração foi minimizada. Na realidade, o cântico era realizado principalmente pelo clero, e não pela congregação. Os membros leigos eram espectadores, em vez de serem participantes nos cultos da igreja.
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A concepção de “Deus além de nós” foi refletida na música da época, onde, como Paul Lang aponta, “o assunto e a meta da música de culto cristã era e permaneceu sendo … a glorificação de Deus e a edificação do homem.” 19 O foco da música na igreja, como nota Wolfgang Stefani, “era o Deus transcendente, e a humanidade deveria ser ensinada sobre Ele e elevada ao Seu reino. A contemplação, em lugar do envolvimento, era a ênfase; idealismo, não realismo; instrução, não o prazer; significado espiritual, e não o poder psico-fisiológico eram os objetivos. Estes ideais podem ser traçados na maioria das expressões artísticas cristãs por um período de mil anos”. 20
A consciência que a sociedade tinha de Deus, como Governador transcendente e onipotente do gênero humano, que existiu durante a Idade Média, nunca mais foi igualada. Como Johansson demonstra, “não existiam as categorias ‘sacra’ e ‘secular’. Arte, música, e drama tinham apenas uma finalidade – o louvor a Deus. Nenhum custo era por demais elevado, nenhum esforço muito grande para tornar realidade aquilo que trouxesse glória ao Criador. Conseqüentemente, a arte estava repleta de simbolismo eclesiástico. Na música, o compasso ternário tinha um significado religioso porque se pensava que ele simbolizasse as três pessoas da Trindade. O intervalo musical de quarta aumentada foi evitado porque se pensava que sua falta de consonância representasse o diabolus in musica, o diabo na música”. 21
Durante a maior parte da Idade Média a música sacra foi limitada à monofonia do cantochão, que consistia em uma nota cantada de cada vez, sem nenhuma harmonia ou acompanhamento. Por volta da virada do primeiro milênio, compositores medievais introduziram a polifonia, ou seja, duas, três ou quatro partes a serem cantadas simultaneamente. Esta foi uma inovação incrível. Antes da polifonia, todo o canto consistia em uma linha melódica, conhecida como cantochão. Não havia harmonia, nem acordes, nem pianos, nem orquestras.
Aqueles que argumentam que a igreja do passado tomou emprestadas melodias seculares para compor música sacra, ignoram que a música medieval era muito homogênea, e não havia “nenhuma distinção entre o sacro e o profano até o começo da era barroca”. 22 “As diferenças entre os estilos do canto gregoriano, trovador e canções folclóricas, eram menos importantes que sua interpenetração melódica e seu relacionamento comum a uma deidade universal infinita”. 23
Embora abalados pelas invasões e influências bárbaras, a sociedade medieval permaneceu orientada em direção a Deus e à igreja. As pessoas viviam para servir a Deus com seu trabalho e sua igreja. Eles compreendiam Deus como um Ser transcendente “além de nós” e sua música da igreja revelava sua
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preocupação em honrar o Regente infinito e onipotente do universo, em vez de buscar o prazer pessoal.
2. A Orientação “Deus Por Nós”
A orientação medieval transcendental do “Deus além de nós”, foi substituída, gradualmente, no início do século XVI com uma concepção imanente de “Deus por nós.” A Reforma Protestante teve um papel fundamental ao encurtar a “distância” entre Deus e o crente. Acabando com o papel de mediação dos padres e santos e enfatizando o sacerdócio de todos os crentes, que têm acesso direto a Deus, a Reforma ajudou as pessoas a verem Deus como um Ser “amável”, “por nós” e perto de nós, e acima de tudo “sobre nós.”
A visão medieval de Deus como um Juiz severo, inacessível, foi substituída pela visão de um Deus amoroso, ansioso em salvar a todos aqueles que aceitem a reconciliação provida pelo sacrifício expiatório de Seu Filho. Embora Deus ainda fosse reconhecido como acima e além de nós, a mudança do enfoque estava no Salvador amoroso a quem os crentes poderiam se aproximar direta e pessoalmente.
O Papel de Lutero. A nova visão da proximidade e acesso a Deus, encorajou a produção de uma música que fosse mais expressiva da vida cotidiana. Lutero teve um papel primordial na produção de música expressiva da nova compreensão de Deus e da salvação, e na promoção do canto congregacional na linguagem comum das pessoas. Ao contrário de Lutero, Calvino e Zwinglio censuravam o canto de palavras que não estavam nas Escrituras, permitindo que apenas os Salmos fossem cantados na adoração.
Nos dias de Martinho Lutero não era permitido às congregações que cantassem nos cultos da igreja católica. Assim, o “treinamento musical” da maioria das pessoas consistia, principalmente, em melodias populares apanhadas na rua. Friedrich Blume observa, “pessoas acostumadas a cantar apenas em um ambiente secular e a permanecerem calados na igreja tradicional… agora tiveram que aprender a cantar na igreja”. 24
Lutero desenvolveu um estilo único de música para a igreja, conhecido como coral, tomando emprestado algumas melodias familiares, cantáveis, às quais ele acrescentou um texto cristão. Os defensores do rock “cristão” argumentam que uma vez que Lutero tomou emprestadas melodias das canções de bar daquela época, e acrescentou textos Cristãos a elas (conhecidas como contrafacta), nós também podemos tomar emprestadas melodias da música rock de nossos dias e acrescentar a elas letras cristãs.
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Larry Norman, um líder bem conhecido de MCC, escreveu a canção “Por Que o Diabo Deveria Ter Todas as Boas Músicas.” O título desta canção é tirado de uma afirmação que se originou com Lutero. Norman sentiu que, se Lutero podia usar melodias que eram cantadas nos bares, os músicos contemporâneos poderiam fazer o mesmo. Pobre Lutero! Ele ficaria chocado em saber como suas palavras foram torcidas para dizerem algo totalmente diferente daquilo que ele pretendia que elas significassem.
Lutero e a Música Secular. O apelo a Lutero é freqüente na literatura favorável ao rock “cristão”. Por exemplo, em seu livro The Contemporary Christian Music Debate, Steve Miller escreveu: “Os modelos para suas letras [de Lutero] eram as baladas populares do seu tempo. As melodias foram emprestadas de canções folclóricas populares alemãs, música das massas, e até mesmo um hino a Maria. Lutero não estava preocupado com a associação ou origem das melodias, e sim com sua habilidade para comunicar a verdade”. 25
De modo semelhante, Michael Tomlinson escreveu na revista Ministry: “Eliminar as raízes seculares da música cristã significaria dizer adeus aos hinos de Martinho Lutero, nos quais a música foi emprestada das melodias folclóricas alemãs”. 26 Na mesma edição da Ministry (setembro de 1996), Lillianne Doukhan, Professora de Música do Seminário Teológico da Igreja Adventista do Sétimo Dia na Universidade Andrews, escreveu: “Martinho Lutero usou melodias e ritmos familiares às pessoas para seus corais. Ao contrário de Calvino, Lutero não percebeu a igreja como separada da sociedade; em sua filosofia, elementos seculares poderiam ser transformados de acordo com uma nova compreensão”. 27
O argumento de que, uma vez que Lutero tomou emprestado das melodias seculares, populares de sua época, também podemos tomar emprestadas das melodias do rock popular de hoje, é enganoso e incorreto, por pelo menos cinco razões.
Primeiro, Lutero usou o que podia ser chamado de música “clássica” da sua época, e não um tipo sacrílego de música como a maioria da música rock secular de hoje. Lutero não adotou a música sensual, erótica do seu tempo. Pelo contrário, ele advertiu contra o uso do “extravagante erótico”, como sendo os meios que o demônio usaria para corromper a natureza humana. 28
As melodias adotadas por Lutero, escreve Ulrich Leopold, “eram populares, mas nunca vulgares. Canções de farras e bebedeiras também estavam disponíveis no século XVI. Lutero se afastou delas. Ele nunca considerou a música como uma mera ferramenta que pudesse ser empregada sem considerar sua associação original…. mas teve o cuidado de combinar texto e melodia, de forma que cada texto tivesse sua própria melodia, e que ambos complementassem um ao outro”. 29
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Segundo, dos trinta e sete corais compostos por Lutero, somente uma melodia veio diretamente de uma melodia folclórica secular. Quinze foram compostas pelo próprio Lutero, treze vieram de hinos latinos ou músicas de culto, duas eram, originalmente, canções religiosas dos peregrinos, quatro derivavam de canções religiosas populares alemãs, e duas são de origem desconhecida. 30 O que a maioria das pessoas ignora é que mesmo a melodia que foi tomada emprestada de uma canção folclórica, e que “apareceu no hinário de Lutero de 1535, foi substituída mais tarde, por outra melodia no hinário de 1539. Os historiadores acreditam que Lutero a descartou porque as pessoas associavam esta melodia com o seu texto secular anterior”. 31
Estes fatos tiram o crédito da suposição popular de que Lutero tomou emprestado a maioria de suas canções de fontes seculares. O fato real é que ele retirou muito pouco de fontes seculares. O compositor favorito de Lutero era Josquin de Prez, que era considerado o compositor mais competente daquele século. 32
Lutero Procurou Remover Conotações Mundanas. Terceiro, Lutero mudou a estrutura melódica e rítmica das melodias que tomou emprestado de fontes seculares, de forma a eliminar qualquer possibilidade de influência mundana. Em seu livro erudito, Martin Luther, His Music, His Message, Robert Harrell explica: “O modo mais efetivo de [opor-se] à influência mundana seria ‘des-ritmar’ a música. Evitando melodias dançantes e ‘des-ritmando’ outras canções, Lutero obteve um coral com um ritmo marcado, mas sem os dispositivos que lembrariam as pessoas do mundo secular. O trabalho feito por Lutero e outros músicos luteranos foi tão bem sucedido, que os eruditos freqüentemente não eram capazes de descobrir as origens seculares dos corais. A outra forma pela qual Lutero procurou remover associações seculares da mente da congregação foi através do uso da Bíblia e de alusões bíblicas nos textos. Enchendo seus corais com a Palavra escrita, Lutero buscou dirigir os pensamentos de seu povo para a Palavra Viva”. 33
Harrell conclui seu estudo bem documentado, dizendo: “Um estudo dos corais de Lutero revela dois fatos importantes acerca do uso que Lutero fez dos elementos seculares em sua música sacra: (1) Embora houvesse muita música popular disponível para ele, desde canções de bebida e melodias dançantes até canções folclóricas religiosas e canções alegres, Lutero escolheu somente aquelas melodias que se prestassem aos temas sacros e evitou o vulgar, ‘as canções de farras e bebedeiras’ e melodias de dança. (2) Nenhum material que Lutero usou para os corais permaneceu inalterado, com exceção de um caso previamente notado. Em vez disto, ‘ele testou cuidadosamente as melodias que considerou, e quando necessário moldava-as de acordo com a conveniência…. A alteração era feita livremente.” 34
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Quarto, é importante notar que Lutero viveu na “Idade da Fé”, e não na “Idade do Ceticismo” como nós. A cultura do tempo de Lutero foi influenciada pela fé religiosa e por valores morais. As principais universidades e as belas artes eram controladas ou patrocinadas pela igreja. A distinção entre música secular e música religiosa era relativa.
Friedrich Blume explica: “O protestantismo preservou a classificação medieval do mundo, com a arte secular submetida a uma disciplina intelectual caracterizada pela devoção e pelo eclesiástico. Sob essas condições a disparidade entre música sacra e secular, a princípio dificilmente tornar-se-ia um problema”. 35 Sob a luz deste fato, “dizer que Lutero tomou emprestado de fontes seculares é admitir que ele confiou, na pior das hipóteses, numa cultura baseada na religião”. 36
Há uma grande diferença entre a cultura secular do tempo de Lutero e de nosso tempo. A música secular da época de Lutero foi inspirada, amplamente, por uma fé religiosa, enquanto a maioria da música rock secular de hoje rejeita e desafia abertamente a fé Cristã e valores morais.
Quinto, Lutero arranjou a música para os jovens de seu tempo, de modo a conduzi-los para longe da atração da música mundana. Isto dificilmente pode ser dito da música rock “cristã” de hoje, que retém a melodia e o ritmo do rock secular. Lutero explicou por que ele mudou os arranjos musicais de suas canções: “Estas canções foram arranjadas em quatro partes, pela simples razão de que eu quis atrair a juventude (que deve e deveria ser treinada em música e em outras belas artes) para longe das canções de amor e peças carnais, dando-lhes, em vez disso, algo íntegro para aprender, de modo que possam entrar com prazer no que é bom, como é condizente à juventude”. 37
À luz destes fatos, qualquer pessoa que use a declaração de Lutero “Por que o Diabo deveria ter todas as boas músicas?” para defender o uso da música rock na igreja precisa saber que o argumento é claramente negado pelo que Lutero disse e fez. O uso que Lutero fez da música secular nos ensina, não a purificar a música rock, a qual promove sexo, drogas, violência, e sim a escolher a melhor música de nossa cultura, e fazer disto um meio apropriado para comunicar a Palavra de Deus. Que maravilhoso exemplo temos em Martinho Lutero!
3. A Orientação “Deus Ao Nosso Lado/Deus Conosco”
O conceito imanente de “Deus por nós” promovido pela Reforma século XVI, moveu-se, progressivamente, mais e mais em direção
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a uma compreensão e a uma experiência subjetiva de Deus. Este desenvolvimento de “Deus ao nosso lado” para “Deus em nós” começou no século XVII e tem continuado até nossos dias.
O aspecto imanente da experiência imediata e íntima de Deus, tem sido enfatizado de forma crescente. A experiência pessoal e interna do divino se tornou a marca oficial do Pietismo, Metodismo, Evangelismo, Reavivamento Americano, Movimento de Santidade, Pentecostalismo. A música rock, como veremos, segue uma orientação semelhante, oferecendo a seus fãs os meios para se ligarem a um poder “sobrenatural.”
Wolfgang Stefani nota duas correntes diferentes entre estes movimentos – correntes que têm convergido e se integrado gradualmente, no último século. “A primeira categoria – ‘Deus ao nosso lado’ – inclui o Pietismo (em sua fase inicial, do século XVII e século XVIII), o Metodismo, e o Evangelismo. A segunda categoria – ‘Deus em nós’ – inclui o Reavivamento Americano do século XIX, o Movimento de Santidade, e o Pentecostalismo. A primeira corrente enfatizava a relação diária e cooperativa com o Espírito Santo, enquanto a segunda enfatizava o abandono ao controle do Espírito. Enquanto ambos realçavam a proximidade do Divino, a primeira adotava uma postura mais racional, enquanto que a segunda favorecia uma aproximação mais irrestrita, intuitiva.” 38
Uma característica comum destes movimentos foi a adoção de melodias para os hinários evangélicos derivados da música de ópera e salas de concertos. A música da igreja tornou-se muito orientada ao eu, emocional, sentimental, e apelativa aos sentidos. Isto foi verdade especialmente no movimento carismático, que se desenvolveu rapidamente. O objetivo da música era fazer as pessoas experimentarem um encontro extático com Deus no nível emocional.
A Música Orientada ao Eu. Um bom exemplo da música orientada ao eu é o “movimento de canção Gospel do século XIX”, o qual, como Calvin Johanssen explica, “deu novo significado ao conceito do egoísmo religioso. Canções como ‘Will There Be Any Stars in My Crown?’ e ‘A Sinner Like Me’ eram típicas no progresso cultural do ‘egocentrismo’. Juntando-se com a nostalgia melodramática, uniram-se à tendência em direção à completa subjetividade. Canções evangélicas como “My Mother’s Prayer”, (‘Enquanto eu vagava em volta da casa, Muitos lugares familiares queridos Foram trazidos à minha lembrança Cenas que eu parecia ter esquecido’), como também ‘I am Coming, Dear Saviour’, eram típicas da orientação egoísta deste gênero.” 39
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A orientação egoísta caracteriza hoje, muito da música rock secular e “cristã”, as quais falam muito mais do “eu” e “mim” do que de Cristo e Deus. Até mesmo de Sir Elton John, que recebeu recentemente o título de cavaleiro, autor da canção popular “Candle in the Wind”, não hesitou em cantar sobre a solução de seu tédio:
Eu estou entediado
de ser parte da humanidade,
acho que vou comprar um quarenta e quatro
e dar a todos um alvorecer.
Sim, acho que vou me matar,
cometendo um pequeno suicídio. 40
Que forma trágica de se achar uma solução para o tédio! Mesmo assim, esta solução não surpreende quando o “eu” ocupa o lugar de Deus na vida de uma pessoa. Esta mesma orientação egocêntrica está presente em muitas canções de rock “cristãs”, como veremos no próximo capítulo. Um exemplo pode ser encontrado nas palavras da canção “Beheaded” (Decapitado), a qual é cantada por um grupo popular “cristão” conhecido como “Vengeance.” (Vingança)
Eu quero que (minha) cabeça seja decepada
Você verá (meu) corpo apodrecer
Mas então (eu vou) reinar com Cristo
E você vai fritar. 41
Esta canção “cristã” ultrajante, que termina com os gritos de pecadores torturados, revela uma direção clara na música rock, isto é, enfocar os dilemas humanos, em vez da provisão de Deus para a salvação de todo ser humano.
Charlie Peacock, um artista premiado, compositor, e produtor de Música Cristã Contemporânea (MCC), em seu livro At the Crossroad: An Insider’s Look at the Past, Present, and Future of Contemporary Christian Music, reconhece que a troca de Deus pelo eu que tem ocorrido na MCC, se deve em parte à influência carismática. Ele escreveu: “Enfatizando a obra e os dons do Espírito Santo, e especialmente o profetizar em revelação espontânea e o falar em línguas, o enfoque mudou do conhecimento de Deus através de Sua Palavra, para o conhecimento de Deus através da experiência. Isto, por sua vez, mudou o enfoque do pensamento para o sentimento, de forma que, para muitos crentes, sua experiência tornou-se a medida da verdade, tanto quanto a certeza da Palavra da Verdade…. Para alguns cristãos, o desejo por experiências carismáticas eclipsou gradualmente seu desejo em aprender de Deus pela Bíblia” . 42
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A Experiência Pentecostal “Deus em nós”. A busca atual por uma experiência carismática através da música, pode ser traçada até as primeiras músicas Pentecostais do século XIX, as quais, normalmente, ocupavam dois terços do culto de adoração. 43 A música era caracterizada pelas palmas, batidas com os pés, e a dança no espírito. 44
“O cantar intenso era, geralmente, acompanhado pelo dedilhado das guitarras, a batida rítmica de pandeiros e tambores, e o ressoar dos metais conforme os novos convertidos traziam seus instrumentos dos grupos de dança recém-abandonados para a casa de adoração”. 45 Coros repetitivos com melodias de origem secular, juntamente com drama e mímica, tudo isto era utilizado para produzir um excitamento emocional em lugar da compreensão intelectual. 46
George Pullen Jackson, especialista em hinologia folclórica da América do Norte, fornece um testemunho ocular multicolorido de como a música funcionava no culto de uma Igreja de Deus em Cleveland, Tennessee, em 1929. A música começava no ponto mais alto do culto, conhecido como “o culto do altar”. “Então a função das canções, como um barulho rítmico, como tom-tom, para induzir ao êxtase desejado, tornou-se aparente. Deste momento em diante ninguém ficou de fora. O espírito moveu alguns a dançar, outros a falarem numa língua desconhecida, gritarem, empurrarem, ou caírem imóveis num transe. Os pranteadores, em número cada vez maior, caíram ajoelhados, com os cotovelos em uma cadeira dobrável, no altar, enquanto os exortadores batiam palmas no compasso da música….Após meia hora, o canto cessou. Também os que tocavam os instrumento, desgastados, desapareceram um por um, deixando apenas o pianista e um tocador de pandeiro a quem não podia ver, a continuar o invariável e quase aterrorizante barulho rítmico.” 47
Campal Adventista em Indiana. O uso de música alta, rítmica para causar um “clímax” emocional imediato de Deus, não era estranho ao adventismo primitivo, como Ronald Graybill documentou. 48 Uma manifestação incomum de tal experiência aconteceu em uma reunião campal, em Muncie, Indiana, dos dias 13 a 23 de setembro de 1900. Stephen Haskell, um escritor e líder da igreja adventista, descreve o que viu numa carta escrita a Ellen White, no dia 25 de setembro de 1900: “Está além da descrição… Há um grande poder que vai com o movimento que ali está… por causa da música que foi trazida para ser tocada na cerimônia. Eles têm um órgão, um contra-baixo, três violinos, duas flautas, três pandeiros, três trompas, e um grande tambor, e talvez outros instrumentos os quais não mencionei. . . Quando eles vão para o registro agudo, não se consegue ouvir uma palavra cantada pela congregação, nem ouvir qualquer coisa, a não ser os gritos agudos daqueles
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que estão meio insanos. Eu não acho que estou exagerando em nada. Eu nunca vi tal confusão em minha vida. Eu já presenciei cenas de fanatismo, mas nunca vi nada semelhante a isto”. 49
Ella Robinson, uma neta de Ellen White, oferece-nos uma descrição semelhante de tais reuniões religiosas: “Eles eram levados a buscar uma experiência de demonstração física. O tambor baixo e os pandeiros ajudavam nisto. Esperava-se que um, possivelmente mais, dentre eles, caísse prostrado ao chão. Este seria levado então à plataforma, onde uma dúzia ou mais de pessoas se reuniriam à sua volta e gritariam ‘Glória a Deus’, enquanto outros oravam e cantavam”. 50
É digno de nota que balbúrdia de ruídos na Campal de Indiana e em reuniões religiosas semelhantes, foram inspirados pela “Doutrina da Carne Santa”, a qual era amplamente aceita pelos líderes da Conferência em Indiana, inclusive seu presidente, R. S. Donnell. 51 De acordo com seus ensinos, os cristãos podem receber uma carne incorruptível agora e estarem vivos quando Jesus retornar. Deve ser notado que a música instrumental alta, rítmica, tocada nas reuniões religiosas foi projetada para facilitar esta experiência física do poder transformador divino. De muitas formas a “Doutrina da Carne Santa” representa outro exemplo da concepção do divino “Deus em nós” que traçamos historicamente, e da tentativa para experimentar o poder de Deus através da música alta e rítmica.
Ellen White assumiu uma posição fortemente contrária à “Doutrina da Carne Santa” e a música usada para promove-la. Ela escreveu: “O Espírito Santo nunca Se revela por tais métodos, em tal balbúrdia de ruído. Isso é uma invenção de Satanás para encobrir seus engenhosos métodos para anular o efeito da pura, sincera, elevadora, enobrecedora e santificante verdade para este tempo. É melhor nunca ter o culto do Senhor misturado com música do que usar instrumentos musicais para fazer a obra que, foi-me apresentado em janeiro último, seria introduzida em nossas reuniões campais… Uma balbúrdia de barulho choca os sentidos e perverte aquilo que, se devidamente dirigido, seria uma bênção…. Essas coisas que aconteceram no passado hão de ocorrer no futuro. Satanás fará da música um laço pela maneira por que é dirigida“. 52
A advertência de Ellen White teve seu efeito desejado. A música instrumental alta e rítmica cessou nas igrejas adventistas. Somente em tempos recentes é que a música rock alta, sincopada, começou, novamente, a fazer seu aparecimento nas reuniões de jovens adventistas e em um número crescente de igrejas. Este desenvolvimento não é surpreendente, pois com iluminação profética Ellen White predisse no início do século que “Essas coisas que aconteceram no passado hão de ocorrer no futuro. Satanás fará da música um laço pela maneira por que é dirigida.” 53
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Música Ragtime. É digno de nota que a aceitação de música alta, rítmica na virada do século pelas igrejas pentecostais e algumas igrejas adventistas coincide com o tempo quando a “música ragtime” estava varrendo toda a América e Europa. Em agosto de 1899 Scott Joplin, um homem negro conhecido como o Rei da Música Rag, publicou o The Maple Leaf Rag. As pessoas aprenderam rapidamente a dançar à batida sincopada da música rag, que foi popularizada pelo líder da banda White, Willian Krell e outros.
A música rag, que foi a precursora do blues e da música rock, parece ter influenciado a adoção de música alta e rítmica por algumas igrejas cristãs na virada do século, da mesma forma que a música rock está influenciando algumas igrejas cristãs hoje. A história está se repetindo. É uma infelicidade que, muito freqüentemente, as igrejas cristãs têm sido vagarosas em aprender as lições da história
Da Música Centrada em Deus para a Música Centrada no Eu. O uso da música para induzir um “clímax” espiritual extático, é apenas uma manifestação moderna da forte concepção imanente de “Deus em nós”, que leva as pessoas a buscarem por uma experiência emocional imediata de Deus através do estímulo da música rítmica, alta. A evolução histórica que traçamos brevemente, desde a compreensão transcendental de “Deus além de nós” durante o período medieval, para a concepção de imanente de “Deus por nós” durante a reforma no século 16, e para a percepção de “Deus em nós” no século 17 até nossos dias, ajuda-nos a entender a evolução gradual da música na igreja para o canto coral, e para a rock “Cristão” de hoje.
A atração popular da música rock “cristã” de hoje como meio de induzir a um “clímax” emocional, deve ser vista como o resultado natural da evolução contínua na compreensão de Deus durante a história Cristã. A mudança de uma visão predominantemente transcendente de “Deus além de nós” para uma concepção imanente inquestionável de “Deus em nós”, encorajou a produção de músicas que foram se tornando, gradualmente, mais egocêntricas e menos centradas em Deus.
A evolução histórica da música na igreja, que traçamos acima, ensina-nos a importância de mantermos uma compreensão correta de Deus e Sua revelação. Na Escritura Deus revelou a Si próprio como sendo tanto transcendente quanto imanente, além de nós e dentro de nós. Estas duas dimensões da auto-revelação de Deus devem ser mantidas em seu equilíbrio apropriado, de forma a assegurar uma experiência religiosa e uma música na igreja que sejam saudáveis. Os capítulos 6 e 7 examinarão mais de perto como nossa teologia deve informar nossa experiência religiosa, inclusive a melodia e o ritmo de nossa música.
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Para compreendermos melhor por que a música rock ganhou tão imensa popularidade em nossa sociedade, e em muitas igrejas cristãs, precisamos considerar brevemente dois significativos desenvolvimentos concomitantes. O primeiro é a orientação panteísta/imanente da música Afro/Indiana, que é a raiz da música rock. O segundo, é a influência de ideias humanísticas que moldaram muito do pensamento Ocidental, especialmente durante os dois últimos séculos. Ambos desenvolvimentos, como veremos, facilitou a adoção da música rock, tanto no mundo secular como no cristão.
As Raízes Afro/Indianas da Música Rock. Em sua análise penetrante da música rock, publicada pela Imprensa da Universidade Oxford e intitulada The Triumph of Vulgarity: Rock Music in the Mirror of Romanticism, Robert Pattison demonstra que a música rock busca sua inspiração, não das religiões transcendentais do Confucionismo ou do Islã, mas de seu lar original na África e na Índia. 54 A razão é a presença nestas culturas de uma concepção panteísta/imanente de Deus, que é visto como estando, não além, mas dentro do indivíduo e no mundo natural ao seu redor. Esta concepção é refletida especialmente nas características estruturais do tipo de música de possessão e transe da África Ocidental.
Pattison explica que o indivíduo nestas culturas “vive um credo que engole a história. Sua casa é o agora eterno, primitivo, do qual o rock traça sua descendência:
Salve, salve, rock ‘n’ roll,
Livra-me dos dias passados,
Vida longa ao rock ‘n’ roll,
A batida dos tambores alta e ousada,
cantava o guru negro Church Berry no clássico do rock ‘School Days.’ … O rock é atraído a culturas primitivas que prometem a libertação de uma história que parece prometer a morte da imaginação”. 55
As raízes africanas da música rock explicam por que, de acordo com Pattison, que “o Delta é a raiz e o Mississipi o caule para o florescimento da música africana na América…. Sam Philipps tinha as credenciais ideais para ser o instigador da revolução do rock. Ele nasceu no Alabama e se criou entre os campos de algodão. Cresceu com uma paixão pela música negra que era uma parte integrante da vida agrícola no Delta do Mississipi e das pessoas que o fizeram”. 56
“O segredo do sucesso de Philipps’ não foi sua devoção ao gênio negro, mas sua apreciação pelo gosto branco… Ele é a fonte da observação mais famosa já feita sobre o rock, feita antes que houvesse rock:
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‘Se eu pudesse encontrar um menino branco que cantasse como um negro, eu ganharia um milhão de dólares’… Phillips achou o seu menino branco em Elvis Presley. Aos 19 anos Elvis gravou seu primeiro disco profissional para Phillips no dia 6 de julho de 1954, uma data que será sempre lembrada como o dia em que o rock começou…. O que a crença na encarnação é para um cristão, a devoção a este mito das origens negras é para o roqueiro”. 57
O enfoque panteísta/imanente da música rock, derivado de suas raízes africanas, assemelha-se tanto com a orientação mundana de nossa cultura humanística, quanto com a orientação de “Deus em nós” de muitos cristãos de hoje. A convergência destes três fatores, ajuda-nos a entender por que a música rock, tanto em sua versão secular quanto na versão “cristã”, tornaram-se o gênero mais popular da música de hoje. Dito de forma simples, os afro-americanos, os humanistas e muitos cristãos têm sido atraídos pela música rock, porque encontram nela o meio que os ajuda a expressar e experimentar sua cosmovisão panteísta/imanente semelhante. Cada grupo experimenta através da música rock, de diferentes maneiras, o sentimento de estar ligado a algo maior que eles mesmos.
Música de Reavivamento e as Conversões Afro-Americanas. Um apoio adicional à associação entre a música africana e a orientação de “Deus em nós” de muitos cristãos de hoje, é fornecido pelos recentes estudos acadêmicos sobre o relacionamento entre o cristianismo e a experiência afro-americana. A pesquisa indica que antes de 1740 relativamente poucos afro-americanos foram convertidos ao cristianismo na América do Norte. 58 A situação mudou drasticamente com o advento dos movimentos de reavivamento e das reuniões campais na metade do século XVIII e continuando até o século XIX. Conversões entre afro-americanos aumentaram notavelmente, especialmente para as igrejas Metodista, Batista, e denominações independentes.
Olly Wilson sustenta que um fator significante freqüentemente negligenciado é “que vários aspectos das formas comuns de adoração usados pelo movimento reavivamentista protestante dos Estados Unidos naquela época era consoante a várias práticas tradicionais da África Ocidental”. 59
De modo semelhante Melville Herskovits argumenta que os afro-americanos foram atraídos pelo cristianismo do tipo do reavivamento porque “seu ritualismo se assemelhava em muito ao tipo de adoração que eles conheciam”. 60 Algumas das características comuns incluíam: “Choros e gemidos emocionais altos durante o culto, adoradores saltando de seus assentos, gritos,
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empurrões, berros, cair em convulsão, falar em línguas, e começar a dançar; o uso da música na criação de uma atmosfera emocional; a apresentação de hinos e canções espirituais em formato de perguntas e respostas ou numa estrutura de versos-estribilho, onde a congregação cantava junto nos refrões familiares ou nas linhas repetitivas; e a aceitação de uma participação exuberante e excitante”. 61
Os afro-americanos responderam a este tipo de música e programas de reavivamento, porque de muitas formas eles refletiam suas raízes nativas africanas e sua orientação cultural. Era proveniente das mesmas raízes africanas das quais mais tarde a música rock and roll nasceu. É difícil de acreditar, observa Pattison, “que a civilização mais próspera na história da humanidade, na plenitude de seu poder, submeteria a sua música popular à influência de uma minoria africana oprimida que se atrofiava entre as terras cultivadas de seu setor econômico mais pobre”. 62 Contudo foi o que aconteceu. Por que? A resposta deve ser encontrada na influência do humanismo nas sociedades ocidentais – um movimento ideológico, o qual, como veremos agora, compartilha da orientação panteísta, mundana da música rock e, conseqüentemente, encontrou nessa música um meio para expressar a fé humanística.
A Influência do Humanismo. O humanismo é um movimento ideológico que iniciou no século XVI com o ressurgimento cultural do Renascentismo e ganhou impulso crescente até nossos dias. Poderíamos resumir o humanismo como uma mudança no foco, da divindade para a humanidade. Os humanistas repudiavam amplamente, a cultura mundana religiosa, voltada para o outro mundo, promovendo em vez dela o egocentrismo, a auto-determinação, o prazer pessoal, o conhecimento de si mesmo, e a presunção. Durante os séculos que se seguiram, o humanismo deu origem a movimentos como o “Iluminismo” que enfatizava a primazia da razão humana; e o “Romantismo” que idealizava as paixões humanas visualizando um mundo de fantasia que jamais poderia existir.
As artes, como a música, vieram preencher a função religiosa deixada vaga pela religião tradicional. Este processo foi facilitado pela orientação panteísta do Romantismo, uma orientação que prevalece hoje em nossa sociedade. O panteísmo rejeita a existência de qualquer ser transcendente, identificando o divino com todos os processos naturais. Isto significa que os panteístas buscam encontrar a Deus, não além deles, mas dentro deles e nos processos naturais ao seu redor.
Pattison define o panteísmo como “uma filosofia cesto de lixo, misturando indiscriminadamente sucatas de todos os tipos. Distinções sutis entre certo
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e errado, alto e baixo, verdade e mentira, digno e indigno, desaparecem na filosofia tolerante e eclética do panteísmo.” 63
“As ideias panteístas tem usurpado, gradualmente, o lugar da opinião estabelecida. O panteísmo herético é a ortodoxia da cultura moderna, uma revolução no pensamento da qual não existe precedente”. 64 “O panteísmo reconhece… que vivemos em um universo de experiência sensual da qual eu sou o centro e a circunferência infinita. Com esta admissão, o panteísmo ganha em honestidade o que remove em culpa”. 65
A música rock, de acordo com Pattison, é o ritual da cultura panteísta de nosso tempo, como “um meio de se aproximar do infinito”. 66 Através do êxtase da música rock, o fã transcende a limitação do tempo e espaço, ligando-se a um mundo de fantasia surrealista.
Muitos cristãos são atraídos pela música rock de hoje e a purificam para ser usada na igreja, porque a música rock secular fornece o que muitos descrevem como “um novo tipo de experiência religiosa para os jovens”. 67 No próximo capítulo daremos uma olhada mais de perto na música rock como um fenômeno religioso. Para nosso propósito imediato Evan Davies oferece uma descrição adequada de tal experiência: “O comportamento dos rockmaníacos manifesta uma fascinação, no sentido técnico de serem completamente possuídos pela experiência… A regularidade do ritmo é aumentada pelo predomínio do baixo e da percussão. A produção de volume excessivamente alto cria uma resposta sensorial fisiológica que inunda a modalidade sensorial do indivíduo. A repetição do material temático e verbal também cria um efeito hipnótico”. 68
A capacidade da música rock para criar um efeito hipnótico, obviamente atrai aqueles cristãos que estão procurando por um “clímax” na experiência emocional de Deus dentro deles. O seu entendimento teológico de Deus como uma força universal presente dentro deles e em volta deles, e sua ânsia de se conectarem a esta força, os predispõe a adotarem a música rock. Por que? Simplesmente porque o rock, através de sua batida implacável, intensidade sonora e dança ritual, cria a falsa percepção de conexão com o sobrenatural.
Pela adoção de versões modificadas de música rock, os cristãos estão susceptíveis a adotar a cosmovisão centralizada no eu, hedonista do cenário do rock e se tornarem cidadãos da “Cidade do Eu”. Como Pattison explica, “No rock, o universo é composto por duas cidades. A Cidade do Mundo é populada por zumbis que sucumbiram ao dinheiro. Estes zumbis crêem nos valores transcendentais, antagonismo tradicional entre as classes, e política como de costume. Esta é uma não-cidade, de criatividade restrita, de egoísmo sarcástico. Juntamente com a Cidade do Mundo está a Cidade do Eu. A Cidade do Eu é populada por roqueiros que reconhecem apenas uma ordem
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vulgar de sentimentos primitivos. Embora ela esteja relacionada com a Cidade do Mundo, esta Cidade do Eu está crescendo, é criativa e potencialmente infinita.” 69
Para um cristão, a alternativa é entre a cidade “da qual o arquiteto e edificador é Deus” (Hebreus 11:10, onde “não entrará nela coisa alguma impura” (Apocalipse 21:27), e a Cidade do Eu, onde todas as formas de mal são bem vindas. Escolhendo a música tocada na Cidade do Eu, os cristãos correm o risco de não conseguirem entrar na Cidade de Deus.
Conclusão
Quatro principais conclusões emergem da investigação precedente. Primeiro, a produção de música na história Cristã foi grandemente influenciada pela evolução da compreensão de Deus. A mudança histórica da compreensão transcendental de “Deus além de nós” durante o período medieval, para a concepção de imanente de “Deus por nós” durante a Reforma no século XVI, e para percepção de “Deus em nós” do século XVII até a nossos dias, ajuda-nos a entender a evolução gradual da música na igreja do canto gregoriano medieval, para o coral luterano, para o rock “cristão” de hoje.
Segundo, a convergência que aconteceu em nosso tempo entre (1) a concepção imanente de “Deus em nós” popular entre os evangélicos; (2) a visão humanista/panteísta de Deus como um processo natural, disseminada em nossa sociedade secular; e (3) o enfoque panteísta/imanente da música rock, derivada de suas raízes africanas e atrativa ao afro-americanos, cada um a seu próprio modo, facilitou a aceitação da música rock entre os cristãos e entre as pessoas de mente secularizada. Afinal de contas ambos os grupos estão buscando cumprir o anseio interior de uma experiência prazerosa do sobrenatural, e a música rock provê um meio popular para se aproximar do infinito através de seus efeitos hipnóticos.
Terceiro, a música rock representa uma ameaça insidiosa e sutil à fé Cristã, pela mudança do enfoque da fé em Deus para o eu e pelo enfraquecimento da prerrogativa cristã à revelação divina. O sociólogo Robert Pattison expressa esta ameaça de forma concisa e eloqüente, dizendo: “O rock derruba as bases que sustentam a religião, primeiramente mudando o centro da fé em Deus para o eu, e em segundo lugar, privando igrejas e seitas de sua prerrogativa a uma revelação exclusiva. Forçando igrejas a competirem com base em sua habilidade em excitar os instintos de seus adoradores, o panteísmo vulgar força os campeões das religiões organizadas a abandonarem sua pretensão a uma verdade superior e os transforma em empresários da excitação emocional. Uma vez que Deus se tornou uma mercadoria, usada para a satisfação pessoal, a sorte deles depende dos
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caprichos do mercado emocional, e sua argumentação para ordenar submissão com base na onipotência ou onisciência se esvai em uma chama de solipsismo [o eu é a única realidade] enquanto seus pastores e xamãs alimentam o sentimento, e não a fé, de seus clientes”. 70
Quarto, a cosmovisão da música rock é hostil e contrária à fé cristã. Rejeitando o Deus transcendente/imanente da revelação Bíblica, e promovendo em vez dEle uma visão de panteísta do sobrenatural que pode ser experimentada através de seus sons rítmicos, a música rock está arruinando, gradualmente, a razão de ser do cristianismo. O uso da música rock na adoração é perigoso porque transforma o culto da igreja em um mundo faz-de-conta, no qual a satisfação própria é mais importante que a adoração a um Deus Santo.
Uma declaração final adequada para este capítulo é dada pela predição de Pattison: “No curto prazo, o rock e a religião são complementares e permanecerão assim até que o panteísmo tenha tornado as denominações tradicionais tão precárias quanto as seitas passageiras da Califórnia. 71
Notas
1. William J. Schafer, Rock Music (Minneapolis, 1972), pp. 13, 99.
2. Ibid., pp. 62.
3. Clair V. Wilson e Leona S. Aiken, “The Effect of Intensity Levels upon Physiological and Subjective Affective Response to Rock Music,” Journal of Musical Therapy 14:2 (1977), p. 62.
4. Charles A. Pressler, “Rock and roll, Religion and the Deconstruction of American Values,” em All Music. Essays on the Hermeneutics of Music, eds. Fabio B. Dasilva and David L. Brunsma, (Avebury, England, 1996), p. 133.
5. William J. Schafer (nota 1), p. 76.
6. Wolfgang Hans Martin Stefani, “The Concept of God and the Sacred Music Style: An Intercultural Exploration of Divine Transcendence/Immanence as a Stylistic Determinant for worship Music with Paradigmatic Implications for the Contemporary Christian Context,” Ph. D., dissertation, Andrews University (Berrien Springs, Michigan, outubro de 1993), pp. 278-279.
7. Calvin M. Johansson, “Some theological Considerations Foundational to a Philosophy of church Music,” DMA dissertation, Southwestern Baptist Theological Seminary (Fort Worth, Texas, 1974); Music and Ministry: A Biblical Counterpoint (Peabody, MA, 1998).
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8. Calvin M. Johansson, Discipling Music Ministry. Twenty-First Century Directions (Peabody, MA, 1992), p. 45.
9. Ibid., p. 49.
10. Paul W. Hoon, “The Relation of Theology and Music in Worship,” Union Seminary Quarterly Review 11 (janeiro de 1956), p. 36.
11. Wolfgang Hans Martin Stefani (nota 6), p. 225.
12. Alfred Sendrey, Music in the Social and Religious Life of Antiquity (Rutherford, 1974), p.383.
13. Para uma discussão da rejeição cristã das crescentes extravagâncias musicais na vida secular, veja Johannes Quasten, Music and Worship in Pagan and Christian Antiquity (Washington, D. C., 1983), p. 125.
14. Hanoch Avenary, “The Emergence of Synagogue Song,” Encyclopedia Judaica, (1971), vol. 12, p. 566.
15. The Octavious of Minucius Felix 12, The Ante-Nicene Fathers, eds. Alexander Roberts e James Donaldson (Grand Rapids, 1972), vol. 4, p. 179.
16. The Octavious of Minucius Felix 37, Ibid., p. 196.
17. Lois Ibsen Al Faruqi, “What Makes ‘Religious Music’ Religious?” em Sacred Sound: Music in Religious Thought and Practice, ed. Joyce Irwin, Journal of the American Academy of Religion Thematic Studies, vol, 50, (Chicago, CA Scholar Press, 1983), p. 28
18. Ibid.
19. Paul Henry Lang, Music in Western Christianity (New York, 1969), p. 58.
20. Wolfgang Hans Martin Stefani (nota 6), p.228.
21. Calvin M. Johansson (nota 8), p. 36.
22. F. Joseph Smith, “Church Music and Tradition,” em Cantors at the Crossroad: Essays on Church Music in Honor of Walter Buszin, ed. Johannes Riedel (St. Louis, MO, 1967), pp. 9-10.
23. Christopher Ballantine, Music and Its Social Meaning (New York, 1984), p. 92.
24. Friedrich Blume, Protestant Church Music: A History (New York, 1974), p.65.
25. Steve Miller, The Contemporary Christian Music Debate. Worldly Compromise or Agent or Renewal (Wheaton, Illinois, 1993), p. 113.
26. Michael Tomlison, “Contemporary Christian Music is Christian Music,” Ministry (setembro de 1966), p. 27.
— pág. 68 —
27. Lillianne Doukhan, “Historical Perspectives on Change in Worship Music,” Ministry (setembro de 1966), p. 7.
28. Friedrich BlumeIbid (nota 22), p. 10.
29. Ulrich S. Leupold, “Learning from Luther? Some Observation on Luther’s Hymns,” Journal of Church Music 8 (1966), p. 5.
30. Os dados são compilados de diferentes fontes e são citados em Robert Harrell, Martin Luther, His Music, His Message (Greenville, SC, 1980), p. 18.
31. Ulrich S. Leupold (nota 29), p. 5
32. Friedrich Blume (nota 22), p. 8.
33. Robert Harrell (nota 27), p. 21.
34. Ibid., pp.21-22.
35. Friedrich Blume (nota 22), p. 29.
36. Tim Fisher, The Battle for Church Music (Greenville, SC, 1992), p. 165.
37. Prefácio de Lutero à coleção de Johann Walter, conforme citado por Friedrich Blume (nota 22), p. 78.
38. Wolfgang Hans Martin Stefani (nota 6), p. 234.
39. Calvin M. Johansson (nota 8), p. 48.
40. Citado em Steve Peters and Mark Littleton, Truth About Rock (Minneapolis, MN, 1998), p. 26.
41. Citado em Jeff Godwin, What’s Wrong With Christian Rock? (Chico, CA, 1990), p. 230-231.
42. Charlie Peacock, At the Crossroad: An Insider’s Look at the Past, Present, and Future of Contemporary Christian Music (Nashville, 1999), p. 44.
43. Larry T. Duncan, “Music Among Early Pentecostals,” The Hymn 38 (January 1987), p. 14.
44. Ibid.
45. Ibid.
46. Delton L. Alford, “Pentecostal and Charismatic Music,” Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements, ed. Stanley M. Burgess and Gary B. McGee (Grand Rapids 1988), pp. 693-694.
47. George Pullen Jackson, White Spirituals in the Southern Uplands: The Story of the Fasola Folk, Their Songs, Singings, and “Buckwheat Notes,” (Chapel Hill, NC, 1933).
48. Veja Ronald Graybill, Singing and Society: The Hymns of the Saturday-keeping Adventists, 1849-1863 (Berrein spring, MI, n. d.), p. 25
— pág. 69 —
49. Stephen N. Haskell, Carta a Ellen White, 25 de setembro de 1900. Ellen G. White Research Center.
50. Veja Ella Robinson, S. N. Haskell: Man of Action (Washington, D. C., 1967), p 169.
51. Ibid., pp. 169-170.
52. Ellen G. White, Selected Messages (Washington, D. C., 1958), vol. 2, pp. 36-37.
53. Ibid, ênfase acrescentada
54. Robert Pattison, The Triumph of Vulgarity. Rock Music in the Mirror of Romanticism (New York, 1987), p. 70.
55. Ibid., pp. 31-32.
56. Ibid., p. 32.
57. Ibid., pp. 32-33.
58. Olly Wilson, “The Association of Movement and Music as a Manifestation of a Black Conceptual Approach to Music-Making,” em More than Dancing: Essays on Afro-American Music and Musicians, ed. Irene V. Jackson (Westport, Connecticut, 1985), p. 13.
59. Ibid.
60. Melville J. Herskovits, The Myth of the Negro Past (Boston, 1958), p. 233.
61. Wolfgang Hans Martin Stefani (nota 6), p. 259. A fonte da informação é Portia Katrenia Maultsby, “The Use and Performance of Hymnody, Spirituals and Gospels in the Black Church,” The Western Journal of Black Studies 7 (1983), p. 163.
62. Robert Pattison (nota 51), p. 36.
63. Ibid., p. 23.
64. Ibid., p. 20.
65. Ibid., p. 27.
66. Ibid., p. 29.
67. Edward F. Heenan and H. Rosanne Falkenstein, “Religious Rock: What It Is Saying,” Popular Music and Society 2 (Summer 1973), p. 311.
68. Evan Davies, “Psychological Characteristics of Beatle Mania,” Journal of the History of Ideas 30 (January-March 1969), p 279.
69. Robert Pattison (nota 54), p. 159
70. Ibid., pp. 186-187
71. Ibid., p. 187
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