Samuele Bacchiocchi ou, como ele preferia ser chamado, “irmão Sam”, nasceu em 29 de Janeiro de 1938, em Roma Itália, a pouca distância do Vaticano. O mais velho dentre 5 irmãos, Sam cresceu em uma família humilde e religiosa, onde o pai, Gino e a mãe, Evelina, trabalhavam duro para criar seus filhos no amor e no temor do Senhor. Um ano antes de Sam nascer, seu pai, que trabalhava como pedreiro e tinha estudado apenas até o terceiro grau, recebeu uma Bíblia de um Valdense que era seu conhecido. Ao estudá-la, tornou-se convencido de que o sábado era o verdadeiro dia de adoração. Deste momento em diante, a família guardou o sábado de forma independente, o que significava, entre outras coisas, que Sam não ia às aulas no sábado. Por causa de suas convicções, Sam era chamado pejorativamente de “il judeo” ou “o judeu” e era impiedosamente ridicularizado e rejeitado por seus colegas de classe e pelos professores. Finalmente, um dos professores de Sam disse que, a menos que ele conseguisse trazer uma declaração de um médico justificando suas faltas, não seria aprovado nos seus estudos. De forma engenhosa, sua mãe conseguiu uma declaração de um médico que afirmava que “a mente de Samuele Bacchiocchi estava incapacitada aos sábados.” (Pouco suspeitava seu professor… ou qualquer pessoa… que anos mais tarde, seria precisamente aos sábados que a mente de Sam estaria mais inspirada, ao falar para milhares de pessoas ao redor do mundo.)
Além das perseguições e das bombas emocionais, com as quais Sam tinha que lutar na escola, estava acontecendo a Segunda Guerra Mundial, e havia muitas bombas reais que ameaçavam a sua segurança. Durante os muitos ataques aéreos, Sam e sua família eram forçados a procurar refúgio em cavernas por vários dias a fio. De fato, a infância de Sam foi muito difícil. Ele frequentemente se recordava de nunca haver celebrado um aniversário nem ter recebido presentes. Seu mais querido “brinquedo” da infância foi comprado com seu próprio suor e criatividade. Sam acompanhou seu pai aos locais de construção, à procura de pregos tortos e os endireitou. Depois de encontrar e endireitar vários baldes de pregos, ele os vendeu e ganhou dinheiro suficiente para comprar para si mesmo uma velha bicicleta enferrujada.
Sua tenacidade para com o trabalho duro continuou durante a adolescência, quando, para pagar seus estudos, ele foi para a colportagem ao longo da costa do Mar Adriático. Frequentemente era expulso das cidades por padres católicos. Contudo, quando tinha um dia bom, ele recompensava a si mesmo com pastéis ou sorvete, sabendo que conseguiria mais durante o trabalho do dia seguinte. Aparentemente ele teve muitos dias bons, porque foi capaz de ganhar o estipêndio para si e para sua irmã Maria, para que frequentassem Villa Aurora, a instituição adventista em Florença. Depois da escola secundária, ele frequentou o Colégio Newbold, na Inglaterra, mais uma vez trabalhando para ganhar não apenas o seu estipêndio, mas também de sua irmã Maria, seu irmão Paolo e, depois de algum tempo, de sua noiva Anna Gandin. Um aspecto negativo da colportagem foi que o peso dos livros causou-lhe uma forte dor nas costas e, por causa disso, foi necessário que Sam engessasse o tronco. Muito antes que o gesso fosse tirado, Sam, durante um jogo de voleibol teve uma coceira insuportável e, tomando o assunto em suas próprias mãos, engenhosamente serrou ele próprio o gesso, para tirá-lo.
Em 1960, com a idade de 22 anos, Sam graduou-se em Artes no Colégio Newbold e veio para a Universidade Andrews para conseguir dois graus de Mestre, um em História da Igreja e outro em Divindade. Enquanto estava na Andrews, Sam continuou a colportar para conseguir manter-se nos estudos. Em meio a seu trabalho e estudos, uma de suas poucas diversões era jogar voleibol, sendo que seu time venceu o campeonato interno de voleibol da universidade. Uma vitória ainda maior veio na metade do segundo ano de estudos quando, em 21 de Dezembro de 1961 ele caminhou com sua amada, Anna Gandin, pelo corredor central da capela do Seminário.
Em Fevereiro de 1964, depois de completar seus estudos na Universidade Andrews, Sam e Anna partiram para Kuyera, Etiópia, onde Sam havia aceitado um chamado para ensinar Bíblia e história no Colégio Adventista do Sétimo Dia Junior. Sam e Anna serviram ao Senhor ali como missionários por cinco anos e meio. Durante seu primeiro ano da Etiópia, foram abençoados por Deus com uma preciosa garotinha, Loretta. Não estando acostumado com a aparência física dos recém-nascidos, o olhar estético de Sam preocupou-se com o nariz chato do bebê. Imediatamente ele começou a perguntar aos doutores se havia um cirurgião plástico na área que pudesse endireitar o nariz do bebê. Felizmente, eles o convenceram da futilidade deste procedimento e asseguraram que o nariz do seu bebê em breve ficaria normal, o que de fato aconteceu.
Com pouco tempo de estada em Kuyera, Sam ficou preocupado, porque muitos dos estudantes não podiam pagar pelo estipêndio escolar. Um dia, ele notou um tipo peculiar de palha que crescia no campo e lhe disseram que era palha para vassouras. Há muitos anos esta palha era usada para fazer vassouras, mas agora ninguém mais sabia ou se lembrava como as vassouras eram feitas e então a palha simplesmente ficava ali, sem uso, ano após ano. Sam nunca havia feito uma vassoura antes, mas estava determinado que a escola faria vassouras novamente. Ele foi à cidade, comprou uma vassoura, desmontou-a e descobriu como montá-la novamente. Então, ensinou isto aos alunos, que agora tinham uma maneira de ganhar o seu estipêndio! Além deste bem sucedido negócio de fabricação de vassouras, Sam estudou como construir carteiras e cadeiras com madeira e tubos de metal. Depois de preparar um protótipo, obteve seu primeiro pedido e assim começou a fábrica de carteiras e cadeiras do colégio, a qual, com o passar do tempo, precisou que um missionário fosse enviado à Etiópia para tocar o negócio. Quem teria imaginado que essas linhas de negócio, iniciadas por um trabalhador da Bíblia, capacitariam o colégio em Kuyera a ficar livre de dívidas e permitiriam que muitos estudantes pudessem custear seus estudos!
Depois de dois anos na Etiópia, Anna ficou grávida de seu segundo filho, Daniel, o que exigiu o acréscimo de outro quarto à sua casa. Sam assumiu o trabalho, com seu costumeiro espírito empreendedor. Uma vez que o colégio não tinha um nível de carpinteiro para assegurar que as paredes ficassem retas, era necessário um prumo. Sam, sempre prático, procurou até encontrar o que parecia ser um peso de prumo, ao qual faltava um gancho. Imediatamente, Sam teve a ideia de soldar um gancho. Durante a soldagem, este “peso de prumo” revelou-se ser, na realidade, um projétil de morteiro da Segunda Guerra Mundial, pois ele explodiu em sua mão! Imediatamente a explosão cortou seu dedo indicador direito e danificou gravemente seu polegar direito, dedo médio direito e várias partes do seu corpo. Miraculosamente, Deus salvou Sam da explosão e preservou-o durante a terrível viagem de duas horas até o hospital mais próximo. O médico queria amputar os dedos danificados, mas Sam, não querendo desistir, persuadiu os médicos a fazer o melhor que pudessem para manter os dedos remanescentes, embora eles o advertissem que muito provavelmente ele teria gangrena, o que exigiria a amputação do braço inteiro. Nesta momento, Sam orou a Deus, dizendo que se Ele salvasse a sua mão direita, ele a usaria para glorificar a Deus através da escrita. Deus escolheu realizar o milagre e Sam renovou sua dedicação ao serviço do Senhor, o que tornou-se a sua paixão incansável até o fim.
Depois de concluir seu serviço missionário na Etiópia, Sam estava ansioso para continuar sua educação. Embora tivesse sido aceito na Universidade Yale para fazer seu doutorado, um sacerdote católico italiano, com quem Sam havia feito amizade na Etiópia, o convenceu a inscrever-se na prestigiosa Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, Itália. Depois de um extenso processo de entrevistas, Sam tornou-se o primeiro não-católico a ser admitido na Pontifícia Universidade Gregoriana em mais de 450 anos de sua história. Começando em 1969, Sam passou os cinco anos seguintes na Gregoriana, buscando um Doutorado em História da Igreja. Devido a muitos anos sendo tachado como “il judeo“, por causa de sua crença no Sábado, Sam havia desenvolvido uma paixão intensa pela defesa da observância do Sábado como o verdadeiro dia bíblico para a adoração, honrado pelo próprio Jesus e pelos apóstolos depois dEle. Agora, ele tinha acesso à rica história nos arquivos católicos, e lançou-se de coração e alma a esta pesquisa.
Quando Sam foi admitido na Gregoriana, foi lhe dito que sob condição alguma ele deveria discutir sua fé adventista… a menos que lhe fosse perguntado. Como Sam se vestia de forma diferente se seus colegas de classe, todos eles sacerdotes de várias ordens católicas, frequentemente eles lhe perguntavam, “a qual ordem você pertence?” Ele gostava de dizer brincando que era da “ordem Adventista”, o que levava a muitas conversas a respeito da sua fé Adventista. Em meio de seus estudos em Roma, seu terceiro filho, Gianluca, nasceu. Como Sam tinha uma família crescente para sustentar, além das despesas com seus estudos de doutorado, ele continuou com suas capacidades empreendedoras em Roma, desenvolvendo e vendendo propriedades.
Sua família frequentemente dizia que Sam tinha o “toque de midas”, pois Deus o abençoava tanto que tudo que ele tocava virava “ouro”. Em 1974 isto se tornou literalmente verdade, pois o trabalho duro e dedicação de Sam para provar a veracidade do Sábado bíblico do sétimo dia rendeu a ele uma medalha de ouro! O Papa Paulo VI presenteou a Sam com uma medalha de ouro por haver obtido a distinção acadêmica summa cum laude por seu trabalho de classe e sua dissertação doutoral, a qual foi traduzida para o Inglês e publicada em 1977 com o título “Do Sábado Para o Domingo”. Este seria o trabalho que definiria sua obra. Na formatura, Sam ofereceu para que a celebração da formatura fosse feita em sua casa., uma vez que, sendo o único pai de família entre um mar de sacerdotes celibatários, ele era o único estudante com uma casa. Considerando que estava na Itália e sabendo que eles não compartilhavam das mesmas convicções de saúde, informou a todos que não seriam fornecidas bebidas alcoólicas. Seus colegas de classe responderam que isto não seria problema. Pouco sabia ele que eles iriam trazer as suas próprias bebidas! Mamma mia!
Sam aceitou o convite para ensinar na Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan. Em 1974 ele e sua família chegaram nos Estados Unidos e ficaram maravilhados ao serem recebidos com fanfarras e fogos de artifício. Era o dia 4 de Julho! [*] Sam serviu a Andrews por 26 anos como Professor de Teologia e História da Igreja até sua aposentadoria do ensino em Julho de 2000. Nos últimos 30 anos ele contribuiu com numerosos artigos para jornais e revistas religiosas e escreveu 17 livros, os quais tiveram uma aceitação favorável por muitos eruditos de diversas denominações. Além disso, publicou mais de 200 periódicos chamados Endtime Issues (Questões Escatológicas), os quais circularam para cerca de 40.000 leitores. Sam também viajou de forma extensiva ao redor do mundo, fazendo palestras e seminários em universidades, seminários teológicos, reuniões profissionais e igrejas, onde sempre lembrava os presentes que “uma semana sem o Sábado é como espaguete sem o molho.”
Sam era um teólogo único: em seus escritos ele abandonou o jargão comumente empregado pelos eruditos e era capaz de apresentar verdades grandiosas em uma linguagem clara e acessível. Em suas palestras, o estilo bem-humorado e pragmático de Sam, temperado com um encantador sotaque e expressões italianas, cativava seus ouvintes. Isto, combinado com sua habilidade para lembrar-se de nomes e rostos depois de muitos anos, ganhava os corações de muitos. Para assegurar-se de que seus livros iriam tocar e mudar tantas vidas quanto fosse possível, Sam desenvolveu o website “Biblical Perspectives” (Perspectivas Bíblicas) como uma forma de publicar e imprimir seus livros. Estes livros tem sido um celeiro espiritual, não apenas para os Adventistas do Sétimo Dia, mas para muitas pessoas de outras denominações. De fato, depois de ler os livros de Sam, muitas congregações e líderes eclesiásticos não-adventistas vieram a aceitar várias verdades bíblicas que Sam defendia, entre elas, o estado dos mortos e o Sábado bíblico.
É desnecessário dizer que, juntamente com o interesse e o renome que o trabalho de Sam trouxe, ele também recebeu a sua cota de críticas e ataques. Porém, ele não era do tipo que guardava ressentimentos. Quando jovem, seu pai o havia ensinado que ele deveria permanecer firme por aquilo em que acreditava, mesmo em meio de vaias e insultos por parte daqueles que o cercavam. Sam sabia em Quem ele cria e sua fé inabalável em Deus o permitia continuar avançando, dando-lhe o título de “eterno otimista” entre seus familiares.
Em Fevereiro de 2007, apenas uma semana depois de seu 69º aniversário, Sam foi diagnosticado com câncer de cólon, o qual havia criado metástases em seu fígado. No momento do diagnóstico, ele tinha câncer no estágio 4. Sam orou a Deus para que sua vida fosse estendida, para que ele pudesse escrever o seu “legado à igreja”, sua última e maior contribuição. Entre seus tratamentos com micro-esferas e quimioterapia, ele mergulhou-se em pesquisas e escrita. Em Março de 2008, completou o livro e ofertou um comovente culto de dedicação, onde agradeceu a Deus por conceder-lhe o tempo e a energia necessárias para escrever o livro “Crenças Populares: São Elas Bíblicas?”
Apenas 11 meses depois, Sam celebrou seu 70º aniversário. Sua esposa e filhos fizeram uma festa surpresa em sua honra. Esta foi a primeira e, infelizmente, a última festa de aniversário que Sam jamais celebrou. Há apenas três semanas atrás, enquanto realizava um seminário na Inglaterra, Sam ficou doente. De volta para casa, foi piorando progressivamente e foi levado para a emergência na quinta-feira, 11 de Dezembro. Durante seus momentos de lucidez, Sam olhava para os doutores e enfermeiras e lhes dava um grande sorriso, agradecendo genuinamente por sua atenção. Seu oncologista destacou que em quase dois anos desde seu diagnóstico de câncer, Sam havia produzido mais do que a maioria das pessoas em toda a vida.
Durante as primeiras horas do Sábado, dia 20 de Dezembro, Sam faleceu. Estava cercado por sua fiel esposa por quase 47 anos (o dia seguinte seria seu aniversário de casamento), e por seus três filhos. Embora milhares o conhecessem como um acadêmico e um pregador incansável, esses quatro o conheciam como um esposo e pai amorável e carinhoso, uma poderosa força de integridade e otimismo na qual aprenderam a se apoiar. Embora entristecidos, cada um deles se agarra à promessa do breve retorno de Cristo, quando verão seu querido esposo e pai mais uma vez. Até aquele dia, eles prometem continuar o seu legado, devotando-se de corpo e alma à obra do Senhor, ansiosos por apressar a Sua volta. Que dia de regozijo será aquele!
[*] – Nota do tradutor – O dia 4 de julho, dia da Independência Americana, é tradicionalmente comemorado com fanfarras e fogos de artifício. (voltar)
O presente texto foi enviado pela família de Samuele Bacchiocchi aos assinantes do periódico virtual Endtime Issues, em 30/12/2008.
Tradução de Levi de Paula Tavares