Música, Adventismo e Eternidade – Capítulo VII

por: Pr. Dario Pires de Araújo

Discernimento

Cada moeda apresenta duas faces. Numa delas normalmente aparece um “figurão”; na outra, o valor da moeda.

Estas duas faces representam dois pontos de vista diferentes. Quem vê um lado, normalmente não está vendo o outro. Quem está olhando para a cara da moeda fica ponderando na importância do individuo, e no que fez para ali estar. Não esta se preocupando muito com o valor real da moeda. Quem esta olhando a coroa da moeda se conscientiza do valor que a moeda tem e não está impressionado com quem esteja por detrás.

Este fato é uma boa ilustração das práticas e trabalhos religiosos e espirituais. Pode acontecer que a ênfase e o enfoque recaiam sobre o lado humano, sobre o ponto de vista humano. Contudo o valor real do que se faz é mais corretamente avaliado pelo ponto de vista divino. Assim, as duas moedinhas da viúva valiam mais, à vista de Deus, do que todo o dinheiro dos exibidos.

Jesus tinha discernimento para distinguir o que tinha valor. Era Sua visão do ponto de vista divino, que penetrava os intuitos do coração, os motivos e sentimentos que norteavam as ações, que Lhe dava discernimento. Apenas o Espírito de Deus pode capacitar os homens a terem esta visão, mas para isto os homens devem estar dispostos a abandonar seu ponto de vista, se for contrário.

Assim, por exemplo, um obreiro deve estar disposto a abandonar o ponto de vista humano dos seus relatórios de construções, crescimento numérico, aquisições materiais, etc., para considerar sua influência real na salvação das pessoas, que é o ponto de vista divino.

Com a música na igreja dá-se o mesmo. Apenas tem valor real aquilo que o ponto de vista divino valoriza. Deus não está olhando tanto para aquilo que faz mais sucesso entre o povo, nem para o que rende mais dinheiro, nem para o que aos olhos humanos pareça mais encantador, como para o que é de acordo com Suas orientações e, por isso mesmo, mais eficaz para a salvação.

Não é, portanto, suficiente crer que o Espírito Santo esteja inspirando tudo o que se faz em matéria de música religiosa; se não

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estiver de acordo com as instruções divinas, não será absolutamente resultado da inspiração do Espírito. É fácil ver, então, que qualquer pessoa que queira ter discernimento deve procurar conhecer tudo o que for possível da luz que Deus já derramou, e passar a olhar as coisas como Deus as olha. O Espírito de Deus guiará a toda a verdade estas pessoas bem intencionadas.

Passou muita da hora de, como Igreja e indivíduos, humilharmo-nos diante de Deus, rogando Seu colírio para aclarar nossa visão obscurecida.

No capítulo V já ficou bem claro que a crise de discernimento que ocasiona esta situação caótica da música em muitas igrejas e lares é o desinteresse nas orientações divinas e a persistência em seguir os padrões mundanos. Entretanto, para as pessoas que podem entender termos técnicos musicais, queremos transcrever o que certa comissão de professores de música nos Estados Unidos da América propôs como características de música rica, apropriada para alcançar os objetivos da música sacra, e características da música pobre, deficiente, inadequada. Observe-se que são duas tendências; uma buscando a excelência, outra se acomodando ao rastejamento. Estes itens estamos extraindo de um bom trabalho elaborado pelos professores Jessé e Jenise Torres: “Música na Igreja.”

Música rica e adequada:

A – Características harmônicas:

1. Mudança freqüente da harmonia em cada frase. Muitas vezes duas ou três mudanças no mesmo compasso.

2. Harmonia diatônica, incluindo somente as alterações cromáticas necessárias à modulação.

3. Utilização variada de acordes maiores e menores da escala.

4. Usa de harmonias modais como nas adaptações de cantochão.

B – Características melódicas e rítmicas:

1. Melodia diatônica, incluindo sons cromáticos apenas quando necessários à modulação.

2. Predominância no uso de figuras inteiras, isto é, unidades de tempo, intercaladas ocasionalmente por figuras de maior ou menor duração com andamento moderado.

3. Repetição freqüente de variações melódicas ou rítmicas

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na mesma frase.

4. Síncopes raras e, quando ocorrerem, deverão envolver somente tempos inteiros.

C – Características do relacionamento das vozes

1. Uso ocasional de terças e/ou sextas paralelas entre soprano e contralto, intercaladas freqüentemente com intervalos justos e perfeitos.

2. Boa linha melódica do baixo, utilizando igualmente harmonias maiores e menores, notas de passagem diatônicas e inversões ocasionais dos acordes.

3. Pelo menos alguma independência melódica e rítmica nas partes intermediárias.

Música pobre, deficiente, inadequada:

A – Características harmônicas:

1. Mudança infreqüente da harmonia numa frase, sendo comum menos de uma mudança por compasso.

2. Harmonias cromáticas como acordes alterados, variações cromáticas do acorde de sexta, e acordes com acréscimo de sextas com finalidades ornamentais em vez de modulação.

3. Harmonias deslizantes.

4. Emprego consecutivo de sétimas menores não resolvidas em series, no sentido das tonalidades claras.

B – Características melódicas e rítmicas:

1. Cromatismo melódico como ornamento em vez de modulação.

2. Pequenos desenhos melódicos e rítmicos consecutivos e repetidos com freqüência na mesma frase.

3. Síncopes freqüentes envolvendo partes de um tempo apenas.

4. Várias figuras curtas, alternando com uma ou mais figuras de maior valor, repetidas com regularidade.

5. Predominância freqüente na melodia de figuras curtas, pontuadas e/ou inteiras.

6. Paradas nos tempos ou partes fracas, ou onde a parada não coincide com a terminação do pensamento musical.

7. Ritmo típico de valsa, isto é, acentuação ternária no

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compasso composto e ternário simples rápido. Frases regulares de quatro compassos, combinando figuras de dois ou mais tempos e mudança infreqüente da harmonia na mesma frase.

8. Ritmos rápidos de “fox-trot” e outros binários e quaternários, num andamento consideravelmente rápido, combinados com figuras de dois ou mais tempos na melodia e associados à mudança infreqüente da harmonia na mesma frase.

C – Características do relacionamento das vozes

1. Emprego predominante de terças e/ou sextas paralelas entre soprano e contralto, intercaladas freqüentemente com intervalos aumentados e diminuídos, sétimas menores, cromáticos ascendentes ou descendentes com intervalos justos apenas ocasionais.

2. Passagens em solo ou dueto sem estilo de arpejo ou escalas, contra notas sustentadas nas outras partes ou vozes.

3. Efeitos de eco entre duas ou mais partes. Melodia tipo eco.

A isto poder-se-ia acrescentar, por exemplo, como características de pobreza musical, entoar a parte ou estrofe final num tom mais agudo (modular para semitom ou tom acima), finalizar repetindo a mesma coisa muitas vezes, sumindo até desaparecer, ou na cadência final a melodia terminar com salto do sexto para o oitavo grau, etc. que também são, ao lado de tudo o que foi apresentado, características da música do gênero popular.

Qualquer pessoa que não consiga entender esta linguagem anterior e se envolva com o trabalho da música na igreja deve reconhecer suas deficiências no conhecimento de Teoria Musical…

Mas não importa. Resumindo em linguagem acessível a todos, a análise comparativa entre estas características revela nada mais, nada menos do que o contraste entre a música erudita e a popular. E quantos compositores da igreja, especialmente de setores diretivos em influenciar as massas, estão mergulhados exatamente no tipo mais deficiente de música, vibrando com o sucesso barato entre as indefesas vítimas da falta de cultura, explorando-as em vez de educá-las.

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Que tremenda responsabilidade assumem estes compositores!

Laodicéia não está preparada para o selamento. “Nem um em vinte”, diz conhecida expressão do Espírito de Profecia. Deveríamos chorar e prantear nossa pobreza espiritual, nossa cegueira e falta de discernimento, que infelizmente pode ser fatal.

Mas será que só chorar adianta? Prantear soluciona todos os problemas? Evidentemente não. E necessário agir. Mas em que direção?

É claro que a iniciativa não pode nem deve partir de um membro isolado. São os administradores da Organização que devem pôr de lado um pouco sua visão imediatista de relatórios finais de triênios e qüinqüênios que mostrem serviço, e se disponham a pensar um pouco mais adiante, a médio e longo prazo.

Que passos tenderiam a ir solucionando o problema da má qualidade de música nas igrejas e nos lares? Seria o de pôr um pastor responsável em cada Divisão, União e Campo para ver se controlam a disseminação do material nocivo? E se eles próprios não souberem discernir entre o que é aceitável ou não, e, tendo seu gosto já pervertido, forem “chegadinhos ao pop”? O resultado será ficar na mesma ou piorar. Seria mais ou menos como colocar um pastor para dirigir um hospital ou uma indústria. Que falta faz um bom preparo musical nos Seminários de Teologia!

Uma vez que o material inferior se dissemina e alastra com muitíssimo mais facilidade que o bom, a primeira coisa que deve ser vencida é o orgulho e o egoísmo doentio de quem tem algo de bom, como um repertório exclusivo, com medo de que se tome “batido”. Se é bom, quanto maior circulação, maior beneficio trará. Qualquer bom material estará na sepultura enquanto figurar no repertório exclusivo de um egoísta.

Em segundo lugar, deveria haver uma espécie de Banco da Boa Música, ou Banco da Música Sacra, onde não se aceitassem depósitos de música popular nem arremedo de música, e donde qualquer pessoa bem intencionada tivesse um cartão de crédito ilimitado para sacar quanta Música Sacra quisesse, assim como é o Banco das Graças Divinas.

Em terceiro lugar a prioridade deste material deveria

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obedecer à orientação divina: “O canto não deve ser sempre apresentado por uns poucos. Tanto quanto possível, deixemos que toda a congregação tome parte” (Test. VIII, 144), isto é, primeiro o material para a congregação cantar, em segundo lugar material para corais, em terceiro para conjuntos, quartetos, trios, duetos, e por último para solos.

Este é o grande brado que o Prof. Harold Hannum dá em seu Iivro “Let the People Sing” (Review and Herald Publishing Association, Washington, D. O., 1981). Enquanto a congregação canta coisa boa, está livre de ser estragada, ouvindo coisa ruim. Participando teriam maiores benefícios do que sendo meros espectadores de artistas, como às vezes acontece. O fervor dos tempos iniciais da Reforma e dos nossos Pioneiros voltaria.

Em quarto lugar deve-se ter em mente que todo o aprendizado de coisas profundas requer tempo, paciência, perseverança, conscientização, e criação de condições, como cursos, gravações, “playbacks” decentes, etc. para facilitar esta aprendizagem.

Lembro-me bem de que, quando irmãos nossos na África tinham o desejo de aprender hinos do Cantai ao Senhor, num sábado à tarde reunimos um grupo de jovens músicos missionários aqui e fizemos uma simples gravação em fita de uma estrofe ao piano (do que está escrito) como introdução, e a primeira estrofe cantada a quatro vozes dos primeiros cinqüenta hinos do Hinário. Imagino nossos queridos irmãos lá ouvindo atentos muitas vezes à gravação do trecho até começarem a cantar junto, seguindo para as outras estrofes. Logo um hino sacro a mais, de boa constituição, seria incorporado ao repertório conhecido e usado por uma pequena congregação num ponto longínquo do globo!

Por que não se faz isso quando um bom hinário é lançado? Por que sempre o que não presta toma a dianteira, enquanto que timidamente o bem se acomoda? Quantas congregações não aprenderiam mais hinos se houvesse uma gravação do Hinário para ouvir? Por que a iniciativa deveria ser particular? Por que não se orienta a cada Pastor para que se utilize dos elementos capazes da igreja num serviço de cânticos programado através do ano, com hinos da semana ou do mês para o aprendizado, como sugeriu a Dr. Gerson G. Damaceno? Em poucos anos todas as igrejas poderiam usar todos os hinos de um hinário.

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Acredito que Satanás, conhecendo o potencial que a música tem, procura obstar o avanço da música sacra na salvação do Homem com um clima de hostilidade para quem trabalha com discernimento, e com uma enxurrada de material que ele próprio inspira para causar confusão. Assim Laodicéia acaba sendo o que é – emblema de presunçosa mornidão, embalada, por vezes, com a moderna música fenícia.

Enfim, Deus tem a solução para o grande problema da falta de discernimento. Basta demonstrarmos interesse em aceitar as Suas instruções.

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Capítulo 8

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