por: Rev. Onézio Figueiredo [1]
Apêndice I – Louvor
Louvor, para a nova geração de evangélicos, é cantar muitos corinhos, geralmente sem nenhuma ordenação temática ou coordenação litúrgica. Simplesmente cantar. Se o tempo da seção de cantos é menor: “Louvorzinho”. Se maior: “Louvorzão”.
Muitos entendem que o “louvor” é uma espécie de externalismo do contentamento interno do espírito que, reprimido, explode em cânticos lúdicos, algumas vezes de incontrolável hilaridade.
Há os que definem “louvor” como “gratidão a Deus”. uma forma alegre de agradecimento. São conceitos e definições parciais de louvor. Este, para Israel e para a Igreja primitiva, significava a totalidade da consagração do servo ao seu Senhor. Cantar louvores era uma parte significativa do culto, mas não se constituía em única e nem a principal delas, pois todos os atos litúrgicos eram atos de louvor. É significativo que o verbo louvar em hebraico (hôdah), traduzido pela Septuaginta por “aineo” e “eucharisteo” tem a conotação básica, primária, de “confessar” (Gn 49.8; I Cr 16.7,35,41; 23.30; II Cr 5.13; 7.3; 31.12; Is 38.18). Outras temas litúrgicos do culto vetotestamentário podem ser traduzidos, eventualmente, por louvor. Ei-los: “Barak”, abençoar, pronunciar uma bênção (Sl 100.4): “Sabah”, louvar, elogiar, enaltecer (Sl 117.1; Dn 2.23; 5.23); “Rûa”, aclamar, clamar, gritar (Jó 38.7). Aqui, a mim me parece, a tradução da Bíblia de Jerusalém é mais correta: “Entre as aclamações dos astros da manhã e o aplauso de todos os filhos de Deus”? Ainda temos “sîr”, cantar (Sl 106.12), mas nem todos os hinos do saltério eram de louvor a Deus. Havia os de louvação do rei.
01 – Louvor existencial:
Israel foi retirado de entre as nações para ser um povo exclusivo de Deus, andar em sua presença e louvá-lo continuamente pela permanente e incondicional serviçalidade. A vida do servo de Deus, pela submissão obediente e espontânea ao seu Senhor, é, em si mesmo, um “louvor” ao Pai, Criador, Salvador e Rei. A criar a humanidade em Adão e Eva, quis Deus que ela lhe fosse inteiramente fiel e que cada ser humano tivesse como fim principal louvá-lo continuamente por sua existência direcionada pela fidelidade, honestidade, integridade, consagração irrestrita, comunhão restrita, santidade imaculada. A queda, porém,. rompeu os laços da criatura com o Criador. O homem, alienado de seu Pai, corrompeu-se, isolou-se em si mesmo, caiu em miséria moral e espiritual, pecou. Pelos pactos noético e abraâmico Deus pretendeu reorganizar um povo exclusivamente seu, zeloso e de boas obras, que lhe cultuasse com exclusividade. Não foi possível em consequência da fragilidade do homem.
Deus, depois de retardar a promessa com o cativeiro egípcio, recolheu o seu povo, frágil e recalcitrante, ao pé do Monte Sinai; firmou com ele um novo pacto e lhe concedeu normas pactuais pela lei, para que não alegassem ausência de princípios reguladores e paramétricos de comportamentos éticos, morais, sociais, políticos, litúrgicos e espirituais. Foi um pacto de grande responsabilidade bilateral, mas Israel fracassou. Deus então, mantendo os fundamentos do pacto sinaítico, enviou um seu Jesus Cristo, o Filho do Homem, que, por sua encarnação, vida, morte e ressurreição, recriou uma nova humanidade de regenerados, constituída de servos para o serviço do louvor perpétuo nesta e na existência eterna. O crente, pois é, obrigatoriamente, uma vida de louvor, uma carta viva de Cristo, um culto perene ao Salvador pelos seus atos, pensamentos, palavras, feitos e diaconia. Salgar, fermentar, iluminar, são formas existenciais de louvor. Não há separação ou dicotomia entre vida verdadeiramente cristã e adoração, porque o viver em Cristo é “logikè latréia” (Rm 12.1 cf Rm 6.13).
02 – Em tudo dai graças.
Louvor para Israel, e também para a Igreja, não era um determinado momento de cânticos alegres, laudatórios, mas a totalidade do culto na integralidade da vida do salvo-servo e nos serviços litúgicos. Assim temos:
a. Confissão de louvor: O louvor era, em Israel, prioritariamente, uma confissão sincera de fé e de pecado. “O verbo “hodah”, traduzido geralmente por “louvar”, significa, na realidade, “confessar, reconhecer, aprovar, e se refere sempre a um fato divino acontecido anteriormente” (Von Rad, Teologia do V. Testamento, Vl. I, pág. 342. ASTE, SP, 1973).
Pela confissão de fé e de pecados o fiel colocava-se, e ainda se coloca, perante o Salvador sem reservas, transparentemente, despido de qualquer hipocrisia e dominado somente pela verdade e pela sinceridade.
Confissão insincera não é louvor, pois não se constitui em reconhecimento completo e entrega total. Confissão significa que o crente não mais se esconde de Deus e nem oculta dele seus erros, falhas, delitos e desejos pervertidos. Toda a adoração em Israel começava com a confissão de fé e de pecados. Nenhuma vítima se consumia no fogo do altar sem portar os pecados confessados do pecador substituto. E confessar é louvar, pois implica em submissão, reconhecimento, humilhação, prostração diante do Salvador e confiança de que o perdão, emanado do único que pode perdoar, certamente virá como resposta restauradora. E vem. Por que Israel considerava a confissão como ato de louvor? Por ser:
a) Reconhecimento do poder de Deus.
b) Reconhecimento de que o pecado é ofensa à divindade.
c) Reconhecimento de que somente Deus perdoa o pecador confesso.
d) Reconhecimento de que há uma relação de dependência da criatura com o seu Criador.
e) Reconhecimento de uma relação serviçal do servo com o seu Senhor.
f) Inteira submissão do salvo ao Salvador.
b. Sacrifício de louvor: Além do louvor costumeiro da confissão, força emuladora do culto, a liturgia de Israel possuía, por ordenação divina, o chamado “sacrifício de louvor” (Lv 7.11-25) em que os pães sem fermento e a vítima sacrificial eram oferecidos a Deus, o Confessor, o Perdoador, O Salvador, em ação de graças pela existência do ofertante e sua permanência na presença do Rei de Israel. Este sacrifício era, na verdade, uma confissão de fé, liturgicamente formalizada, no Deus de Israel, o poderoso Senhor, que retirou seu povo do Egito com mão forte e braço estendido. O autor da Carta aos Hebreus retoma tal simbolismo, mostrando que ele se transformou em realidade para o cristão autêntico: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hb 13.15). Sacrifício de louvor, pois, “é o fruto de lábios que confessam o nome de Cristo”. A confissão de fé pela qual nos tornamos servos de Deus e ingressamos na Igreja de Cristo e nela permanecemos é nossos “sacrifício de louvor”, mas com autenticidade e seriedade. Por outro lado, a leitura de um texto bíblico confessional no contexto litúrgico ou a recitação do Credo dos Apóstolos são procedimentos de louvor a Deus.
c. Louvor de julgamento: O judeu condenado, antes de ouvir a sentença de julgamento, tinha de louvar o justo Juiz. O exemplo mais claro é o de Acã: “Então disse Josué a Acã: Filho meu, dá glória ao Senhor Deus de Israel, e a ele rende louvores; e daclara-me agora o que fizeste; não mo ocultes. Respondeu Acã a Josué e disse: Verdadeiramente pequei contra o Senhor Deus de Israel, e fiz assim e assim” (Js 7.19,20).
A confissão de pecados de Acã, reconhecendo-se faltoso, traidor da confiança de Javé, foi um ato de louvor que Von Rad chama de “Confissão de Louvor” (hodah todah).
Nessa confissão, o “louvor” não contém na da de agradecimento, de gratidão, de regozijo; é um louvor penitencial extremamente grave, contundente, penoso, doloroso, mas que o Justo Juiz requer para que o condenado reconheça a justiça irretocável e necessária do julgamento. Reconhecer a soberania de Deus tanto para perdoar como para condenar é atitude de louvor.
Não se trata de louvor agradável, mas irremediável. O crente tem de saber, mesmo com sacrifício de sua vida, que Deus é a verdade, a justiça e o amor absolutos.
d. Louvor de aceitação: É o caso de Jó que, depois de receber as mais trágicas notícias, as que davam conta de perdas irreparáveis de seu patrimônio, empregados e filhos, prestou a Deus um “louvor de aceitação”: “Então Jó se levantou, rasgou seu manto, rapou a cabeça, lançou-se em terra e adorou; e disse: Nu saí do ventre de minha mãe, e nu voltarei: o Senhor o deu, o Senhor o tomou: bendito (louvado) seja o nome do Senhor” (Jó 1.20,21). Os conceitos de que o louvor é apenas um agradecimento a Deus por “boas dádivas” (a juízo do crente), “expressão de elogio” ao Salvador ou “explosão de alegria” do crente não são biblicamente corretos.
Jó louvou o seu Deus por fatos trágicos, mas reconhecidos por ele como de procedência divina, embora inexplicáveis. O louvor de Jó foi prestado em estado de profunda tristeza de consternação intensa: nada de alegria jubilosa. O servo de Cristo tem de ser capaz de “louvar a Deus”, mesmo em circunstâncias de penúria, de juízo, de tristeza, de falência, de pobreza, do sofrimento, de enfermidades e de dor.
e. Louvor de expectativa de livramento: O crente verdadeiro, confrontado com uma situação de conflito ou diante de um problema humanamente insolúvel, jamais descrê da resposta divina, seja sim ou não, e louva a Deus do bojo da crise como Jonas o fez no ventre do grande peixe. “E tudo dai graças”. Foi assim com Jesus no túmulo de Lázaro: “E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse:
Pai, graças de dou porque me ouviste (Jo 11.41). Não louvor de agradecimento, mas de esperança, de confiança e de certeza da resposta do Deus que sempre nos ouve e nos atende segundo sua soberana vontade e conforme as nossas necessidades, jamais de acordo com os nossos desejos, nossos conceitos de bem e nossos preceitos de bênção. Deus, comprovadamente, já nos ouviu no passado, transportounos das trevas para o reino do Filho de seu amor. Logo, podemos ter certeza de que está nos ouvindo e nos responderá. E, na expectativa de sermos atendidos, louvamo-lo e exaltamos o seu nome.
f. Louvor eucarístico: “Eucharisteo, eucharistia”, significam louvar e louvor a Deus. A Ceia do Senhor recebeu o nome de “eucaristia” por causa do louvor de Cristo no ato de sua instituição: “E, tomando o cálice, havendo dado graças (eucharistêsas), disse: Recebei e reparti entre vós” (Lc 22.17).
O mesmo louvor se registra no ato distributivo do pão (Lc 22.19). A celebração da Ceia, portanto, é um louvor a Deus, de natureza confessional e escatológica, por meio de Jesus Cristo, que não pode ser esquecido por sua Igreja.
g. Louvor de gratidão: O grato louva, não somente por bênçãos pessoais, mas pela providência divina e pelos feitos abençoadores e redentores de Deus no mundo, na história e na Igreja. Tal louvor, porém, não se restringe à gratidão e ao contentamento pelas bênçãos recebidas, mas, e principalmente, pelo grande livramento por meio da obra redentora de Cristo Jesus. No Velho Testamento temos memoráveis cantos de vitória e de júbilo: O de Moisés (Ex 15.1-19). O de Míriam (Ex 15.20,21).
O de Débora (Jz 5). No Novo Testamento: O “Nunc Dimittis” de Simeão (Lc 2.29-32). O “magnificat” de Maria (Lc 1.46-55). O “benedictus” de Zacarias (Lc 1. 68-79).
Todos os cânticos mencionados incluem gratidão, esperança, confiança em Deus e confissão de fé. A jubilação do salvo é uma realidade, mas ele louva o seu Deus em todas as circunstâncias de sua vida e da existência de sua Igreja.
Reduzir, porém, o louvor a cânticos somente é não compreender a natureza do culto e os vários propósitos do louvor, presente em todas as atividades da Igreja e de cada um de seus membros. Cantar louvores nos momentos de alegrias, sim; mas deixar de fazê-lo nos momentos de angústia e tristeza, não. O crente que somente louva por regozijo é edonista, possuindo uma fé muito frágil., que floresce nos tempos de jubilação e fenece nos momentos de tragédia. “Em tudo dai graças”, isto é, louvar em todas as circunstâncias.
h. Louvor de satisfação: Os conceitos de auto-afirmação religiosa, de sublimação espiritual por esforços próprios, de santificação por méritos pessoais podem levar o falsamente piedoso a palavras e gestos de louvor, e “testemunhos” beatíficos, até sinceros, e à exibição de si mesmo como modelo dos supostamente fracos, sujos e inferiores. Foi o que Jesus Cristo retratou na parábola do fariseu e do publicano. O fariseu “louvou” a Deus: “Ó Deus, graças te dou (eucharistô soi) porque não sou como os demais homens” (Lc 18.11). Há, ainda hoje, pessoas que se colocam, `semelhança do fariseu, orgulhosa e exaltadamente, como símbolos de santidade, de perfeição espiritual, gente que nada mais têm para confessar, humildemente, a Deus. Quem se auto justifica não é justificado.
i. Louvor jubiloso: “Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar. Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (I Ts 5.16-18). Observem as três ordenações imperativas:
01- Regozijai-vos sempre. 02- Orai sem cessar. 03- Em tudo dai graças, isto é, a vida do crente é: Um permanente louvor; uma oração ininterrupta; uma gratidão constante.
O louvor jubiloso não pode ser apenas intermitente, programado para uma determinada hora e marcado para um local específico. Não se o limitará exclusivamente a “louvores sacros” ou pretensamente sacros. A presença do Espírito Santo no interior do regenerado confere-lhe um permanente estado gozoso (I Ts 1.6), mesmo no meio de tribulações, incertezas e angústias. Perder o gozo da esperança e a paz interna, que procedem da graça em Cristo Jesus, é “apagar o Espírito” para cair, conseqüentemente, em desesperada insegurança e e em falta de perspectivas espirituais. O crente verdadeiro, naturalmente, por impulsão de sua natureza regenerada, exercita as três ordenanças paulinas:
Regozijo permanente e ininterrupto; vigilância em persistente oração: gratidão sem limitação. O crente que só pede bênçãos pessoais e temporais; só agradece a Deus as coisas boas que recebe, a seu juízo, não passa de falso servo, pois seu interesse é ser servido não servir. O autêntico salvo é sempre grato ao Salvador; louva-o permanentemente com sua vida regenerado e com o culto perene que lhe presta por sua existência e com sua adoração individual e comunitária.
Canta às vezes com os lábios, mas não cessa de cantar com o espírito pois nele Cristo habita com sua eterna glória, dando-lhe imarcescível esperança. Cristo colocou no ser do redimido a essência da nova vida: Fé, esperança, amor, paz, benignidade, gozo, satisfação, fidelidade e justiça. O Espírito Santo no crente gera o desejo de culto e de adoração em espírito e em verdade, sem qualquer ostentação, egocentrização, edonismo ou mercantilização, isto é, permuta da piedade por benesses divinas.
Notas:
[1] O presente texto foi escrito por um Reverendo da Igreja Presbiteriana. Por este motivo, o leitor encontrará algumas referências relacionadas ao culto de domingo, ou ainda alguns temas diretamente vinculados a esta denominação religiosa. Apesar deste detalhe, os editores do Música Sacra e Adoração compreendem que a leitura do texto do Reverendo Onézio Figueiredo é de suma importância para o contexto da adoração e do culto a Deus na Igreja Adventista do Sétimo Dia, justificando assim esta publicação.
Fonte: www.monergismo.com