Acordes de Empréstimo Modal

por: Fábio Cavalcante

As escalas modais podem ser usadas na harmonização dentro do sistema tonal e a música brasileira é muito rica neste processo. Tem origem aí os chamados acordes de empréstimo modal. Estes podem ter duas causas: quando são frutos de alguns dos modos antigos (dórico, frígio e etc.), ou quando “Acordes do modo menor (são) usados no modo maior paralelo e vice-versa” (CHEDIAK). Os de maior interesse agora são os primeiros, pois trabalham com todas as escalas antigas.

A melodia acima é diatônica (em Dó maior) e pode ser facilmente harmonizada por acordes unicamente diatônicos, como o modelo: C7+ / F7+ ; G9 / F7+ ; G(sus) / Am ; Em7 / Dm7 ; G(sus) / C7+ //

Para se empregar as escalas modais nessa harmonização, deve-se atentar para que as notas dadas na melodia pertença à escala modal de onde se extraiu determinado acorde.

Este Db7+ no segundo compasso vem do modo frígio sobre dó. No caso, um acorde construído sobre o II° deste modo.

Modo frígio em dó
Acorde de II° sobre frígio em dó

Há modulação, mas não troca de tônica. O termo ‘modulação’ já é bem sugestivo. Ele diz: mudou o modo – a disposição intervalar – construído sobre o primeiro grau – que por sua vez permanece o mesmo (no caso dó). Saber identificar a escala modal é fundamental para, por exemplo, improvisar sobre este trecho.

Nesta proposta de improviso encontramos no primeiro compasso uma evolução sobre a escala de Dó Maior. Na primeira metade do 2° compasso, uma evolução sobre a escala frígia de dó, e o desenvolvimento volta à dó maior no acorde de Dm (II°).

  • Uma harmonização completa para o trecho:
  • O Bb7+ do terceiro compasso é um acorde construído sobre o VII° de um dó Dórico:
  • O Em7(5b) (4° comp.), III° de um mixolídio em dó:
  • E o Láb7+ do penúltimo compasso como VI° de um dó eólio (menor natural):

As análises para esses acordes não podem ser vistas como definitivas quando apresentadas unicamente desta forma – a melodia cifrada. Isto porque devemos considerar o arranjo final como fator auditivo preponderante da verdadeira definição da função de cada um desses acordes. O Ab7+ pode ser utilizado também como VI° de um fígio em dó, e não somente como VI° da escala homônima menor.

São elementos como notas de passagem, ornamentos ou um improviso acompanhante que irão definir essas funções.

No exemplo abaixo, o Ab7+ é VI° de uma escala menor.

A nota diferencial das duas funções no caso é o ré – que aparece bemolizado no primeiro exemplo (caracterizando a escala frígia sobre dó); e natural no exemplo seguinte.

São vários os acordes de empréstimo modais que podem ocupar um trecho como o 2° compasso do exemplo já dado.

E por sua vez, cada uma dessas opções podem ser analisadas de diferentes modos. Vejamos:

  • O acorde Db7+ pode ser encontrado nas escalas frígia e lócria em dó – e portanto qualquer uma dessas duas podem ser trabalhadas no arranjo;
  • Eb7+.9 pode ter vindo do dó Dórico ou do dó eólio;
  • Gb7+ só pode pertencer à escala lócria, em dó;
  • Bb7+ é acorde derivado ou da escala mixolídia ou da dórica em dó
  • Fm7 pode pertencer ao dó eólio, dó frígio e ao dó lócrio;
  • Bbm7 é encontrado nas escalas frígia e lócria em dó;
  • E este Bb7 só temos na escala eólia em dó.

Há um limite para estes tipos de acordes. Este limite é definido com base em um elemento: a melodia a ser harmonizada.

Continuando no mesmo exemplo, repare como os acordes que surgiram são todos derivados de escalas acidentadas com bemóis. A explicação está na nota final (dó) e na nota a ser harmonizada (fá).

Pelo ciclo das quintas, a primeira escala em dó a apresentar um sustenido seria a lídia.

Mas a nota sustenizada é justamente o fá, a nota exigida na melodia. Evidentemente, em todas as demais escalas posteriores do ciclo não encontraremos o fá natural; e nenhum acorde das mesmas, portanto, servirá como apoio à melodia; a menos que se realize um trabalho de polimodalidade, o que não é o caso aqui.


Fonte: Publicado originalmente em http://www.fabiocavalcante.hpg.ig.com.br/textos/arquivos/aem/aem.html