por: Diana Goulart
Já estamos familiarizados com os computadores e achamos natural encontrá-los em todos os lugares – nos bancos, nas lojas, nos consultórios, nas bibliotecas, nas nossas casas. A maioria das escolas conta com laboratórios de informática. Os estúdios de gravação usam equipamento computadorizado. No entanto, pelo menos aqui em nosso país, pouquíssimos professores de música se deram conta do quanto eles e seus alunos podem se beneficiar com a incorporação desta tecnologia em suas aulas. Este artigo relata alguns aspectos da minha experiência com o uso de software musical na sala de aula de canto popular.
O que a Informática pode fazer pelo ensino de canto
Uma das vantagens da utilização da informática na aula é poder simular, nos exercícios e no repertório, o acompanhamento por uma “banda virtual”. Utilizo basicamente dois programas na sala de aula: o Band-in-a-Box, da PGMusic, e o Encore, da Gvox. O resultado é uma ferramenta de ensino/aprendizagem incrivelmente poderosa, que permite ao professor controlar e modificar, com uns poucos cliques do mouse, a tonalidade, o andamento, o gênero musical, a instrumentação do exercício.
Os vocalises
Todo professor de canto tem seu repertório de vocalises – pequenas frases musicais usadas para trabalhar diferentes aspectos técnicos da voz. São exercícios de técnica vocal que criamos e aperfeiçoamos constantemente. Quando acompanhamos o aluno tocando piano ou violão, ficamos limitados nos nossos movimentos, e não podemos dedicar cem por cento de nossa atenção a monitorar a sua execução. Precisamos mostrar ao aluno uma determinada postura corporal, ou verificar o seu comportamento respiratório, enfim, precisamos nos levantar, ter contato com o aluno. Uma opção interessante é fazer o exercício a capella; mas se usarmos sempre este recurso, vamos criar um distanciamento entre o treino e a realidade. Com o auxílio da nossa “banda virtual”, ficamos liberados para interagir livremente com o aluno. Isto é de particular importância quando damos aula de técnica vocal em grupo. É preciso ir até cada aluno, explicar/demonstrar o funcionamento do diafragma, fazer gestos que exemplifiquem as imagens mentais que sugerimos aos alunos.
Os programas usados permitem que se escreva uma melodia e/ou harmonia, especificando parâmetros como gênero (são centenas de estilos de jazz, bossa-nova, pop, etc), andamento, convenções como antecipações, viradas de bateria, instrumentação etc, facilitando a criação de exercícios personalizados por cada professor para cada aluno ou turma. É necessário apenas que se conheça notação musical, harmonia funcional (cifras, estrutura dos acordes, escalas) e que se saiba operar, a nível de usuário, com o computador e com os programas usados. Mas nunca é demais lembrar: é o professor quem determina (em função de um projeto pedagógico e/ou das espectativas e possibilidades dos alunos) os objetivos da aula, propõe uma estratégia para trabalhá-los, cria o material didático. O computador é um simples instrumento auxiliar, que contribui para dar uma forma especial aos conteúdos da aula.
Preparação do aluno para uma apresentação
Parodiando um conhecido técnico de futebol, aula é aula, show é show. Jamais aconselho – e quando posso interferir, não permito – que um cantor use num show acompanhamento gravado ou sequenciado para substituir a presença de instrumentista(s) tocando ao vivo. Mas na aula o objetivo é preparar o aluno para que ele desenvolva o seu instrumento vocal e tenha o melhor rendimento possível nos ensaios com os músicos que o acompanharão no show. Portanto, quanto mais a sua preparação fôr próxima à realidade musical que ele escolheu, mais proveitosos serão os ensaios e melhor o resultado final.
A sonoridade típica da música popular requer o uso de amplificação, tanto para a voz como para a maioria dos instrumentos. O treinamento feito com um piano e sem microfone prepara apenas parcialmente o aluno para a realidade musical que ele encontrará nos ensaios e nos shows com uma banda: é preciso, sim, ter um bom domínio da técnica vocal, mas também é fundamental conhecer os recursos do microfone, do reverber e da equalização. Isto é especialmente importante para o aluno que já tem algum tempo de estudo de técnica vocal. O iniciante tem que se familiarizar com a sua voz “natural”, para depois buscar uma identidade “microfônica”.
Outra vantagem é que o cantor ganha auto-confiança, pois quando chegar a ensaiar ao vivo, já terá eliminado boa parte das dúvidas musicais e técnicas inerentes ao aprendizado de uma peça. Ele também já terá uma noção clara do que quer em termos de arranjo, tonalidade, andamento, facilitando a comunicação e evitando aborrecimentos.
Alguns outros tópicos importantes:
- Oferecer a possibilidade de se ter uma banda virtual disponível a qualquer tempo para estudo ou pesquisa – Geralmente o cantor precisa de um instrumentista que o acompanhe nas apresentações e durante os ensaios. Esta interação com outros músicos é frutífera, desejável e insubstituível; no entanto, se houver uma preparação prévia para os ensaios, estes encontros serão ainda mais proveitosos. Muitos dirão que o professor pode perfeitamente fazer isto, tocando piano ou violão para acompanhar o aluno nesta preparação para os ensaios. É claro que pode. Mas o professor de canto tem como função primordial assistir ao desempenho do aluno, demonstrar detalhes da emissão vocal, da postura corporal, etc; estas tarefas são difíceis de executar se ele estiver preso a um instrumento. Além disso, a sua atenção estará totalmente voltada para o aluno, em vez de dividida com o instrumento (principalmente se for preciso transpor para outra tonalidade na hora).
- Treinamento sem constrangimento ou inibição causada pela presença de pessoas estranhas ao contexto da aula (pianista ensaiador)
- Repetição exaustiva, em diversas tonalidades – como exercício ou para encontrar a melhor tonalidade para cada música
- Facilidade de gravar a performance, possibilitando feed back imediato
- Treinamento muito mais realista – a aula é uma espécie de simulador da situação real de show
Vejamos agora algumas das dificuldades mais frequentes na relação cantor/acompanhador, e que são minimizadas usando os recursos dos mencionados Band-in-a-Box e Encore:
- Nem sempre o acompanhador está disponível na hora necessária, e nem sempre é possível dispor de verba suficiente para contratá-lo
- Muitas vezes o cantor se sente constrangido ao expor para o “coach” as suas dificuldades vocais, dúvidas sobre “aquela” nota da melodia, problemas de afinação, emissão, etc que sempre estão presentes quando se começa a ensaiar uma peça
- Frequentemente o cantor se inibe ou fica com medo de ser considerado “chato” ou “lento” para aprender, e por isso (talvez inconscientemente) não pede ao acompanhador para repetir um trecho tantas vezes quanto seria desejável
- Depois de cantar a música algumas vezes, o cantor pode achar que seria bom fazê-lo em outra tonalidade; então tem que esperar o instrumentista transpor o arranjo, ou até mesmo pode enfrentar resistência dele.
- Depois de bem aprendida uma peça musical, o cantor pode querer experimentar algumas variações ou improvisações rítmicas e melódicas; mas é comum que se sinta inibido pela presença de um outro músico, que poderia criticar suas ideias musicais
- Em resumo, o(s) acompanhador(es) são percebidos – conscientemente ou não – como uma espécie de platéia altamente especializada, que está ali para assistir a um show e criticar. E – convenhamos – não é exatamente prazeroso para um instrumentista ficar repetindo exaustivamente um trecho de dois compassos até o cantor atingir a afinação precisa.
Podemos assim nos beneficiar do aspecto lúdico, sem perder o foco do que se deseja trabalhar – e é inegável que o prazer, a motivação, o entusiasmo, são aliados da aprendizagem. A ausência de crítica persecutória me parece ser uma das maiores vantagens da utilização do BB pelo aluno em sua própria casa. Poder errar sem se sentir “dando vexame”, poder repetir um trecho ad nauseam sem aborrecer ninguém (por favor, não se esqueça de fechar bem a porta!). Poder experimentar tantas tonalidades quanto se deseja. Poder testar improvisações à vontade. Poder aprender a música num andamento bem lento e ir acelerando aos poucos. Poder tentar mudar o arranjo, o gênero, a instrumentação de cada música.
O papel do Professor
Uma questão que costuma surgir com frequência é: então, qual é o papel do professor nesta história toda, se “o computador faz tudo”?
Em primeiro lugar, o computador está MUITO longe de fazer tudo. Ele apenas executa tarefas específicas – quem diz o conteúdo, quem cria texto, música, imagem, somos nós os humanos.
Em segundo lugar: a liberdade total não facilita o aprendizado. Se um aluno não tiver limites (gradação, tarefas claras a cada momento, avaliação de cada passo, enfim, um acompanhamento do que está sendo assimilado) ele se perde num oceano de informação e possibilidades. Cabe a nós, professores, ajudá-los a se orientar no seu caminho de busca. Se eu simplesmente disser para o aluno: “Aqui está um lindo tema de Duke Ellington. Agora improvise”, o resultado vai ser geralmente muito frustrante. O excesso de possibilidades confunde. Mas se eu disser: “vamos inventar um outro jeito de começar esta música, cantando uma melodia diferente da original nos quatro primeiros compassos”, é mais provável que ele se sinta mais confortável para experimentar.
Uma série de atribuições pertencem somente ao professor, e nisto ele não pode ser substituído. Algumas delas são:
- construir material didático original e motivador, que possibilite expandir o talento e a criatividade do aluno
- sugerir e experimentar caminhos possíveis para a aprendizagem, explicitando os processos de aquisição do conhecimento
- ensinar o aluno a usar as ferramentas tecnológicas disponíveis, agilizando o processo de aprendizagem
- identificar pontos fracos, que precisem de treinamento específico, indicando exercícios e condutas adequadas
- identificar pontos fortes que devem ser explorados para expandir os limites
- avaliar, junto com o aluno, o quanto os seus objetivos estão sendo atingidos
O que a Informática NÃO pode fazer pelo ensino de canto
- Criar a atmosfera de cooperação, o fluxo de energia criativa que acontece num show ao vivo, ou até mesmo num ensaio com músicos presentes
- Substituir o convívio com outros músicos
- Substituir o contato de aprendizagem com professores e colegas