Musicalização

Música e Psicologia: Unidas na Musicalização

por: Denis Nogueira [1]

Resumo: O estudo de música e a psicologia ajudam no ensino musical; a teoria de Maslow (a teoria da motivação); as necessidades do aluno e do professor no estudo musical; metas de onde chegar no estudo; necessidades básicas do estudo musical – pessoal, social e técnica; um pouco da experiência pessoal como professor e estudante de música.

A união da música e a psicologia pode ser um contribuidor para conduzir ou mesmo derrubar barreiras do aprender musical. Alguns fazem perguntas do tipo: Será que é possível a uma pessoa já adulta aprender música? Será que é preciso ter dom pra ser um músico profissional? Uma pessoa que nunca cantou, pode ser um cantor de fato, mesmo depois de idade avançada? Pode uma pessoa que nunca estudou música, produzir alguma música de fato e eficiente?

Muitos adultos sentem em seu ser vontade de fazer música de alguma forma e temem não conseguirem. São essas, e tantas outras questões que afligem o povo secular e principalmente as comunidades religiosas e cristãs, e de nossas igrejas também.

Comecemos com um fato importantíssimo: todos temos necessidades que nos mobilizam a ir em busca de satisfação. A Teoria de Maslow (Teoria da motivação) já relacionava esta situação e para mim em dez anos de aulas de música, são as mais comuns em meu educar musical:

1. Necessidade Pessoal

2. Necessidade Social

3. Necessidade Técnica

Necessidade pessoal – Todo individuo quando quer estudar música, tem um sonho, o qual está, por enquanto, distante e/ou ainda muito fragmentado, de realizar-se musicalmente (ex.: tocar na igreja ou festa, cantar um hino de cantor conhecido da igreja, cantar como um cantor famoso, reger um grande coral, tocar numa banda. etc.), e esta necessidade pode ser suprida, ou pelo menos perseguida – por vezes não por inteiro – mas, o educador musical precisa estar atento a essa prioridade, pois ela é o motivo condutor que leva o aluno a ir em busca de seus estudos, portanto, precisa estar claro na cabeça do educador e do educando (aluno) esta meta pessoal, e lutar a favor de chegar nela, seja momentaneamente ou parcialmente, desde o princípio de seus estudos.

Nesta primeira fase é preciso ser muito específico, detalhado e direcionado acerca do que se quer, e onde quer chegar, para que nada desvie a atenção. O foco e a meta, normalmente não é muito complicado de saber, o que se quer e busca, isto sim, precisa ser traçado numa estratégia para chegar o mais rápido possível, para deixar e aluno estimulado e atento, e ao mesmo tempo suprido, alimentado.

Faço menção dos homens de nossa história bíblica, que tinham definido metas em suas carreiras religiosas, e metas essas de forma pessoal. Adão, em cuidar do jardim e zelar por ele; Noé, na pregação de sua sociedade e preparação da arca; Davi, que queria muito reconstruir o templo, mas foi em Salomão que isto oficialmente o aconteceu; Jó, sonhava ter um livro sobre sua vida (como ele próprio disse em Jó 19:23 “Oxalá que as minhas palavras fossem escritas! Oxalá que fossem gravadas num livro!”),  e o interessante é que Deus, em sua infinita sabedoria, realizou seu sonho, mesmo ele nunca sabendo deste sonho pessoal, e que um dia Deus realizaria . Dê uma olhada, ao estudar a bíblia de uma forma mais clínica com um olhar de forma pessoal, e verá muitos deles tendo um objetivo, às vezes até ruim para sua vida espiritual, mas eles definiram o que queriam. Jacó, na luta pela primogenitura; Saul, querendo matar Davi por ciúmes. Eram metas pessoais, mas havia uma necessidade em suas cabeças, uma prioridade constante. Outro exemplo, Davi e a busca de Bete-Seba e a morte de Urias (II Samuel 11). No novo testamento temos o próprio Cristo, que desde Seu nascimento estava em busca de um caminho, e de uma meta; até mesmo nas profecias as metas estava implícitas. Os Apóstolos, em busca de resolver a pregação da verdade pra aquele tempo, a escrita dos livros pra auxiliar na transmissão da mensagem.

Necessidade Social – A partir do momento em que se iniciam os estudos, a sociedade e/ou a comunidade em que se vive cobrará resultados desse inicio do fazer musical. Essa cobrança é saudável para que se continue o estudo e alcance esta meta; por isso sempre aconselho que se satisfaça, por parte do aluno, a exigência do meio social em que vive, inclusive que se perceba o que eles querem ouvir – amigos, família, igreja – ou o que querem que aconteça com a música em sua região.

A comunidade tem uma rotina social, e nós, que vivemos nela, sabemos quais são as cobranças e quais são as prioridades. É preciso, como membro desse grupo, perceber isso e atendê-lo com o meu fazer musical, seja qual for. Todos cobram de alguma forma; o professor precisa saber de seu aluno que cobranças são essas, e também contribuir pra que ele as atenda.

Como educador musical estaremos percorrendo e perseguindo essas necessidades, e satisfazendo-as, num período bem curto, com sabedoria e equilíbrio, trabalhando de forma direta a esta demanda, pois, como estudante, é importante não sofrer tensões nesta fase. Será muito enobrecedor estar tranqüilo, feliz, satisfeito, engatilhando seus estudos até vencer essas duas fases, embora, vejo que eles estão em constante mutação, mas é possível chegar a elas rapidamente.

É bom lembrar, que não quero aqui dizer que devemos de tocar o que eu quisermos e o que os outros querem, ou mesmo diminuir o nível musical nas igrejas; mas ao mesmo tempo, não é concebível o indivíduo passar dez anos de sua vida, e não tocar ou cantar nada que goste pessoalmente e/ou o eu sua comunidade pede, só porque não se está totalmente preparado. É importante ter consciência de que a música que fazemos na igreja é uma música funcional e/ou utilitária, com um devido fim, e se for necessário, preciso fazer com que aconteça música, mesmo que seja ela muito simples em estrutura, e técnica.

Talvez, tocar com o mínimo de acordes, cantar com pouca técnica, e muito mais com o coração, será muito mais nobre do que cantar com toda a técnica e presunção de um fazer musical na frente da igreja, visando mais uma performance de palco, do que a transmissão da mensagem. Porém, precisamos mais que nunca, deixar claro que isto será uma fase somente, e não podemos manter neste nível. Quer queiramos ou não, tem muita gente nas igrejas cantando, tocando e fazendo música de maneira pobre e medíocre. Em Lucas 17:10 diz: “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer”.

Isso deveria ser totalmente excluído na igreja, mas é uma realidade, e não posso desprezar esse grupo, que na verdade existe. Eles estão fazendo música; simples, com pouca técnica, mas, estão lá, estudando, treinando, e tentando melhorar no louvor. E eu, como educador, terei de auxiliá-los e ajudá-los a elevar seu saber musical, com humildade e sabedoria, e acima de tudo, equilíbrio, ao mesmo tempo, ganhando a todos, seja qual for o estilo, e tipo de forma vocal que o aluno almeja. O motivo da escolha deste estilo, será uma forma de conhecê-lo melhor; e veremos que, muito do que se deseja musicalmente, está mais pra ser elogiado e amado por esta sociedade, do que fazer música. E, tendo isso em mente, teremos de, aos poucos, elevar seus conhecimentos, sem preconceito, não se colocando como o dono da verdade, e sim, mostrando tudo que existe de possibilidades e encaminhando para uma qualidade musical de nível superior e de forma gradual.

É daí que vem a necessidade de se estudar tudo que puder de psicologia. O professor precisa entrar em contato com este assunto, as emoções, as angústias, tristezas, ânsias do humano, pois poderá ajudar seu aluno/paciente, e a si próprio, pois muito do que ele próprio escolheu tocar e o seu fazer musical, tem a ver com as suas necessidades pessoais e sociais; ele também sonhava ser alguém musicalmente, e foi trilhando este caminho tortuoso dos estudos, passou e passa horas estudando, refletindo, planejando, organizando saídas pra ser um bom professor.

A carreira de um professor contém muitos sofrimentos, lutas e angústias; e se ele, com humildade e sinceridade, entender e perceber emocionalmente sua condição e continuar sempre nesta busca, verá que é um constante aluno, e que trilha há mais tempo no mundo dos estudos. Cristo nosso Mestre, sempre foi um ouvidor, e sempre parava pra refletir e orar a sós, pra entender e buscar no Pai as saídas e Sua missão terrestre. Faça professor o mesmo, Ele o auxiliará!

Muitos que já foram professores e alunos desistiram até estas duas fases, porque não entendiam o que queriam, achavam que não conseguiam, suas ânsias não foram satisfeitas, se decepcionaram por vezes com o professor, ou mesmo aquela frase comum de alguns pedagogos musicais – “você não nasceu pra música, vá fazer outra coisa” – quando, na verdade, o problema estava no educador, que não percebeu o que queria o aluno.

A Terceira fase da busca musical:

Necessidade Técnica – Esta é a fase de maior efetividade musical. Quando uma pessoa estuda música, passa pelas duas etapas anteriores, e chega neste nível, já sabe o que quer. Sabe que quer fazer música, pela música somente, quer tocar constantemente, ou cantar com um aprimoramento técnico, com domínio do que faz. Nesta fase está maduro, quer investir nesses conhecimentos; pode neste período até se tornar um profissional e, nesta fase, a igreja por vezes se torna limitada e insuficiente; é preciso tomar muito cuidado, pois este estudante terá de correr atrás de outros caminhos os quais, por vezes, são tortuosos e perigosos. Contudo, se for em busca de algum profissional cristão, que entende nossa Filosofia Adventista de Música, e que sabe de sua missão com relação à música da igreja, aliando a técnica, tudo correrá bem.

Por ser um período técnico e de estudos científicos, terá de estudar todas as nuances musicais, a nível internacional, todas as possibilidades musicais existentes na história, todo tipo de música, estilos, formas, caminhos, sistemas musicais (sistema modal, tonal, atonal ou pós-tonal, e tonal expandido), história da música, história da arte, harmonia (tradicional, popular, funcional), estética, folclore, metodologia científica, percepção e treino auditivo, cultura brasileira e todas as suas influências, prática de conjunto e música de câmara, analise musical, música da séc. XX e música contemporânea, canto coral, regência (pelo menos noções, pra aquele que não quer ser maestro/regente). Falo todas essas matérias, seja para quem for instrumentista, cantor, coralista, líder musical, qualquer função musical que se quer chegar. E se for para a parte de educação musical, terá de estudar todas as questões do ensino, didática, psicologia da educação, metodologia de ensino, políticas públicas, e tudo que tem a ver com pedagogia seja musical e também escolar.

É uma fase que poucos chegam, e se torna um período menos emocional, e mais racional, por ser de cunho mecanicista. Tenho percebido que a grande maioria da igreja vem com as duas primeiras necessidades ativas em sua mente, inclusive de forma mística, com vários mitos envolvidos: “precisa ter dom”, “Deus precisa capacitar”, “só o poder de Deus me fará aprender”. De fato, é verdade, até certo ponto, mas qual profissão não precisa de Deus para se aprender?

É muito comum passar pelas duas fases iniciais e, ao serem cumpridas, iniciam-se duas novas situações: Em uma delas, o aluno pára de estudar música, pois a realidade da sua vida pessoal foi resolvida, e a parte social (igreja e comunidade) estão satisfeitos; está feliz e contente por ter um domínio técnico, até certo ponto. Nas duas fases iniciais, aprende-se a técnica, e é bom ter claro isto; mas a prioridade deve ser o fazer musical para um devido fim, essa deve ser sua meta. O outro caminho que se segue é entrar na fase técnica e profissionalizante, e isto será um benção para esse indivíduo, tanto para igreja, tanto pra ele, como para sua sociedade, pois a partir daí pode ser um profissional, e ao mesmo tempo, um ministro da música, mesmo sem um titulo formal, mas com uma tocha de grande valor em suas mãos, um mestre, um especialista e que estará contribuindo pra todos os fins. Por vezes, o maior perigo é deixar de lado a missão e ser somente o profissional. Conheço vários profissionais que já foram da igreja, e hoje são somente professores acadêmicos, e não querem mais ter essa “dor de cabeça” que, para ele, é a igreja. Isso é muito perigoso e pode até afetar sua espiritualidade.

Agora, porque será que alguns não aprendem música? Será realmente que nem todos servem para estudar música? O que há de errado no aprendizado musical?

Os motivos são muitos e talvez não exista uma resposta final, mas, há alguns conceitos principais que causam falhas no aprender música. Eis abaixo alguns deles:

1. O professor – Muitas vezes o professor é o primeiro causador do não aprender. Às vezes ele tem uma visão muito tecnicista, mecânica, fragmentária, com pouco aprofundamento musical, sem uma visão religiosa. Dou uma dica pra você, aluno que quer estudar: questione a metodologia de seu professor, pergunte o que ele ensinará, os procedimentos pedagógicos, o caminho estrutural etc, pois ao ele te falar como trabalhará, você perceberá se ele é, ou não, um professor que se adapte a seus ideais e caminhos. Lembre-se, que você deve saber o que quer, e poderá direcionar o seu estudo e o caminho que irá percorrer, mesmo não sabendo profundamente; já mencionei acima algumas matérias que serão cruciais nestes estudos.

2. Foco e Definição no estudo – Precisam estar bem definidos a meta, e o preço que pagará pra chegar no alvo pois, às vezes, não se sabe ao certo onde quer chegar, e nem onde irá com seus estudos, ou mesmo não queremos lutar pelas dificuldades que a música faz-nos trilhar. Muitos querem em um mês tocar hinos complexos, músicas de cunho técnico muito denso, querem ter uma performance pianística, sendo que não sabem nem a diferença de uma escala maior pra uma menor, tonalidade, cadencia harmônica etc.

As metas precisam ter tempo determinado, não é possível também o aluno estudar com uma rotina diária, e com dedicação, e ao mesmo tempo, após um período, não ter aprendido nem um hino se quer, pois está estudando pra suprir uma necessidade social, e a cobrança aparecerá mais cedo ou mais tarde.

1. Instrumento errado – A escolha do instrumento é primordial; antes de estudar, é preciso estar claro na cabeça do estudante o que realmente se estudará. Até aquele individuo que quer tocar todos os instrumentos pode ser um dia um grande regente de bandas e orquestras; se ele está decidido, lutará com todas as forças pra tocar aquele instrumento, dominar aquela técnica vocal, aquela regência, “malhando” em cima do instrumento dia e noite, com muita força e dedicação. Tenha em mente que o estudo de música precisa ser um trabalho diário, todos os dias, várias vezes por dia, se possível, pela manhã, à tarde e à noite; só assim fará como Paulo diz: “mas transformai-vos pela renovação de vosso entendimento”, seja o entendimento musical ou não.

O não aprender é inconcebível. Estamos em constante mutação e desenvolvimento, às vezes não percebemos, mas ao ler este meu texto você estará sendo transformado espiritual, física, biológica, social, psicologicamente. Somos seres sistêmicos, totais, de inteireza em mutação, estamos mudando mesmo não querendo; essa história de que “não mudo”, “pau que nasce torto, morre torto”, é enganosa, é inclusive um artifício de Satanás pra que você não aceite esta possibilidade, e seja mudado de forma natural. Às vezes, na vida, acontece alguma coisa que não entendemos, e só depois de anos aprendemos porque aconteceu e como gerou mudanças em nós.

Lembro-me que tinha vinte e dois anos de idade e tive um acidente de bicicleta. Quebrei dezesseis dentes, fiquei com a boca amarrada a ferros por seis meses, e me perguntava a Deus, “por que estou passando por isto? Sou ancião, colportor, um missionário da página impressa, trabalho constantemente, ajudo minha igreja, sou atuante e por que estou vivendo esta condição?”.

Naquele momento não entendia nada, não aceitava nada do que acontecia comigo, estava dependendo da igreja pra sobreviver, minha esposa angustiada por ver o marido naquela condição. Neste período, tomei uma decisão: sairia da colportagem, e estudaria música com todas minhas as forças. Demorei um ano dentro de um planejamento, saí, montei uma escola de música, comecei a fazer o ensino médio (porque nem isso tinha concluído), para poder fazer a faculdade de música, ao mesmo tempo, fui na antiga ULM (Centro de Estudos Musicais Tom Jobim) e comecei a fazer cursos um atrás do outro. Hoje sou um músico profissional, graças a Deus, e sei que só tomei aquela decisão por que Deus deixou um acidente acontecer em minha vida, para que eu parasse, foi necessário. Ele me fez “parar de falar”, pensasse um pouco (seis meses), em minha pessoal, social, profissional, familiar para que isso gerasse mudanças.

O que Deus pede de ti? Peça para Deus agora, reveja seu trabalho musical, o que tem feito até aqui, o que tem planos de fazer no futuro? Trace metas a alcançar, e lute; a vitória é certa, mas você precisará do auxílio de Deus; Ele é dono de tudo e só com Ele conseguirá algo na vida. Deus o ajude a ser um obreiro de valor.


[1] Denis Nogueira é graduado em Composição/Regência e Licenciatura Plena em Música pela Faculdade de Música Carlos Gomes

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