O Universo Instrumental da Banda Sinfônica

por: Maestro Roberto Farias

A ideia de banda sinfônica esteve no passado intimamente ligada ao trabalho da orquestra sinfônica. No final do século 19 e início do século 20, esse numeroso organismo instrumental de sopros e percussão elevava a já tradicional banda de música ao “status” de uma orquestra sinfônica, principalmente no que se referia ao repertório. Os arranjos e transcrições de aberturas de óperas, operetas, movimentos de sinfonias, poemas sinfônicos e as célebres valsas vienenses constituíram-se ingredientes responsáveis pela popularização da música sinfônica, quando, de uma maneira mais ágil, promoviam o acesso do grande público à chamada música de concerto, através de apresentações em parques e outros logradouros, fora das ostentações dos grandes teatros da época. Por outro lado, a excelência de muitos desses organismos trazia a banda à cena principal nas grandes salas de concerto, despertando assim o interesse de muitos compositores para uma nova possibilidade de expressão musical que surgia, trazendo consigo uma flexibilidade que até então a já consolidada orquestra sinfônica não permitia.

Uma vez inspiradas nas grandes orquestras e por força do repertório (baseado unicamente em transcrições), as primeiras bandas sinfônicas eram bem maiores que os conjuntos modernos, já que partiam do princípio da substituição dos naipes de instrumentos de cordas por instrumentos de sopro. Algumas formações utilizavam entre 24 e 32 clarinetas e, em muitos casos, seguindo a tradição espanhola, mantinham-se os naipes completos de violoncelos e contrabaixos, tais como na orquestra. No Brasil, algumas bandas sinfônicas militares adotam esse modelo, porém em proporções reduzidas. Em países do Cone Sul, como Argentina e Uruguai, essa prática ainda é bastante comum, evidentemente com suas exceções.

O desenvolvimento desses organismos e a sua importância na cultura musical universal motivaram célebres compositores – como Hector Berlioz (Sinfonia Fúnebre e Triunfal), Gustav Holst (1ª e 2ª Suites e Hammersmith), Arnold Schoenberg (Tema e Variações, opus 43 a), Paul Hindemith (Sinfonia em Si Bemol e Konzertmuzik) e o nosso Heitor Villa-Lobos (Fantasia em Três Movimentos em forma de Choros e Concerto Grosso) – à criação das mais significativas obras do repertório original para banda sinfônica, impulsionando assim a produção de uma literatura específica que não pára de crescer.

Seguramente, é hoje a banda sinfônica o organismo musical que mais executa a música do século 20 em seus programas de concerto. Com o passar do tempo, em razão de um repertório pensado exclusivamente para essa formação de sopros e percussão, a banda sinfônica assumiu constituições mais específicas, adotando formações mais compactas e uma diversidade maior de instrumentos, cada qual com sua função definida – hoje está muito em voga a formação de “wind-ensemble”, que utiliza o mínimo de instrumentos, eliminando pratica-mente quase todas as dobras das vozes, à exceção das clarinetas.

Organismos como a Eastman Wind Ensemble, nos Estados Unidos e Tokio Kosei Wind Orchestra, no Japão, utilizam um efetivo com a seguinte formação: 1 piccolo (flautim), 2 flautas (com flauta em sol eventual), 2 oboés, 1 corne inglês, 1 requinta, 6 a 9 clarinetas, 1 clarineta alto em mi bemol, 1 clarineta baixo em si bemol (clarone), 1 clarineta contra-alto em mi bemol, 1 clarineta contra-baixo em si bemol, 2 fagotes, 1 contrafagote, 2 saxofones alto (com 1 soprano eventual), 1 a 2 saxofones tenor, 1 saxofone barítono, 4 trompas, 3 cornets, 3 trompetes, 2 a 3 trombones tenor, 1 trombone baixo, 2 eufônios (bombardinos), 2 tubas, 1 contrabaixo, piano, harpa e percussão: tímpanos, bombo, caixa clara, caixa tenor, prato a 2, prato suspenso, triângulo, tom-tons, gongo, tantã, wood-block, temple-block, claves, chicote, matraca, maracas, glockenspiel (bells), campanas, xilofone, vibrafone, marimba, celesta, etc.

No caso da Eastman Wind Ensemble, idealizada pelo grande Frederick Fennell, que também é o regente de honra da Tokio Kosei Wind Orchestra, a sua formação foi baseada, a princípio, naquilo que havia de mais significativo no repertório para sopros: a partir das célebres serenatas e divertimentos de Mozart, serenatas para sopros de Richard Strauss, sinfonias e concertos para vários instrumentos solistas e conjuntos de sopro de Stravinski, criando em seguida releituras de obras de compositores famosos da música para bandas, como John Philip de Sousa e Henry Fillmore, passando por Charles Ives, Russell Bennett, Clifton Williams, etc.

No Brasil, a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo está completando dez anos como um dos mais importantes e completos conjuntos do gênero da América Latina. Seu efetivo instrumental é um dos extensos, capaz de cobrir toda a produção existente para banda sinfônica, agregando, quando for o caso, instrumentos que não fazem parte do seu quadro, de acordo com a exigência da partitura. A Banda está assim constituída: 1 a 2 piccolos (flautins), 8 flautas (com flauta em sol eventual), 2 a 3 oboés, 1 corne inglês, 2 requintas, 16 clarinetas, 1 a 2 clarinetas alto, 2 clarinetas baixo, 4 fagotes (com contrafagote eventual), 4 saxofones alto (com 1 a 2 sopranos eventuais), 2 saxofones tenor, 1 saxofone barítono, 6 trompas, 7 trompetes (incluindo cornets, flugelhorn e trompete piccolo), 4 trombones tenor, 1 trombone baixo, 3 eufônios (bombardinos), 4 tubas, 5 contrabaixos, piano, harpa, sintetizadores e percussão: tímpanos, bombo, caixa clara, caixa tenor, prato a 2, prato suspenso, triângulo, gongo, tantã, tom-tons, wood-block, temple-block, claves, chicote, matraca, maracas, pandeiro, campanas, glockenspiel (bells), xilofone, vibrafone, marimba, celesta, etc.

É comum a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo apresentar, num mesmo concerto, diversas obras com formações variadas, como por exemplo: Octeto para sopros de Igor Stravinski (1 flauta, 1 clarineta, 2 fagotes, 2 trompetes e 2 trombones); Ebony Concerto, também de Stravinski (1 clarineta solo, quinteto de saxofones com três clarinetas, 1 trompa, 4 trompetes, 3 trombones, 1 contrabaixo, 1 guitarra acústica, harpa, piano e bateria) e Tema e Variações, opus 43a, para banda completa. Nos últimos 10 anos, compositores brasileiros como Ronaldo Miranda, Mário Ficarelli, Lelo Nazário, Harry Crowl, Amaral Vieira, Marlos Nobre, Almeida Prado, Achille Picchi, Edmundo Villani-Côrtes, Cyro Pereira e Daniel Havens têm dedicado à Banda Sinfônica do Estado de São Paulo um considerável número de significativas obras, utilizando todo o recurso instrumental de que o grupo dispõe, repertório esse aclamado internacionalmente.


O Maestro Roberto Farias, foi o fundador da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo e atual diretor artístico da Banda Sinfônica de Córdoba (Argentina)


Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 126