A Afinação no Trombone

por: Alciomar Oliveira

A palavra “afinar” significa “tornar fino, apurar, aperfeiçoar, purificar, melhorar etc.” Em especial, quando um instrumentista toca as notas do sistema diatônico, o som fundamental destaca-se, e os demais aparecem com menor intensidade.

Nossa cultura musical é baseada na série harmônica, em que uma nota é composta de um som fundamental e de uma série de notas secundárias.Se analisarmos o espectro de harmônicos do trombone executando uma determinada série harmônica, veremos que algumas notas são mais altas ou mais baixas do que o referencial estabelecido pelo sistema temperado. Os intervalos entre as notas precisam de pequenos ajustes (Anexo I).

Existem aspectos relacionados à afinação que vêm das propriedades físicas do som. No entanto, há alguns aspectos que são relacionados à cultura. Por exemplo, se emitirmos a série harmônica de Sol bemol, acima mencionada e incluída no anexo I, e tomarmos uma segunda série em Si bemol, a análise das duas resultantes mostrará que o Lá bemol, 7 o harmônico da série feito sobre o Si bemol, terá uma freqüência muito mais baixa do que o Lá bemol, 9 o harmônico da série de Sol bemol (Anexo II).

Essa diferença entre notas iguais de séries harmônicas diferentes sempre foi um problema prático dos instrumentistas que lidam com a família dos metais. Nos primeiros tempos, esses problemas eram causados pelo processo de fabricação, que era artesanal e não tão rigoroso, numa época em que sua tecnologia de construção ainda estava em desenvolvimento.

Afinar, antes de mais nada, é uma atitude que requer disciplina. Não basta ter um bom instrumento, um bom repertório, se o músico não cultivar o hábito de tocar afinado. No entanto, existem duas formas de afinação na música: a absoluta e a relativa.

A absoluta depende da capacidade de interiorizar um padrão sonoro, como a escala temperada, por exemplo. Já a afinação relativa depende do contexto sonoro em que o instrumentista está tocando, ou seja, nela a nota é afinada em relação às demais notas com as quais ocorre e não somente em relação ao padrão próprio a que pertence.

A consciência do que é necessário para obter uma boa afinação requer um desenvolvimento significativo também de outras áreas do conhecimento humano, uma vez que afinar significa ouvir o mundo que nos cerca e percebê-lo em sua plenitude. No caso da técnica do trombone, três são os fatores predominantes na afinação:

1) A RESPIRAÇÃO: é fundamental que se tenha um bom controle do fluxo de ar, a fim de mantê-lo constante e uniforme. Para mudar de registro ­ do grave para o agudo, ou vice-versa ­ deve-se ter controle adequado em relação à pressão e quantidade de ar.

2) A LÍNGUA: é um fator importante, pois é ela quem controla parte da emissão sonora, obstruindo ou liberando a passagem de ar que vem do tórax. Com a língua é possível que a execução das articulações sejam definidas, produzindo as seguintes variações:

a) Stacato ­ Quando o instrumentista deseja uma articulação com o ataque de nota mais seco, a fim de separar bem uma nota da outra, a língua golpeia rapidamente por trás dos dentes superiores, causando uma explosão devido à interrupção da coluna de ar.

b) Detachet ­ Quando o instrumentista deseja uma articulação que possibilite apenas uma separação das notas, sem que haja uma explosão ou ataque brusco, a língua golpeia levemente por trás dos dentes superiores, interrompendo a coluna de ar.

c) Legato ­ quando o instrumentista deseja uma articulação que destaque uma nota da outra sem que haja qualquer interrupção da coluna de ar. É mais comum que o instrumentista use o legato para frases mais líricas e grandes cantabiles.

3) A EMBOCADURA: nos instrumentos da família dos metais, em que a emissão sonora se dá através da vibração dos lábios em contato com o bocal, torna-se necessário um condicionamento da musculatura labial e dos demais músculos da face para que o instrumentista possa controlar e, obviamente, mudar a altura das notas da série harmônica. O fenômeno acima descrito é a embocadura. Em resumo, é a forma necessária para a geração do som nos instrumentos de bocal.

Tocar afinado desde o início dos estudos pode ser a grande motivação de um estudante de trombone. No entanto, nem todos os estudantes podem contar com os requisitos naturais que favorecem uma boa afinação. Quando naturalmente não foram consolidados alguns princípios que favoreçam a afinação, cabe ao professor indicar artifícios que venham a suprir as necessidades referentes à afinação. Alguns didatas e executantes de instrumentos de cordas (contrabaixo, celo, viola e violino) sugerem uma afinação integrada (BORÉM, 1997, p. 310-15) em que o desenvolvimento de um sistema sensório-motor baseado na audição, tato e visão pode, de maneira eficaz, minimizar o problema com a afinação. Com algumas adaptações, o trombone pode fazer uso destes procedimentos desenvolvidos para a família das cordas, já que não é um instrumento temperado.

Para esta afinação, é necessária a combinação de cinco técnicas referenciais de afinação:

1) AFINAÇÃO DINÂMICA: depende da percepção auditiva do instrumentista anterior ao contato com o instrumento. Nesse caso, o trombonista corrige a afinação imediatamente quando percebe a desafinação, sem parar de tocar. Para isso, o músico, que já conhece a música que está executando, automaticamente corrigirá a desafinação que estiver cometendo.

2) MEMÓRIA INTERVALAR: é a automatização das distâncias das posições da vara em relação às regiões físicas do instrumento e demais proporções. Com a posição da vara fechada (primeira posição), obtém-se a série harmônica de Sib; acima da campana (terceira posição), obtém-se a série harmônica de Lá Bemol; abaixo da campana (quarta posição), obtém-se a série harmônica de Sol; acima da bucha (sexta posição), obtém-se a série harmônica de Fá; abaixo da bucha (sétima posição), obtém-se a série harmônica de Mi. Proporcionalmente, a segunda posição terá endereço entre a primeira e a terceira posição, a quinta posição terá endereço entre a quarta e a sexta posição.

O trombone dispõe de sete posições da vara, que possibilitarão a realização de sete séries harmônicas. Com a alternância das posições, é possível a escolha de todas as notas cromáticas. Contudo, estes não são os únicos problemas com a afinação no trombone.

Como o trombone é um instrumento de série harmônica, alguns princípios físico-acústicos exigem correções nos harmônicos executados nos instrumentos de metal, visto que a utilização do sistema temperado exigiu que os instrumentos sofressem alterações na sua construção, a fim de serem mais dinâmicos na performance. Nesta técnica, a automatização das distâncias deve ser aliada à sensação auditiva e tátil.

3) MEMÓRIA TÁTIL: está diretamente relacionada com as sensações desenvolvidas com a prática de execução do instrumento, em que a posição da embocadura, a posição de abertura da vara, a quantidade e a qualidade do fluxo de ar emitido formam um conjunto de sensações que podem ser rapidamente decodificadas pelo instrumentista.

4) MEMÓRIA VISUAL: geralmente utilizada quando o instrumentista toca em um instrumento de dimensões diferentes do seu habitual. Nesse caso, para uma boa afinação, ele faz comparações com alguns pontos visualmente.

5) VIBRATO: o vibrato, dentro das técnicas de afinação, serve na verdade para mascarar a desafinação, para confundir o ouvinte quanto à imprecisão na afinação. Para realizá-lo o instrumentista oscila a nota pouco acima ou pouco abaixo do ponto exato. Este recurso começou a ser bastante utilizado após a implantação do sistema temperado.

Estes cinco procedimentos para a afinação devem ser escolhidos e combinados na hora certa, caso contrário, o problema poderá se tornar ainda maior. Seu uso durante todo o treinamento de performance, ou mesmo durante sua realização, faz parte do desenvolvimento sugerido nestas técnicas.

Referência Bibliografica:

BORÉM, Fausto.
Afinação integrada no contrabaixo: desenvolvimento de um sistema sensório-motor baseado na audição, tato e visão. In: X ENCONTRO DA ANPPOM, Goiânia. Anais… Goiânia, 1997, p. 310-15.


Alciomar Oliveira é Professor da UNB/UFG.


Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 138