Respiração Circular: 2° parte

por: Angelino Bozzini

Chegando ao instrumento

Assim que você tiver dominado a técnica da respiração circular, o próximo passo será aplica-la à execução de seu instrumento:

– Comece repetindo os cinco exercícios anteriores, demonstrados na última edição da Revista Weril. Dessa vez, realize-os expirando o ar contido na boca através do bocal (boquilha, embocadura ou palheta do seu instrumento). No início, não é necessário que você emita um som; o importante é cuidar para que a respiração pelo nariz continue de forma relaxada e contínua.
– Assim que o processo estiver automatizado, tente produzir um som no bocal. Nesse momento, tudo fica mais difícil, mas não desanime. Escolha a nota ou região que for mais fácil para você e não se preocupe, ainda, com a qualidade do som produzido.
– Com um pouco de prática, você conseguirá emitir um som regular através do bocal do seu instrumento. A partir daí, comece a variar a altura de maneira controlada.
– Alterne exercícios onde você emprega a respiração circular em notas longas com exercícios onde você a emprega no meio de uma seqüência de notas de alturas diferentes.

Cuide agora da qualidade do som produzido.

– Assim que você estiver controlando satisfatoriamente o uso da respiração circular durante a emissão pelo bocal, pode começar a praticá-la em seu instrumento:
– A princípio, pratique-a com notas longas em piano na região média do instrumento.
– Num segundo momento, pratique-a em estudos de escalas.
– Pouco a pouco, comece a variar a dinâmica. (Quanto mais forte, mais difícil de manter a nota estável durante a respiração circular).

Assim que você estiver controlando com segurança o emprego da respiração circular nos exercícios, comece a aplicá-la em peças musicais. Trabalhe primeiramente com movimentos lentos de concertos ou sonatas escritas para seu instrumento. O importante aqui é adquirir a consciência sobre onde e quando utilizar a respiração circular. Em seguida, aplique-a em peças transcritas de instrumentos de corda ou teclado, como o “Moto Perpétuo” de Paganini ou o “Vôo do Besouro” de Korsakov.

Vale a pena lembrarmos que, para que a respiração circular tenha sucesso, é essencial que você esteja com suas narinas desobstruídas; caso contrário, você não conseguirá inspirar uma quantidade suficiente de ar, ou, se conseguir, fará tanto ruído que ela lhe será de pouca valia na sua prática musical.

A aplicação musical da respiração circular

Uma vez dominada a técnica, a tarefa mais importante é saber onde aplicá-la na sua prática musical.

– Em primeiro lugar, lembre-se que tocar não é um espetáculo circense; não seja exibido para os colegas que ainda não dominam essa técnica.
– Em segundo lugar, utilize-a só quando sua aplicação trouxer benefícios expressivos na sua interpretação, que você não obteria de uma maneira normal.
– Por último, tenha certeza de que você não depende da respiração circular para fazer o que tem a fazer. Se estiver com seu nariz entupido, não poderá empregá-la, e tudo o que você planejou dependendo dela poderá se tornar num fracasso.

Os prós: O “gás” que faltava para as frases longas

A partir do momento em que a respiração circular fizer parte do rol de suas habilidades técnicas, um mundo novo de possibilidades se descortinará à sua prática musical. Basicamente, podemos citar três aplicações importantes para os seus novos conhecimentos:

Frases longas: Em frases musicais muito extensas, nas quais você chegaria ao fim com uma queda da qualidade sonora por não ter ar suficiente para controlar a emissão, ou mesmo teria que interrompê-la num lugar agogicamente inadequado para poder respirar, a respiração circular permitirá que a frase seja executada do princípio ao fim com qualidade sonora e sem ser interrompida. Isso é importante, principalmente nos movimentos lentos.

Notas sustentadas por vários compassos: É comum partes orquestrais de instrumentos de sopro conterem notas longas que devem ser mantidas por vários compassos. Quando uma parte está sendo tocada por mais de um músico ao mesmo tempo, eles podem combinar para respirarem em lugares alternados, dando assim, para os ouvintes, a sensação de que a nota não foi interrompida. Se o músico, porém, está apenas na execução de sua parte, só poderá dar essa mesma impressão ao ouvinte se respirar muito rapidamente em algum momento em que o restante da orquestra esteja tocando algum acorde forte. Já com o emprego da respiração circular, ele poderá tocar uma nota longa, independentemente de sua duração, de forma natural e musicalmente adequada.

Transcrições de peças de outros instrumentos onde não há pausas para se respirar: Um clássico exemplo desse problema acontece na peça “O Moto Perpétuo”, de Paganini. Escrita originalmente para violino, foi transcrita para quase todos os instrumentos. Por ser num andamento muito rápido e não prever pausas para respiração, qualquer tentativa de respiração normal no meio da música adulteraria a concepção original do fraseado. Utilizando-se a respiração circular, pode-se executar inteiramente a peça, sem que seja necessário interromper-se a emissão sonora.

Os contras: Afinal, você é um homem ou uma máquina?

Se você conseguir dominar a técnica da respiração circular, verá que muitas coisas ficarão mais fáceis na sua vida de instrumentista. Mas, nem tudo são flores nas conquistas! No início, falamos que a incapacidade de manter um som ininterruptamente seria uma limitação física imposta aos instrumentistas de sopro, não compartilhada pelos seus colegas de outros instrumentos. Pois é exatamente essa limitação que proporciona aos instrumentistas de sopro o que talvez seja a sua maior vantagem em relação aos seus colegas: o fraseado natural, advindo da respiração.

Os professores dos instrumentos de corda ou teclado passam anos de suas vidas e gastam grande parte de sua sabedoria e energias tentando transmitir aos seus alunos uma forma “natural” e “humana” de executar as frases musicais. A grande maioria da música existente na cultura humana tem seu imaginário melódico fundado no falar e no cantar. Assim, da mesma forma que a razão humana necessita de pausas, acentos enfatizando os pontos principais e inflexões em um discurso, para torná-lo compreensível, a frase musical precisa ser logicamente articulada. Caso contrário, corre o risco de não ser musicalmente compreendida. Quem abusa da respiração circular acaba perdendo o sentido natural do fraseado melódico, chegando, no extremo, a soar como algo mecânico e inumano.

Portanto, seja consciencioso na utilização da respiração circular: bem empregada ela irá expandir suas capacidades como instrumentista; abusando-se dela, sua execução poderá sofrer sérias perdas na expressividade artística.

A Respiração Circular e o Espírito

Finalizando, vale a pena lembrar que a respiração circular é utilizada em várias formas de terapia e como preparação à meditação. Praticada de forma relaxada e sem um instrumento, ela promove uma oxigenação elevada do cérebro e do corpo em geral, preparando-o para um estado privilegiado de consciência.

Lembra-se da alegria que você sentiu a primeira vez em que conseguiu andar de bicicleta? Todos os tombos do aprendizado foram esquecidos naquele instante. Você era, de repente, um herói para si mesmo. A respiração circular pode trazer-lhe essa alegria de volta. Boa sorte nos exercícios!


Angelino Bozzini é professor e trompista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo


Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 128