por: Clarindo Gonçalves de Oliveira
Sem dúvida, um dos autores mais conhecidos e populares da história da música é o veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741), que simboliza a essência da música barroca italiana.
Primogênito dos sete filhos do violinista Giovanni Battista Vivaldi e de Camilla Calicchio, já aos dez anos preparava-se para a vida religiosa e já tocava violino sob a orientação do pai.
Ordenado padre, aos 25 anos, Vivaldi não exerceu o sacerdócio por muito tempo, sob a alegação de um mal que o acometera desde pequeno, um mal, aliás, nunca bem definido
Neste mesmo ano, o “Padre Ruivo”, é contratado como professor de violino no Ospedalle della Pietà, um orfanato para meninas, e em 1705 tornou-se diretor deste estabelecimento.
Entretanto, sua doença não o impedia de compor, viajar, tocar e reger. Essa pouca vocação para o serviço religioso não passara despercebida ao pai, Mas, conhecedor da política artística de Veneza e da influência da Igreja, Giovanni viu no hábito eclesiástico a garantia do futuro do filho.
A doença não foi um empecilho para se tornar um virtuose do violino, para dedicar-se às aulas no Ospedalle della Pietà, para compor centenas de obras e, finalmente, exercer a cansativa e movimentada vida de empresário da ópera.
Como empresário ele resolvia as questões financeiras do teatro, contratava cantores, organizava os ensaios, etc… Revelou-se um intrépido homem de negócios, mais audaz e menos escrupuloso do que convinha a um sacerdote. Mas, quase clandestina, essa atividade seria deliberadamente ofuscada pela de maestro de della Pietà, título que Vivaldi sempre fez questão de ostentar em todas as suas partituras.
Além desta vida de empresário, Vivaldi era sempre visto com um grupo um tanto estranho para um padre: Annina, sua cantora de ópera favorita; Paolina, a irmã; a mãe das duas cantoras e mais outras duas outras moças. Isso fez com que surgissem muitos comentários nas cidades onde sua companhia de ópera se apresentava.
A partir de 1725, por um período de dez anos, seu nome desaparece dos arquivos do Ospedalle della Pietà. Até 1728 isso deveu-se à intensa atividade de Vivaldi nos palcos venezianos e estrangeiros; de 1728 a 1731, o compositor esteve ausente do cenário musical italiano.
Em 1741 retoma suas atividades em Veneza, onde monta a ópera Griselda, de Zeno e Pariati. Nomeado Maestro de Concerti do Ospedalle, assume oficialmente as funções que exercia de fato desde 1723.
No ano de 1740 parte para uma nova tournée pelo norte da Europa. Em 1741, em Viena, no dia 28 de julho, morre vítima de gangrena, ao lado de sua amiga Annina.
Vivaldi é conhecido, sobretudo, como o autor de As Quatro Estações, pequena mostra de um amplíssimo corpus de música instrumental e agrupações de seu tempo. Todavia, não devemos esquecer que Vivaldi pertencia ao clero regular, por isso, deixou-nos um número nada desprezível de Obras destinadas a liturgia, (cerca de cinqüenta obras) número pequeno se comparado a 442 concertos catalogados e cerca de quarenta Óperas.
Acredita-se que quase toda a sua produção musical fosse destinada às internas do Pietà, onde contava com um conjunto musical permanente que lhe permitiu experimentar toda a sorte de combinações instrumentais e vocais.
Completamente esquecido durante dois séculos após sua morte, tornou-se, no segundo período pós-guerra, um dos compositores de música erudita mais apreciados em todo o mundo.
Em sua música religiosa, Vivaldi se vale de recursos dramáticos e poéticos que nunca havia utilizado em sua virtuosa música instrumental profana.
Recentes investigações musicais, sobre composições vocais de caráter religioso, revelam um aspecto pouco conhecido que esconde autênticas jóias musicais e boa parte de sua melhor música.
Como exempo podemos verificar que o esplêndido Glória em RÉ Maior RV589, um de seus trabalhos mais conhecidos, é um extenso conjunto de doze partes nas quais, combinando diferentes instrumentações, tempos e estilos, cria-se um contraste de sensações que alternam riqueza e variedade.
Dois sopranos, contralto, coro, dois oboés, duas trombetas, corda e continuo são os elementos que Vivaldi utilizou para transmitir toda a sua grandiosidade.
Desde o começo, os contundentes acordes que abrem o “Glória in Excelsis Deo“ e as brilhantes figuras dos violinos nos submergem no inconfundível universo vivaldiano: um universo repleto de sentimento, alegria e luminosidade, algo muito distante do caráter severo ou da tenebrosa religiosidade de Bach e Handel.
O “Et in terra pax“, interpretado também pelo coro, transporta-nos a um cenário completamente diferente; o tom menor e a doce atmosfera, delicadamente melancólica, sugerem uma paz mais desejada que verdadeira e assombrará aqueles que estão acostumados a um Vivaldi mais radiante e despreocupado. Talvez seja esta a página mais bela de todo o “Glória”
O “Laudamus te“ , dueto de sopranos , é outro sublime exemplo da genialidade e da fertilidade harmônica de Vivaldi. No entanto, onde a sua originalidade criadora realmente impressiona é no “Gratias agimus tibi ” e no “Propter magnam gloriam tuam“, os quais quase funcionam como “introdução e fuga”. O coro se transforma num sublime instrumento, que se introduz na orquestra com a mesma precisão que a de um delicado mecanismo.
No “Domine Deux“, a segunda soprano, acompanhada por um belíssimo oboé obligato, entoa com devoção e pureza uma melodia inesquecível e que permanece na memória.
O abrupto contraste do “Domine Fili inigente“ devolve-nos brevemente a um estilo despreocupado, que culmina no desolado diálogo que se estabelece entre a contralto e o coro nos três atos seguintes: Domine Deux, Agnus Dei; Qui tollis; Que sedes.
Em seguida, recupera-se a atmosfera melancólica, através do arrulho do baixo contínuo que mantém a seqüência dos atos.
O ímpeto violento do “Quoniam tu solus sanctus“ parece voltar ao princípio do Glória, sendo que a repetição textual dos primeiros compassos é apenas um modo de evitar que a obra desmorone pela reiterada quebra de tonalidade, instrumentação e estilo.
A vigorosa e controvertida entrada do “Cum sancto Spiritu“ é um exemplo perfeito da despreocupação com que os maestros utilizavam as composições de outros colegas em benefício próprio. No caso de Vivaldi, tal procedimento é realizado com tanta maestria que se deve render-lhe homenagem : o “Glória” foi adaptado de seu colega, o maestro Giovanni Maria Ruggieri.
As Quatro Estações, Opus 8
Nº 1- A Primavera em Mi, RV 269
Nº 2 – O Verão em Sol. RV 315
Nº 3 – O Outono em Fá, RV293
Nº 4 – O Inverno em Fá, RV 297
Sonata nº 3 em Lá para Cello e Piano
Concerto Grosso em Ré para dois Violinos, Cordas, Opus 3 nº 11
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Fonte: http://www.oliver.psc.br