A Técnica do Maestro II

por: Angelino Bozzini

Como funciona o código gestual do regente

Vamos analisar neste artigo alguns elementos básicos da técnica da regência. É importante frisar desde o princípio que existem diferentes “escolas” de regência, e elas chegam a postular diretrizes opostas. A única regra fundamental válida para todas é a de que o gesto, por si só, deve transmitir com clareza a ideia musical do regente.

Muitos acreditam que basta ao maestro ser um bom músico para poder reger um grupo instrumental. Essa é uma ideia totalmente equivocada. Seria como achar que um excelente violinista poderia tocar um oboé sem um trabalho técnico específico, só por ser um grande músico. Cada instrumento, seja ele um simples triângulo ou uma orquestra sinfônica, têm sua técnica específica. Ela deve aprendida para que o instrumento seja executado corretamente.

Vejamos agora as etapas do aprendizado dessa técnica.

A formação do regente

O regente deve ter, primeiramente, uma sólida formação musical. Precisa conhecer a teoria da música, a harmonia, o contraponto, as formas musicais e a história da música, além de ter um bom treinamento em percepção e solfejo.

Além dos conhecimentos da linguagem da música, é preciso dominar as características e peculiaridades sonoras de cada instrumento e também da voz humana, quando trabalhar com coros e solistas vocais. Essa base permite que, a partir da partitura, o regente possa formar uma imagem musical da obra clara e rica em sua imaginação.

A partir do momento em que essa imagem ideal da obra tenha se formado em sua mente, a técnica possibilitará que ele dê vida à sua imaginação, através da orquestra, materializando sua concepção sonora.

Vamos à prática.

Conselhos preliminares

  • Devido à limitação de espaço, este artigo não pode ser um curso sistemático de regência. Assim, vamos iniciar a parte prática com algumas premissas básicas:
  • Não faça mais gestos do que o necessário para transmitir uma ideia. Você irá confundir em vez de esclarecer;
  • Encontre o eixo vertical de seu corpo. Mantenha-o vertical e deixe seus gestos irradiarem desse centro;
  • Dê unidade aos seus movimentos. Se, ao bater um tempo, você articular batuta, pulso, cotovelo, ombro, cabeça e tronco, os músicos terão muita dificuldade em entender qual dos movimentos está indicando o tempo.
  • Não tente substituir a clareza de seus gestos pela sua expressão facial. Embora ela possa ajudar a acentuar a expressão de determinados trechos, não se rege com a face.
  • Acredite no poder expressivo dos gestos! Não tente reforçá-los com outros movimentos. Isso seria redundante e desnecessário.
  • Autoridade e humor são coisas distintas. Não tente impor sua autoridade pelo mau humor. A competência costuma levar a melhores resultados nessa área.
  • Fale o mínimo necessário. Um ensaio não é uma palestra nem uma aula expositiva. É um trabalho coletivo que tenta recriar a concepção musical de um indivíduo.
  • O ideal é reger de cor. Caso isso não seja possível, use a partitura apenas como uma referência. Seu olhar deve manter um contato direto com o dos músicos. Essa é a principal forma de manter o controle e a unidade psicológica da orquestra.
  • Cuide do seu corpo! Relaxe sua musculatura! A linguagem da regência é simbólica. Para indicar um forte, basta fazer o gesto adequado, não precisa contrair toda sua musculatura para isso. Se você estiver usando seu corpo corretamente, sentir-se-á revigorado ao final de uma apresentação ou ensaio. Caso sua sensação seja a de que um trator lhe passou por cima, pode ter certeza de que não está usando seu corpo adequadamente.
  • Seja explícito, não dê margem à comunicação equivocada. Se a telepatia é possível, ela não é um pré-requisito para um músico. Portanto, não espere que os músicos adivinhem suas ideias. Mostre-as claramente através de seus gestos!
  • Cultive sua riqueza interior. Um maestro deve ser admirado pelos músicos por sua humanidade e não somente respeitado por sua autoridade. Seu verdadeiro trabalho inclui muito além de notas afinadas e ritmos corretos.

Vejamos agora alguns detalhes técnicos.

A área de trabalho

O regente deve ter clara para si uma área no espaço onde seus gestos acontecerão. A maioria de seus movimentos acontecerá no centro dessa área. Qualquer deslocamento desse centro deverá provocar uma diferença dinâmica ou expressiva dos músicos.

Como base, você deve imaginar um “_|_” (um T invertido) cuja base estará na linha de sua cintura. Para corais, ou dependendo da colocação dos músicos no local de execução, esse plano pode ser deslocado para cima.

O gesto preparatório

Talvez seja o movimento mais importante de todos, pois deve indicar simultaneamente o tempo, a dinâmica e o caráter da música que vai se iniciar.

A velocidade do gesto indicará o tempo; o peso, a dinâmica; a forma do gesto (angular ou redondo) indicará a articulação.

O gesto preparatório determina também o local no espaço onde reside a linha de base da regência. Veja a ilustração.

Um bom local para se praticar o gesto preparatório é sobre uma mesa que tenha como altura a linha de base de sua área de regência. Seu pulso deve estar reto, ficando sua mão como uma continuação de seu braço. Ao tocar a mesa, no ponto de marcação preparatória do primeiro tempo, o gesto deve ser idêntico àquele que fazemos quando queremos verificar se um ferro de passar roupas está quente, ou àquele que fazemos com uma baqueta tocando a pele de um tambor. É um gesto elástico, que não empurra, mas sim tira energia do contato. Pratique com os dois braços juntos e depois com cada um individualmente.

A marcação do compasso

Você encontrará em vários livros antigos gráficos de marcação de compassos baseados em uma cruz. Quase todos os regentes de hoje já abandonaram esse esquema, optando pelo “T” invertido. A principal razão disso é que, ao marcar todos os tempos numa linha de base, você fica com o restante da área de regência livre para indicações expressivas.

A ilustração mostra, como exemplo, o padrão do compasso de 4 tempos em legato. Como regra: quanto mais legato o trecho musical, mais redondos devem ser os gestos; quanto mais marcato o trecho, mais angulares os gestos.

As entradas e os cortes

Embora os dois braços possam trabalhar simetricamente para reforçar a imagem dos gestos, o normal é que o braço direito indique principalmente a marcação do tempo, da dinâmica e da articulação, ficando para o esquerdo as entradas, os cortes e o fraseado.

Você deve praticar uma marcação contínua do compasso com o braço direito e, com o esquerdo, indicar entradas em cada um dos tempos. Em trechos de instrumentação mais complexa, pode-se também indicar entradas para instrumentistas individuais com a cabeça.

Na ilustração, vemos o gráfico do gesto para um corte. Ele pode ocorrer em qualquer dos tempos do compasso.

Praticando

Se você já é regente e tem um conjunto sob sua batuta, pode desenvolver mais rapidamente e ver na prática o resultado do seu estudo.

Para os que ainda estão se preparando, aconselhamos trabalhar muito a imaginação, cantando interiormente, visualizando o conjunto instrumental à sua frente. Só utilize gravações depois que tiver formado sua própria imagem sonora da obra. Do contrário, você é que será regido pelo seu aparelho de som.

Não se dê nunca por satisfeito. Procure sempre aprofundar sua concepção. Uma obra de arte é como um indivíduo que, a cada nova abordagem, pode nos revelar uma nova face antes desconhecida.

Livros

Sugerimos como um bom manual sobre regência o livro “A Arte de Reger a Orquestra”, de Hermann Scherchen. Traduzido em vários idiomas (infelizmente não ainda em português), pode ser facilmente adquirido via Internet. Existe uma tradução espanhola, mais acessível aos brasileiros, da Editorial Labor, S.A. (ISBN 84-335-7857-X)

A “Aura” sonora do regente

Finalizando, vale a pena falar de um fenômeno interessante: a “aura sonora” do regente. Ao amadurecer sua imaginação musical e aperfeiçoar sua técnica, o maestro cria no seu espírito um mundo sonoro próprio, impregnado com sua marca pessoal. Essa aura o acompanha aonde for, independente dos música que esteja regendo.

Assim, da mesma forma que um bom instrumentista tira o “seu” som, qualquer que seja o instrumento que esteja em suas mãos, o bom maestro faz o mesmo com cada orquestra que reger.


Angelino Bozzini é professor e trompista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo


Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 121