por: Graham Lawton
A História é cheia de figuras conhecidas por sua profunda amusia. Ulysses S. Grant, o 18º presidente dos Estados Unidos, tinha um “ouvido de lata” e achava a música algo muito irritante; Che Guevara é famoso por não conseguir distinguir um trecho musical de outro. Há algum tempo, este tipo de pessoa seria considerada como “incapaz de pegar um tom”; hoje elas são vistas de um modo bem mais interessante.
Com o passar de alguns anos, têm ficado claro que a incapacidade de lembrar-se de uma melodia pode, às vezes, ser causada por um problema neurológico chamado de “amusia congênita”. Esta condição neurológica rouba completamente das pessoas aquilo que normalmente é uma apreciação instintiva e espontânea da música. Não é de se estranhar que este problema tenha se tornado um tópico de pesquisa da maior relevância, na intenção de entender os mistérios de como o cérebro lida com a música.
O primeiro caso relatado de “surdez tonal” surgiu em 1878, e a literatura é cheia de contos anedóticos de pessoas que possuíam falhas de longa data relacionadas à percepção musical. Contudo, somente a partir de 2002, é que o primeiro estudo sério sobre amusia congênita foi publicado. Uma equipe liderada pela especialista da Universidade de Montreal, no Canadá, Isabelle Peretz, relatou o caso de Mônica, uma mulher em seus 40 anos que sempre foi fraca nas habilidades musicais mais básicas.
Peretz concluiu que o problema de Mônica era a deficiência em detectar diferenças de tom nas melodias que ela ouvia. Se fossem tocadas duas notas em seqüência, ela raramente conseguia dizer se a segunda era mais alta ou mais baixa que a primeira, ou se as duas estavam no mesmo tom. A maioria das pessoas consegue distinguir facilmente as pequenas diferenças entre tons – até metade de um semitom, por assim dizer – mas para os “amusicais”, mesmo um salto de oitava, o equivalente às duas primeiras notas da famosa canção “Somewhere Over the Rainbow“, pode passar despercebido. Tons e semitons são os tijolos que constroem a melodia, por isso não é de se espantar que “amusicais” achem a música uma monotonia, em vários sentidos da palavra.
Desde então, Peretz e outros pesquisadores têm relatado dúzias de casos similares. Essas pessoas possuem audição, inteligência e memória normais, mas não possuem nenhuma percepção melódica. Para eles, uma melodia é bem parecida com qualquer outra, canções já ouvidas muitas vezes são irreconhecíveis sem a letra, e dissonâncias que faria qualquer um se retorcer, não causam nenhuma reação. Os amusicais não conseguem cantar, mas raramente reconhecem isso. A “amusia” é incomum, mas não especialmente rara. A estatística mais aceita é de que ocorra em 4% da população, e é algo genético.
Mas o que causa a amusia congênita? De acordo com Peretz, a melhor explicação é a de que o cérebro é equipado com um “módulo” especial de processamento melódico, o qual ocasionalmente não se desenvolve completamente. Isso poderia explicar porque a “amusia” afeta somente a percepção musical. Se esta informação for correta, a música, assim como a linguagem, é inata, implantada de forma profunda em nossos cérebros.
Pudim auditivo?
Nem todos compartilham deste ponto de vista. Steven Pinker certa vez descreveu a musica como um “pudim auditivo” – agradável, mas sem funções adaptativas. Teorizou ainda sobre a existência de evidências que demonstram a amusia como um problema que vai além do déficit musical, relacionando-se às deficiências de linguagem e orientação espacial. Assim, talvez, a amusia (e, por extensão, a percepção musical normal) está enraizada em circuitos cerebrais que coordenam a entonação lingüística, ou que procuram os parâmetros centrais de “agudo” e “grave”, em nossas representações mentais de melodia.
A equipe de Peretz e outros pesquisadores do gênero estão agora mapeando o cérebro de pessoas amusicais em busca de anomalias anatômicas que possam levá-los a delinear o problema. Até o momento, foram encontradas diferenças de pequeno porte na espessura da massa branca, em uma parte do cérebro chamada de giro frontal inferior – uma região ligada à percepção tonal e memória melódica. Também estão à procura dos genes que fazem da amusia uma condição genética, na esperança de conseguirem novas ideias relacionadas ao desenvolvimento anormal do cérebro dos amusicais.
Outra questão chave é saber se a amusia é uma anormalidade ou um conjunto delas. Alguns amusicais gostam de ouvir música por apreciarem os ritmos, mas a equipe de Peretz descobriu que por volta de metade dos amusicais também têm problemas na percepção rítmica. Isso sugere que pode haver uma condição neurológica que acaba com a percepção rítmica, assim como faz com a melódica. Existe também o problema dos “ouvidores de ruído” – amusicais que percebem a música como se fosse uma chave de grifo batendo em um cano. “Apenas alguns amusicais ouvem somente barulhos,” diz Peretz. “Para a maioria, a música é somente algo confuso”. Este fato levou alguns pesquisadores à proposição de outro distúrbio de percepção musical, chamado de “distimbria”, a qual impede as pessoas de perceberem a “cor” da música, ou seu timbre.
Se a amusia é uma anomalia ou um conjunto delas, a esperança é que seu estudo possa beneficiar àqueles desafortunados excluídos do profundo prazer da música. Peretz julga que a intervenção no problema pode permitir lidar com a plasticidade normal do cérebro e reparar alguns dos danos. “Não há chances de ajudar os adultos,” ela diz. “Já tentamos. Mas quem sabe as crianças”.
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Fonte: Artigo original disponível on-line (como parte de um artigo maior) em Revista New Scientist, vol. 197, nr. 2644 (23 de fevereiro de 2008), p. 37
Tradução: Adrian Theodor (fev/2008).
Revisão: Levi de Paula Tavares.