Agressão Sonora

por: Fernando Torres

Basta transitar pelas ruas para ver diversas pessoas grudadas a fones de ouvido. Absortas em seu universo particular, elas podem passar horas conectadas a aparelhos de música digital, enquanto vão de um lugar para o outro ou desempenham alguma atividade. Desavisados, muitos não sabem que, dependendo da intensidade do som e do tempo de exposição, esse hábito acarreta perda de audição lenta, progressiva e quase imperceptível, mas irreversível depois de instalada.

Dependência sonora

O office-boy Gustavo Teixeira, 19, fica conectado aos fones cerca de 12 horas por dia. “Quando estou na empresa, tento controlar a intensidade do som para que as outras pessoas não escutem. Mas, na rua, ponho o volume no máximo. Outro dia, uma pessoa no ônibus até me pediu para abaixar um pouco”, admite. Gustavo já ouviu falar dos riscos à audição, mas não se imagina sem seus headphones. “Não consigo mais me mover sem os fones. Preciso estar com eles em todo lugar para onde vou.”

Não que os fones sejam proibidos. Porém, na maioria das vezes, eles são usados em altíssimos decibéis (dB) e por períodos prolongados. “O indivíduo pode se expor por quatro horas em ambientes acima de 90 dB; uma hora acima de 100 dB; 15 minutos acima de 110 dB; e sete minutos acima de 115 Db. Mais que isso é intolerável para o ouvido”, informa o otorrino Júlio Miranda, membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia. E aí está o perigo. Normalmente, a emissão sonora dos aparelhos alcança a potência de 100 dB, mas a maioria deles não apresenta a medição, nem informa ao comprador a forma correta de uso.

Trauma acústico

Outro grande problema é a proximidade da orelha média e interna. “Os fones colocam o som muito próximo do sistema auditivo, amplificando as ondas sonoras que chegam até a cóclea, órgão que processa o som dentro da orelha”, afirma o otorrino Márcio Fortini, presidente da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia (regional Minas Gerais). Os fones pequenos e anatômicos (auriculares), que se encaixam no conduto auditivo externo, proporcionam ainda mais riscos, pois aumentam a pressão e a intensidade. “Como não abafam o ruído externo, é preciso aumentar o volume para conseguir o efeito desejado no som”, diz o médico.

É exatamente o que faz o técnico em informática Robert Marques Maia, 30. Ele usa os headphones pelo menos duas horas por dia, na maioria das vezes quando está no trânsito. “Como o ambiente da rua é muito barulhento, costumo aumentar o máximo, encobrindo o som externo”, conta. A prática já dura dois anos, mas Robert não a considera um vício. “É apenas um hábito”, diz.

O uso indevido dos fones também pode causar o trauma acústico, uma lesão imediata causada pela exposição a sons de altíssima intensidade. O som alto ainda pode provocar insônia e estresse. “Existe uma ligação entre o sistema auditivo e o sistema límbico, responsável pelo controle das emoções, na qual a exposição excessiva a ruídos sonoros desencadearia esses sintomas”, explica Fortini. Por fim, há a questão da higiene do aparelho: se os headphones não estiverem limpos, podem causar infecções no canal externo da orelha (otites), principalmente se compartilhados.

Sintomas irreversíveis

Normalmente, as pessoas só percebem que estão perdendo a audição quando começam a ter dificuldades no convívio social ou profissional. Além de não conseguir entender algumas palavras dentro de limiares normais, elas passam a ouvir zumbidos e ter sensação de pressão e desconforto nas orelhas. No caso de crianças e adolescentes, há prejuízo no aprendizado. Infelizmente, esses sintomas só começam a se apresentar quando o processo de perda auditiva já está instalado.

Para o diagnóstico, é preciso se submeter ao exame de audiometria – teste realizado por um fonoaudiólogo que avalia o nível de audição. “Porém, se as células sensoriais da orelha interna, especificamente na cóclea, estiverem realmente lesadas, não existe nenhum tratamento cirúrgico ou medicamentoso para recuperar a audição perdida”, lamenta o otorrinolaringologista Cheng T-Ping, doutor pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Não dá pra marcar bobeira. Antes que isso aconteça, é fundamental prevenir os danos para a audição, utilizando os headphones de forma cuidadosa. Nesse sentido, os fones modelo “concha”, que cobrem a orelha, são teoricamente menos danosos. “Outra orientação é não escutar a música tentando abafar os sons externos. Isto é, o volume nunca deve estar no máximo”, aconselha T-Ping. Fique de olho também no tempo de uso, não mais que uma hora por dia. Lembre-se: a surdez é irreversível.

Como utilizar o fone de forma segura

  • Opte por modelos tipo “concha”, que recobrem toda a orelha
  • Nunca escute música no volume máximo. Controle-o abaixo dos 80 dB
  • Não encubra o som ambiente aumentando a intensidade da emissão do aparelho
  • Reduza o tempo de uso para no máximo uma hora diária
  • Quando estiver em casa, prefira o aparelho de som convencional

Decibéis em potencial

Poluição sonora

Não são apenas os fones de ouvido que podem causar riscos à audição. “Os ruídos das grandes cidades respondem por 30% dos casos de surdez”, informa o otorrino Júlio Miranda, membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia. Para se ter uma ideia, os beats das baladas ultrapassam 100 decibéis (dB), e o coro de buzinas do trânsito engarrafado, 105 dB. Quem passa muito tempo nesses lugares tem que se cuidar. “Procure usar abafadores de ouvido no trânsito e, se estiver em algum lugar barulhento, faça intervalos de hora em hora em ambientes mais calmos por 15 minutos”, sugere Miranda.


Ilustração: Thiago Lobo


Fonte: Revista Vida e Saúde (Casa Publicadora Brasileira – Tatuí – SP), edição de fevereiro de 2011, pp. 10-13