Uma Balbúrdia de Ruídos

por: Paul Hamel (*)

“Uma balbúrdia de barulho choca os sentidos e perverte aquilo que, se devidamente dirigido, seria uma bênção. As forças das instrumentalidades satânicas misturam-se com o alarido e barulho, para ter um carnaval, e isto é chamado de operação do Espírito Santo.” (E.G.White, Mensagens Escolhidas, vol. 2, p. 36)

Este conselho alerta os cristãos que se preocupam para os perigos que são inerentes ao uso irrefletido ou imprudente da música religiosa – perigos aos quais os Adventistas do Sétimo Dia podem não estar imunes. Poderia ser que alguns, com talentos para a liderança musical estejam tendendo nesta direção? Hoje os grupos de testemunho freqüentemente usam a música como forma primária de comunicação. Não pode haver dúvida de que coisas boas foram realizadas e que corações tem sido tocados pelo ministério de muitos desses grupos. Contudo, podemos nos perguntar se a popularidade de alguns destes grupos não estaria se apoiando mais no tipo de música empregada e no estilo no qual ela é executada do que na mensagem espiritual que eles buscam transmitir.

As manifestações físicas que Ellen White condenou como resultado da reunião campal de Muncie são, mais uma vez, parte significativa do cenário religioso contemporâneo. Muitas igrejas populares estão usando música nos estilos jazz e rock em seus cultos. De maneira a avaliar a influência deste tipo de serviço religioso, assisti a alguns desses cultos. Nestes, a música é central e ela quase, se não completamente, exclui tudo mais. Em sua persistência, sua batida rítmica, seu som altamente amplificado, a música domina e controla quase absolutamente. Normalmente não demora, muito depois que a música começa, até que comece o bater de palmas ao ritmo da música. Logo os pés estão respondendo e em pouco tempo todo o corpo parece ser afetado pelo estímulo musical. Tenho visto “adoradores” caírem ao chão de suas igrejas, rolando, se debatendo e gritando. E, supostamente, a música está sendo executada para a glória de Deus!

Com relação a um equilíbrio e uma abordagem apropriada da música para o evangelismo, a Sra. White escreveu:

“O Senhor deseja manter em Seu serviço ordem e disciplina, não agitação e confusão. Não somos agora capazes de descrever acuradamente as cenas a serem representadas em nosso mundo no futuro; isto, porém, sabemos: que este é um tempo em que precisamos velar em oração; pois o grande dia do Senhor está às portas. Satanás está arregimentando suas forças. Necessitamos ser refletidos e guardar silêncio, e contemplar as verdades da revelação. A agitação não é favorável ao crescimento na graça, à genuína pureza e santificação do Espírito…

Deus chama Seu povo a andar com sobriedade e santa coerência. Eles devem ser muito cuidadosos de não representar mal e nem desonrar as santas doutrinas da verdade mediante estranhas exibições, por confusão e tumulto. Por essas coisas os incrédulos são levados a pensar que os adventistas do sétimo dia são um bando de fanáticos. Cria-se assim preconceito que impede almas de receber a mensagem para este tempo. Quando os crentes falam a verdade tal como é em Jesus, revelam uma calma santa e judiciosa, não uma tempestade de confusão.” (1)

A reunião campal de Muncie não foi um encontro insignificante de adventistas. De acordo com um repórter do jornal Muncie Daily Herald, de 13 de setembro de 1900, havia um total estimado de 3.500 pessoas presentes em uma das reuniões. As acomodações foram planejadas em grande escala, com uma capacidade para 1.500 pessoas assentadas em uma grande tenda e um espaço atrás do púlpito para um coro de 225 vozes. Mas tarde, nesta semana, o jornal Muncie Daily Star relatou que o uso de instrumentos de sopro, cordas e percussão nas reuniões havia causado preocupação e dissensão entre alguns dos que estavam na audiência. O relato acrescentou que o presidente da Conferência de Indiana defendeu o uso desses instrumentos, afirmando que apenas instrumentos citados na Bíblia estavam sendo usados na reunião campal. Deve ser notado, contudo, que muitas das críticas tinha a ver não com o tipo de instrumentos musicais utilizados, mas com a forma com que foram tocados durante os cânticos.

Uma comparação dos relatos da reunião campal de Muncie com relatos que falam de manifestações físicas histéricas em algumas das reuniões campais de outras denominações, confirma que existiram muitas semelhanças. Ellen White havia sido advertida pelo Senhor sobre a iminência destas ocorrências, e ela aconselhou contra seguirmos a maneira de outras denominações conduzirem seus cultos. Contudo, em seu zelo para serem bem sucedidos, os líderes da reunião campal de Muncie escolheram fazer uso de música vocal e instrumental extrema. Ao fazer isto, eles seguiram as práticas de outros grupos, os quais haviam sido, há tempos, desacreditados por observadores racionais. Como resultado, as igrejas em Indiana foram divididas. Embora, como Haskell observou, muitos novos membros estivessem “sendo acrescentados às igrejas”, a Sra. White desaprovou veementemente os esforços evangelísticos que envolvessem saltos, dança e gritos. Seu conselho não era favorável ao zelo extraordinário e ao emocionalismo que parecia estar ganhando proeminência nas fileiras dos adventistas. “Sua religião parece ser mais da natureza de um estimulante do que uma permanente fé em Cristo. Os verdadeiros pastores conhecem o valor da obra interior do Espírito Santo sobre o coração humano. Satisfazem-se com a simplicidade nos cultos. Em vez de dar valor ao canto popular, volvem sua atenção principalmente para o estudo da Palavra, e dão de coração louvor a Deus.” (2)

Quando Ellen White estava escrevendo os cinco panfletos que hoje formam o volume quatro do Testemunhos Para a Igreja, uma de suas grandes preocupações era com relação à experiência espiritual dos líderes e dos membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Suas aspirações para a igreja são resumidas pelos Depositários do Ellen G. White Estate na introdução daquele volume: “A igreja deve ser mantida pura, seus padrões altos, seus membros ativos no serviço e desfrutando uma experiência pessoal diária nas coisas de Deus” (3). Foi neste contexto que ela escreveu: “Há mais reuniões para cânticos do que para oração entre o nosso povo” (4). Ela prossegue explicando que as sessões de canto podem ser dirigidas de forma apropriada, mas freqüentemente há gesticulações, conversações frívolas e fofocas. O conselho de Ellen White não se opões ao uso da música. Ela buscava apenas que fosse utilizada de forma prudente e com o equilíbrio apropriado. Vez após vez ela advertiu que a música fosse usada para ajudar a ajuntar almas para Cristo, para a leitura da Bíblia, oração e a música tocará o coração dos descrentes.


Notas:

(1) Mensagens Escolhidas, vol. 2, pp. 35-36.
(2) Evangelismo, p. 502
(3) Testemunhos Para a Igreja, vol. 4, p. 7
(4) Testemunhos Para a Igreja, vol. 4, p. 73


(*) Extraído da obra “Ellen White and Music – Background and Principles” (Ellen White e Música – Contexto e Princípios), publicado pela Review and Herald, em 1976, onde são profundamente examinadas as declarações da Sra. White sobre a música, contextualizando-as e explicando-as. O capítulo 3 deste livro chama-se “A Bedlam of Noise” (Uma Balbúrdia de Ruídos), onde é analisada a declaração existente no livro Mensagens Escolhidas, vol. 2, a partir da página 36.

Paul Hamel é ex-diretor do Departamento de Música da Universidade Andrews (voltar)

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Junho de 2009