Música na IASD: Questão de Gosto?

por: Fábio Henrique Trovon de Carvalho

Acompanhando os diversos pontos de vista colocados sobre o tema, tenho observado que a questão da Música na IASD tem propiciado um terreno fértil para a propagação de inúmeras opiniões. O que se observa, na prática, é que, APARENTEMENTE, não há um “consenso”, uma “Filosofia” por parte da Igreja sobre tão “controverso” tema.

Atrevo-me a dizer que esta questão – Música na Igreja, ou melhor, Música no Serviço de Adoração – é uma das mais divisivas questões que a IASD tem enfrentado nos últimos tempos. Diante desse fato, minha conclusão é tão obvia quanto a do profeta Oséias: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” – Oséias 4:6

Pouquíssimas pessoas sabem (eu uso o superlativo aqui sem medo de errar) que existe uma “Filosofia de Música para a Igreja Adventista do Sétimo Dia“, votada pela Conferência Geral em 1972, que define diretrizes claras sobre música, tanto na Igreja quanto em qualquer outro serviço de adoração (escola, lar, evangelismo, evangelismo jovem, etc.). Diretrizes essas ancoradas na Bíblia, Espírito de Profecia e Manual da Igreja.

Pior que estar perdido no deserto

Se depositamos nossa irrestrita confiança nas Sagradas Escrituras e na inspiração profética, por que tantas pessoas, por ignorância ou teimosia, se empenham para produzir músicas com elementos tão contrários aos estabelecidos oficialmente pela Igreja?

Certa vez tive a oportunidade de participar de uma convenção de vendas em minha empresa onde, entre outros palestrantes convidados, estavam presentes André Azevedo e Klever Kolberg, brasileiros que competem e jávencerem o rally mais famoso do mundo: Paris-Dakar. Entre as inúmeras comparações dos desafios do rally com a realidade das empresas, uma colocação me chamou muito a atenção.

O maior drama enfrentado por um piloto no deserto é desviar-se da rota, ficar perdido. Se isso ocorre, o sucesso no rally pode estar comprometido, pois perde-se tempo, gasta-se combustível em excesso e, pior, consome-se mais água que o necessário.

Ao final de vários relatos de situações desse tipo, houve uma pausa solene e, após, eles concluíram: “Perder-se no deserto é o pior dos mundos. Mas existe uma coisa que é ainda pior.” Nesse momento a platéia ficou paralisada, tentando imaginar o que poderia ser pior. E eles concluíram: “Pior que estar perdido no deserto é estar de fato perdido SEM SABER QUE ESTÁ PERDIDO!” As aplicações são óbvias para o tema Música na Igreja.

Religião de fachada

Também não posso deixar de mencionar as importantes revelações e orientações das lições da Escola Sabatina sobre o livro de Amós. Nos tempos do profeta, Israel passava por um período de grande prosperidade: econômica, política e militar, comparadas somente ao período de Davi e Salomão. Com isso, as pessoas viviam no luxo e eram indolentes. Imoralidade, sincretismo religioso, negócios fraudulentos, injustiças, exploração dos pobres e necessitados, etc, compunham o dia-a-dia dos israelitas.

Viviam uma religião de fachada, apesar de oferecerem abundância de sacrifícios e ofertas (traziam o dízimo a cada 3 dias! – Amós 4:4). Apesar de todos esses erros, estavam tão cegos e com a mente tão embotada, que: (1) acreditavam que nenhum mal os atingiria e (2) acreditavam que um futuro ainda mais glorioso e brilhante os aguardava.

Pobre nação israelita! O que Deus esperava de Seu povo escolhido? “Visto que tudo será assim desfeito, que tipo de pessoas é necessário que vocês sejam? Vivam de maneira santa e piedosa, esperando o dia do Senhor e apressando a Sua vinda. – II Pedro 3:11 e 12.

É exatamente isso que Deus espera: uma vida santa. Não apenas em alguns aspectos, mas em TODAS as áreas de nossa vida. E isso inclui, certamente, o tipo de música que ouvimos e produzimos.

Em minha opinião, o texto de II Pedro toca no ponto chave, no cerne da questão sobre música. Para que possamos começar a entender qual o estilo musical adequado ao um serviço de adoração que seja plenamente aceitável a Deus, precisamos de forma clara identificar: o que é SANTO e o que não é. O que é SAGRADO e o que é PROFANO.

Nunca rebaixar o nível

Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde a distinção entre sacro e profano tem gradualmente sido diminuída, a ponto de quase extinguir-se. Da mesma forma como para o povo israelita, o sagrado lugar de adoração tornou-se para muitos um lugar de entretenimento secular.

A perda do discernimento entre o sacro e o profano abre uma brecha enorme para a introdução e aceitação de tendências musicais questionáveis no sagrado serviço de adoração, seja na Igreja, nos aniversários de colégios, Casa Aberta ou qualquer outro lugar. A música oferecida a Deus, nos serviços de adoração, deve elevar-nos a Ele de tal forma que possamos nos maravilhar com os lampejos de Sua Santidade e Majestade. Deve criar em nós, tanto executantes quanto ouvintes, o desejo de nos tornar como Ele, ao invés de rebaixa-Lo até nós para que possamos nos divertir com Ele.

“Nunca devemos rebaixar o nível da verdade, a fim de obter conversos, mas precisamos procurar elevar o pecador e corrupto à alta norma da lei de Deus – Evangelismo, 137.

Jesus ou Michael Jackson?

Com isso em mente, podemos explorar um pouco os questionamentos a respeito de “gosto musical”. Muitos afirmam que este ou aquele estilo musical é mais apropriado a este ou aquele grupo de pessoas da Igreja: jovens e idosos, liberais e conservadores. Mas, em questões que envolvem Princípios e Doutrinas, não existe “gosto”, “consenso”, “meio termo” ou “equilíbrio”.

Não se trata de ser “conservador” ou “liberal”, pois gosto é subjetivo, e depende da experiência intelectual, social e religiosa de cada um. Os princípios divinos não são subjetivos, não são adaptáveis a este ou aquele gosto e não possuem “escalas” de certo e errado – ou é ou não é adequado, 99% salvo é igual a 100 % perdido. É só observarmos a experiência de Cristo no Calvário: Deus não diminuiu a gravidade do pecado, nem removeu seus efeitos. Porém, Deus somente Se revela de forma objetiva, real e vibrante se a nossa tentativa de aproximação for de natureza afetiva, através de um relacionamento de amor.

Abordagens de natureza intelectual, filosófica, mística, cientifica, etc., não levam ao conhecimento do “Deus Verdadeiro”. A falta de discernimento de alguns que baseiam suas decisões no gosto pessoal ou de determinados grupos, tem levado muitos, principalmente jovens, a receber a mensagem do Evangelho de forma distorcida, “fazendo-os aceitar um Cristo que é mais parecido com Michael Jackson que com Jesus de Nazaré”. Portanto, a classificação baseada no gosto não é o caminho mais seguro.

Elementos seculares no serviço de adoração

Outra questão colocada por muitos é a necessidade de “evolução” da música na Igreja. Isso sempre foi feito ao longo dos tempos através da apropriação de elementos seculares ou folclóricos nas composições utilizadas pela Igreja. Citam autores como Lutero, Wesley e outros. Porém, estes esquecem-se que uma análise cuidadosa da história e das condições sociais e religiosas devem ser consideradas para a abordagem da questão.

Para citar somente 2 exemplos: (1) João Wesley acreditava que os hinos deveriam ser acessíveis, de forma que todos pudessem participar. Com isso em mente, utilizou melodias populares, utilizando várias fontes. (2) Contra o estilo formalista de culto da Igreja de seu tempo, Lutero utilizou melodias e ritmos familiares ao povo para seus corais, pois estava convicto de que eram necessários hinos mais próximos ao povo.

Com esses exemplos, surge a questão: como utilizar elementos seculares em nosso serviço de adoração? Para responder, devemos comparar a situação atual com a história passada. É fato que a situação atual apresenta “elementos específicos que tornam o processo de mudança muito mais complexo e delicado”, pois:

(1) “Nos tempos históricos, a introdução de música secular foi proposta e monitorada por teólogos, e realizada por profissionais do ramo… Alguns pais da Igreja eram treinados na música, e o mesmo era verdade em relação a Lutero, que trabalhava intimamente com eminentes compositores, como Johann Walter. Esses músicos eram especialistas tanto na música secular como na música sacra, e sabiam como manipular a linguagem para qualquer um dos dois modelos.”

(2) “As mudanças têm transformado o mundo moderno com respeito à sua compreensão do sagrado e secular. Aqui reside a principal dificuldade para adoção de elementos seculares no louvor. A sociedade atual é caracterizada por uma grande rachadura entre o sagrado e secular. A vida diária não é mais permeada pelo sagrado; já não existem leis, nem diretrizes.”

Portanto, concluímos que, nos tempos atuais, há necessidade de maior controle, monitoração e, principalmente, discernimento que nos dias de Lutero e Wesley. A educação musical é muito mais necessária hoje.

Como definir Música Sacra

Qual é o caminho então? Se o nosso serviço de adoração é dirigido a um Deus Santo, a única música aceitável a esse serviço deve ser de caráter Santo, Sacro. O que é Música Santa, Sacra? Para entendermos, precisamos examinar o que é música.

A definição mais simples e objetiva de música que conheço é: “Música é a expressão de sentimentos através de sons.” Com isso em mente, pode-se observar que a Música Sacra, Santa, de Louvor, transcende a própria definição de música, “pois não somente expressa, mas eleva, inspira, transforma a alma das pessoas”.

Por que a Música realmente Sacra possui esse diferencial de todos os demais estilos musicais? “Pois origina-se em Deus, ao inspirar um instrumento humano, destinado a trazer benefícios espirituais ao próprio indivíduo bem como aos seus semelhantes, e refletir-se novamente a Deus”.

Portanto, não fica difícil concluir que “Música vocal sacra é aquela que une palavras sagradas com música sagrada inspirada por Deus”. Quando pessoas afirmam que a música é somente o “invólucro”, o “embrulho do presente” (são as palavras usadas), é lamentável verificar que, com raras exceções, o impacto da maioria das produções musicais atuais é primeiramente pelo som e ritmo, e não pelas palavras, que são geralmente enterradas por uma avalanche de amplificação sonora.

“Vi que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também. Deus não Se agrada de algaravia e dissonância. O correto é sempre mais agradável a Ele que o errado. E quanto mais perto o povo de Deus se puder aproximar do canto correto, harmonioso, tanto mais é Ele glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos favoravelmente impressionados” – Evangelismo, pg 508.

Música inapropriada, engano satânico

Finalizando, gostaria que refletíssemos sobre a resposta divina aos extraordinários enganos satânicos que varrem o mundo justamente antes do retorno de Cristo – as 3 Mensagens Angélicas de Apocalipse 14.

O objetivo destas mensagens é DESPERTAR e ADVERTIR: despertar-nos para a verdadeira adoração a Deus e advertir-nos contra o engano e a fraude da falsa adoração. Satanás está sendo bem sucedido hoje em promover a falsa adoração, não somente através do dia errado de repouso, mas também através de música inapropriada para o serviço de adoração a Deus.

Para ele, pode não fazer a menor diferença se estamos adorando no dia certo ou errado, desde que estejamos adorando da FORMA errada ou pelas RAZÕES erradas.

Voltando ao texto inicial das nossas considerações: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento” – Oséias 4:6.

Por que faltava conhecimento, entendimento e compreensão para o povo? Porque Deus não esclareceu o suficiente estas questões? Eram “pontos cinzentos” de doutrina como afirmam alguns? Não havia revelação direta sobre estes assuntos? Certamente que não, pois “…o Senhor Deus não fará coisa alguma, sem primeiro revelar o Seu segredo aos Seus servos, os profetas – Amós 3:7” e “que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam… – Isaías 46:10”.

O conhecimento era deficiente não porque Deus não houvesse esclarecido, mas porque o povo NÃO TEVE DISPOSIÇÃO para ACEITAR A REVELAÇÃO. De tanto rejeitar a luz divina, o conhecimento se perdeu e o discernimento deixou de existir.

Qual é a nossa disposição individual, como cristãos que aguardam o resplandecente Dia do Senhor na segunda vinda de Cristo a esta terra? Uma vez que a revelação divina está ao alcance de cada um – “Filosofia de Música para a Igreja Adventista do Sétimo Dia – Ação Oficial do Conselho de Outono do Comitê da Conferência Geral, 14 a 29 de Outubro de 1972, Cidade do México, México” – alegar ignorância é “estar perdido sem saber que está perdido”. Neste caso, não restará a Deus outra opção a não ser declarar:

“Ai de vós que desejais o Dia do Senhor! Para que desejais vós o Dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz. – Amós 5:18”

“Pois dizeis: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu. – Apocalipse 3:17”

Que Deus nos conceda a disposição necessária para andarmos em Seus caminhos e vivermos uma vida SANTA, ainda neste mundo.


Bibliografia:

[1] Bacchiocchi, S. – “The Problem of Worship Style” e “Christian Rock Music in the SDA Church”
[2] Araújo, D. P. – “Música, Adventismo e Eternidade”
[3] Doukhan, L. – “Mudanças na Música Sacra”
[4] Arado D. e Arado L. – “Curso de Regência”
[5] Costa, C. A. – “Como Afinal Será o Fim?”