por: Damy Ferreira
Introdução
Tem se tornado bastante comum os jornais publicarem notícias sobre barulho das igrejas evangélicas com seus instrumentos e com suas reuniões de louvor. Em 11 de abril de 1992, o jornal: O Globo, publicou notícia sobre o assunto, com a seguinte manchete: “Bailes funk e cultos evangélicos: campeões do barulho na cidade”.
Na referida reportagem, comentava-se que o limite legal para barulho público é de 55 decibéis. Na época, construía-se o elevado denominado: linha vermelha no Rio (a via expressa para o Aeroporto Internacional, na Ilha do Governador), cujo barulho de construção era de 60 decibéis. Os repórteres mediram, na época, o barulho de certa igreja evangélica e constataram que chegava à casa dos 80 decibéis!
À esta altura seria bom perguntar: como Deus vê esta questão do barulho na Sua casa?
Naturalmente, a Bíblia não emprega terminologia de ecologia, mas ela tem algo a nos ensinar. Em I Reis 6.7, lemos: “E edificava-se a casa com pedras lavradas na pedreira; de maneira que nem martelo, nem machado, nem qualquer outro instrumento de ferro se ouviu na casa enquanto estava sendo edificada”. Isto refere-se à construção do templo de Salomão, a Casa de Deus. Nota-se que o expediente de preparar as pedras fora do templo era para não fazer nenhum barulho na Casa de Deus.
Uma outra passagem bem mais antiga, encontra-se em Deuteronômio 27.5-6, que diz: “Também ali edificarás um altar ao Senhor teu Deus, um altar de pedras; não alçarás ferramenta sobre elas. De pedras brutas edificarás o altar do Senhor teu Deus, e sobre ele oferecerás holocaustos ao Senhor teu Deus”. Aqui vem, outra vez, a recomendação de não alçar, isto é, de não levantar ferramenta de ferro para lavrar as pedras. Elas deveriam ser pedras brutas para que não houvesse barulho de ferramentas no local de culto.
É evidente que algum barulho deveria haver na casa de Deus, uma vez que toda a liturgia do Velho Testamento constava de cantores especiais e de instrumentos musicais. Mas devemos considerar o seguinte sobre este assunto:
Primeiro, a voz humana não atinge volume insuportável ao ouvido humano, a menos que seja amplificada por sistema eletrônico.
Segundo, os instrumentos musicais daquele tempo não eram eletrônicos e, como se tratava de gente especialista, como depreende de estudo de textos bíblicos, jamais os instrumentos seriam executados em volume maior do que a voz dos cantores. Percebe-se que o culto no templo de Salomão era muito agradável e dosado com muita beleza artística, o que fazia muito bem ao ouvido humano. Eis porque o Salmo 81.2 fala de harpa suave.E em II Samuel 23.1, lemos que Davi era suave em Salmos. Isto mostra que as músicas eram de efeito agradável e não estridentes e agressivas ao ouvido, como acontece hoje.
Um episódio bíblico muito interessante sobre barulho está no encontro do profeta Elias com Deus no Monte Horebe. O texto está registrado em I Reis 19.8 e seguintes. Diz a narrativa que Deus passava e após Ele, um grande e forte vento, um terremoto, um fogo, mas Deus não estava em nenhum desses acontecimentos. E depois de tudo isso, uma voz mansa e delicada. Deus estava, portanto, num ambiente manso e delicado.
É verdade que há pelo menos duas passagens bíblicas que registram um ambiente barulhento. A primeira, quando Deus se manifestou ao povo de Israel, no deserto, ao redor do Monte Sinai. Deus precisava manifestar o Seu poder ao povo e, principalmente por causa da multidão que ali estava, houve algum barulho – e barulho de Deus e não de seres humanos (Êxodo 19). No entanto, para fins de meio ambiente, não havia nenhum problema, uma vez que não havia habitantes por perto, que pudessem ser perturbados com o barulho de Deus. Ademais, era um ambiente aberto e o barulho se dispersava e não atingia perigosamente o povo. Finalmente, o barulho se irradiava de um ponto bem distante da localização do povo.
Uma segunda passagem que talvez possa ser entendida como de barulho – e dessa vez, barulho humano, do povo – está em Esdras 3.12-13. Na volta do cativeiro, quando foram postos os fundamentos do templo, o povo chorava e se alegrava ao mesmo tempo. O final do verso 13, diz: “… porque o povo jubilava com tão grande júbilo que as vozes se ouviam de mui longe”. Bem, havia razão para o barulho. No entanto, não era um barulho amplificado e o povo estava em ambiente aberto e, ainda mais, era uma situação ocasional apenas e não uma regra para culto.
Este é o lado de Deus, no tocante ao barulho e ao meio ambiente do culto e do louvor. Mas há o lado humano, que merece, também, algum comentário. Quanto ao uso de instrumentos eletrônicos dentro da Casa de Deus, tenho tido experiências desagradáveis com igrejas que, com ambiente pequeno e apertado, e com instrumentos ligados a todo volume, acabam prejudicando os vizinhos e a própria assistência.
Há algum tempo, fui convidado para uma série de conferências evangelísticas em certa igreja. Para abrilhantar a programação do louvor, a Igreja convidou um desses conjuntos profissionais, com um caminhão de instrumentos. Eles ligaram seus instrumentos a toda altura, muito tempo antes do culto. Um vizinho da Igreja, sentindo-se prejudicado, sem poder assistir seus programas de TV, trouxe sua aparelhagem de som para a frente da casa e também ligou-a a todo volume. Naquele dia, quando cheguei para a mensagem, presenciei, à entrada do templo, uma verdadeira guerra de som. O barulho da Igreja era insuportável e a vizinhança estava toda agitada lá fora. Confesso que tive vontade de voltar para casa e não pregar. Mas tinha que honrar meu compromisso.
A coisa fica ainda mais séria e agressiva, quando a igreja resolve pôr um alto-falante em cima do templo e transmite seu louvor para quem quer e para quem não quer ouvir. Isso pode parecer uma coisa maravilhosa, mas no fundo, é totalmente prejudicial. Os cristãos primitivos não dispunham de nada disso, e nenhuma geração produziu mais para o Reino de Deus do que aquela. Diz a Bíblia que: “todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de anunciar a Jesus” (Atos 2.47b).
Aliás, é curioso notar que nem mesmo instrumentos musicais eram usados pelos cristãos dos primeiros séculos. Hustad, autor muito respeitado aqui nos Estados Unidos, informa: “Os pais da igreja primitiva entenderam que nenhum instrumento era usado pelos cristãos do primeiro século, e eles deduziram que isso era um padrão do Novo Testamento. Diz-se que Clemente de Alexandria (150-220 A.D.) “tolerou a lyra e a cítara por causa do Rei Davi que supostamente os havia usado… (mas) desaprovou a maioria dos instrumentos”. “Eusébio”, continua Hustad, “declarou: “Nós cantamos o louvor de Deus com saltério vivo… Porque mais agradável e caro a Deus do que qualquer instrumento é a harmonia da totalidade do povo cristão… Nossa cítara é a totalidade do corpo, por cujo movimento e ação a alma canta hinos adequados a Deus, e nosso saltério de dez cordas é a veneração do Espírito Santo pelos cinco sentidos do corpo e as cinco virtudes do espírito”
Mais à frente, informa-nos o mesmo autor: ” Agostinho costumava dizer: “Nem devemos ficar atrás do significado místico do tamborim e do saltério. No tamborim o coro é esticado, no saltério a tripa é esticada; em um e outro a carne é crucificada”. (Jubilate! Church Music in the Evangelical Tradition – Donald P. Hustad. Illinois: Hope Publishing Company, 1981, p. 42).
Quero ressalvar que, citando estas referências históricas, não estou querendo dizer que não devemos usar instrumentos no culto, nem que não devemos usar instrumentos eletrônicos. O que estou querendo dizer é que, se nosso louvor não for agradável ao ouvido humano, jamais cairemos na graça de todo o povo, como os cristãos primitivos, e, ainda, não sei se seremos aceitos diante de Deus.
Um outro aspecto deste lado humano do barulho no louvor é o prejuízo que ele causa aos ouvidos da nossa gente, principalmente das crianças e da juventude. Acostumando-se a sons muito altos, o ouvido humano passa a querer sons cada vez mais altos. E isto está pondo a nossa gente surda. Lembro-me de dois criadores de pássaros que estavam conversando sobre curió. Um deles estava procurando um curió que tivesse sido criado na beira de uma grande cachoeira. Procurei saber a razão. A resposta prática veio logo: vivendo perto da cachoeira, o pássaro sempre aprende a cantar mais alto. O barulho o força a fazê-lo. Só que o curió não tem sua voz amplificada e, mesmo que cante alto, não nos prejudica.Tudo isso me faz lembrar daquele magistral pronunciamento de Jesus no sermão do monte, por sinal, um lugar calmo e tranqüilo, quando disse: “Vós sois o sal da terra…vós sois a luz do mundo… assim resplandeça a vossa
luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus (Mateus 5.13-16). E, como sabemos, uma das utilidades do sal é temperar. Temos, portanto, que temperar este nosso mundo barulhento, para que ele possa ouvir melhor a voz de Deus.
Fonte: Publicado originalmente em http://memorial.locaweb.com.br/louvor.htm