A Verdade Está Acima da Contingência

por: Adrian Theodor

I Tessalonicenses 5:14Exortamo-vos também, irmãos, a que admoesteis os insubordinados, consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos (pacientes) para com todos.

Provérbios 16:32Melhor é o longânimo do que o valente; e o que domina o seu espírito do que o que toma uma cidade.

Tenho um amigo que sempre me diz: Adrian, não se vitime pelas contingências!

Como agnóstico, meu amigo não costuma dar conselhos nos campos espiritual ou metafísico. Todavia, a mesma advertência vale a nós, cristãos e adoradores. Poderíamos refletir amplamente sobre o problema da contingência na vida do cristão. Leríamos o salmo 20 ou o 141 e levantaríamos pontos centrais sobre a confiança no poder de Deus. Todavia cumpre agora compreender contingências relacionadas à música, que talvez constitua apenas um aspecto particular de contingências gerais.

O que é isso de contingência? Mais: O que é isso de razão X emoção em um culto? E o qual a relação entre razão, emoção e essa tal de contingência?

Por definição, contingência é o incerto, é aquilo que pode ou não acontecer, é momentâneo, é algo que está a sua frente por força única e exclusiva das circunstâncias. É, portanto, algo que não pertence a você, e que pode ou não estar sob seu domínio. Contingência é sempre algo externo.

Se, como tentamos definir, a contingência pode não ser dominada pelo homem, ela é, por definição (mais uma vez) “irracional”. Por que? Algo é racional quando fruto do raciocínio, do pensamento, da mente humana. Se a contingência é externa ao ser humano e não depende dele, também não sai de sua mente, não é “pensada”; é um acontecimento, uma casualidade, um acidente.

Talvez eu não tenha sido suficientemente claro, então vou usar o artifício mais simples e também o mais arriscado, a exemplificação: “Seu carro quebra no meio de uma grande estrada deserta (em uma daquelas madrugadas frias e arrepiantes)”; ou “Você está preparando suco para dezenas de visitas inesperadas e seu liquidificador quebra”. Eis a contingência. E tanto a emoção quanto a razão têm papeis nas situações apresentadas. A emoção vai variar de acordo com as características de cada indivíduo. A razão, infelizmente, costuma ser uma conseqüência de como nossas emoções se manifestam.

Um tipo colérico começaria a dar chutes no carro, bateria com as mãos no volante, abriria o capô para ver o motor aos berros; provavelmente até blasfemaria contra Deus e o mundo! Um melancólico talvez se faria de vítima e perguntaria: por que comigo? por que agora? por que aqui? E agora? Droga, sou um perdido mesmo! Com quase certeza, ficaria a questionar a Deus e ao mundo sobre seus “porquês”. Entre tantas outras possibilidades, teríamos também o tipo paciente, que procuraria abrir o motor, investigaria o problema e tomaria atitudes com precisão e cautela. Arquitetaria, portanto, a resolução da questão antes de envolver Deus e o mundo em seu problema.

Como argumentamos, a contingência, em si, não é racional, pois é externa ao ser humano. Porém o exemplo acima mostra que uma contingência, mesmo que irracional, pode ser trabalhada de modo racional, através da reação humana ao acidente.

Qual desses exemplos, então, trabalhou a contingência usando a razão? Sei que muitos de vocês me responderiam: “-É claro que foi o terceiro cara! Ele procurou soluções e não ficou blasfemando ou questionando a Deus”. E eu concordaria com a resposta, mas acrescentaria: “-Você está correto, mas incompleto. Todos os exemplos citados usaram a razão!” Sim, todos os exemplos citados usaram a razão para resolver a contingência. Todavia a razão do primeiro (o colérico) estava limitada por sua emoção raivosa e impertinente. A razão do segundo (o melancólico, dentre os quais me encaixo muito bem) ficou limitada por sua emoção chorosa e cheia de manias de perseguição. O terceiro, entretanto, respirou fundo, disse a si mesmo que aquilo se tratava de uma contingência da vida, não tomou nenhuma atitude precipitada e foi direto às possíveis causas de seu problema.

O colérico (estou pressupondo que todos os exemplos são cristãos) deve ter feito sua oração depois de muitos chutes, depois de muito fuçar o carro e não conseguir achar nada por estar cego de raiva, enfim, deve ter orado a Deus até pedindo perdão por ter blasfemado contra Ele! O melancólico deve ter feito sua oração antes mesmo de sair do carro, choroso, pedindo a Deus por algum milagre, por atenção, por misericórdia, enfim, tamanho era o seu espírito de “queixume” que sua oração deve ter saído antes mesmo de saber qual o tamanho do problema. O paciente também orou antes de sair do carro, mas com os dizeres: “Pai, abre meu entendimento, está escuro, está frio, e estou em lugar ermo, preciso de Ti para resolver essa contingência! Sei que se Tu quiseres, pode me ajudar!”.

Percebem a diferença? Todos usaram a razão, todavia depois de terem já abusado da emoção (com uma exceção para o nosso terceiro exemplo)! E a emoção só pode ter lugar em nossa vida cristã quando não embota a razão, ou a conseqüência pode ser desastrosa! Já imaginaram, por exemplo, se ao ouvir uma pergunta “cabeluda” sobre sexo, de um jovem adolescente, o ancião responde com um severo: “-Você está louco menino? Lave a boca antes de falar dessas coisas na casa do Senhor!” Além de levar a dúvida para casa, o menino poderá também carregar uma irreversível aversão sobre a sexualidade, ou mesmo uma indelével má impressão sobre a liderança da igreja. Ao agir sob o domínio da emoção, poderemos até ser bem sucedidos (se tivermos a sorte de ter um espírito manso), mas coitados de nós se agirmos de forma irritadiça ou chorosa ou egocêntrica ou histérica ou… A diferença está em respirar fundo, crer em Deus e sair em busca da solução! Ou seja, a diferença está em pedir auxílio a Deus para o nosso intelecto embotado pelo pecado (porque o pecado, amigo, não é mera contingência. Está em nós, faz parte de nós; e Deus é o único que pode remove-lo, se assim permitirmos).

Mas qual a relação de tudo isso que foi dito com adoração e música na igreja? Há, pelo menos, duas aplicações possíveis. A primeira, mais óbvia, é um cuidado que deve ser tomado por cada um de nós. Quando o estilo musical adotado em nossa congregação não for do nosso agrado, não sejamos como o ancião citado acima. Porém pacientes e serenos na conversa com o responsável pela música. É do debate que podemos tirar elementos positivos para o enriquecimento de nossa comunidade religiosa, não das discussões inescrupulosas. Não sejamos ainda como “profetas chorões”, a tão-somente lamentar por toda e qualquer música que não foi adequada ao nosso gosto, mas que, mesmo assim, adentrou os portais sagrados. Entretanto pacientes e serenos na conversa com o responsável pela música. É do debate que podemos tirar elementos positivos para o enriquecimento de nossa comunidade religiosa, não das exaltações de nossas fraquezas pessoais.

A segunda possibilidade de aplicação está justamente no tipo de música que escolheremos para a adoração de nossa igreja. O colérico, além de impor sua vontade com ímpeto e agudeza de espírito, irá preferir uma música vibrante, eletrizante e intensa, para fazer fluir sua “cólera” através dos pulsos e impulsos dos sons! O melancólico, além de “choramingar” lamentos por não conseguir defender seu ponto de vista teológico, irá optar por uma música bem lenta, bem mole, bem fraquinha, bem melodiosa, para poder chorar em seu canto e fazer fluir suas necessidades de desabafo.

E onde estaria o famoso terceiro exemplo? Iria, nas duas aplicações possíveis, respirar fundo e, provavelmente, dizer: “- Espere! Deus, abre meu entendimento, está escuro, frio e estou cercado de pessoas. Preciso de Ti para saber como adorá-lO, preciso de Ti para conversar com as lideranças, preciso de Ti para me capacitar a dialogar também com os irmãos de minha igreja. Preciso de Ti para resolver essa contingência da música! Vou abrir a Tua Palavra Sagrada e sei que, se Tu quiseres, poderás me ajudar!”

Percebem? Os dois primeiros, mais uma vez, acabam agindo de acordo com suas emoções primárias, sem querer saber muito da vontade de Deus. Na verdade, nem pensam que isso é necessário, acabam por utilizar uma música sem mesmo pensar que Deus pode ou não se agradar dela, e não fazem isso por maldade. Como estão agindo de acordo com suas emoções, é para alimentá-las que escolhem a música! O terceiro colega também tem suas emoções! Pode até ser colérico ou melancólico como os outros dois – não me importo nem um pouco com essas nomenclaturas – mas sabe que a igreja não é lugar para fixar atenção no homem, e resolve orar! Resolve deixar um pouco de lado suas emoções e decide orar pedindo auxílio! Ele não deixa de se importar com suas próprias emoções, ou com as emoções de seus irmãos de fé, mas, independentemente delas, pede que Deus lhe ilumine o intelecto e o coração! Para que possa procurar a melhor maneira de adora-lO.

Você se lembra do relato do jovem rico? (Mateus 19:16-22). Quando o jovem se aproximou para fazer sua famosa pergunta, Jesus já sabia que se tratava de um adorador incompleto e falho, todavia não lhe refutou a questão com rispidez. O Bom Pastor, nosso Mestre, respondeu de forma suave, apresentando-lhe as verdades da Palavra de Deus, oferecendo-lhe a maior lição que poderia haver em todo o universo. Sigamos esse exemplo e vivamos em harmonia com nossos companheiros e em comunhão com a Verdade.


Texto Bíblico:

Mateus 19:16-22 -16 E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? 17 Respondeu-lhe ele: Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é bom; mas se é que queres entrar na vida, guarda os mandamentos. 18 Perguntou-lhe ele: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; 19 honra a teu pai e a tua mãe; e amarás o teu próximo como a ti mesmo. 20 Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado; que me falta ainda? 21 Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me. 22 Mas o jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste; porque possuía muitos bens.(voltar)