Artigos sobre Hinos e Hinologia / O Adorador

Peregrinos, Louvai!

por: Pr. Jael Enéas de Araújo

Cantar sempre foi uma poderosa forma de expressão.

Historicamente, os peregrinos de Sião têm usado a poesia e a música como estratégia de poder na reivindicação do caráter de Deus. Homens e mulheres expuseram a vida à espoliação pública, convictos da existência de um lugar excepcionalmente melhor para viver. O texto de Hebreus 13:14 e 15 reflete a essência desta convicção: “Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir. Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o Seu nome”.

Com a aproximação do terceiro milênio, todo viajor que “canta com espírito e entendimento” apropria-se das bênçãos divinas. A cidade permanente não se localiza nos meridianos terrenos, e por isso mesmo, não está sujeita a degradação e ao império da morte. Confiando nas promessas divinas, o cristão sincero persevera caminhando, enquanto aguarda o breve retorno de Cristo. Por obra do Espírito Santo, guarda os mandamentos de Deus e tem a fé em Jesus.

Inúmeros são os percalços da caminhada cristã. Porém, as lutas peregrinas são amenizadas, à medida que o ato de cantar representa a própria prática de uma religião pessoal e significativa.

Canções de fé – Através dos tempos, o canto tem sido uma fonte de ânimo e encorajamento. Por isso, os mártires foram uma classe especial de peregrinos. Defenderam a verdade, valendo-se do poder da oração, com inabalável fé na Palavra de Deus e cantando hinos de exaltação e júbilo. Assim, eles adquiriram coragem para demonstrar firmeza de propósito e defender suas crenças perante reis, monarcas e imperadores. Não havia outra forma de enfrentar as arenas romanas e o calor das fogueiras medievais, se não fora através da música, da oração e de estudos de textos bíblicos.

O cristianismo é uma religião que canta, porque é uma religião de vitórias. A fonte de inspiração encontra-se em num Salvador vivo e poderoso, que possibilita vida nova ao viajor cansado, perdoando-lhe os pecados, juntamente com o cancelamento da dívida. Esta convicção faz com que os versos do hino “Seu Sangue Tem Poder”, por exemplo, deixem de ser mera forma literária, para se tornar um convite de cunho pessoal.

De teu pecado te queres livrar?
O sangue de Jesus dá o poder.
É teu querer do maligno escapar?
Terás no Seu sangue o poder.

Há poder, sim, força sem igual
Só no sangue de Jesus.
Há poder, sim, vem, ó pecador
E aceita o dom de Jesus!

(Hinário Adventista, 206)

A certeza da vitória, mediante a apropriação do sangue de Cristo, faz dos peregrinos, pessoas insensíveis às coisas do presente século. Tudo se torna sem valor, incluindo posição social, conhecimento acadêmico sem Cristo, assim como os bens materiais, representados pela prata e pelo ouro mundanos. Uma advertência: Quando estas coisas comprometem o ritmo e o gosto pela caminhada, devem ser rejeitadas de imediato. Pensando no quanto é importante essa decisão, o apostolo Paulo comparou as grandezas deste mundo ao esterco, por considerar o conhecimento de Cristo insuperavelmente melhor: “Sim, deveras considero tudo como perda… e as considero como refugo, para conseguir Cristo”, escreveu aos crentes em Filipos (Filipenses 3:8). “Aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (João 2:17).

Por isso, cantamos:

As riquezas mundanas nada valem pra mim;
Quero ir para o reino onde há vida sem fim.
Sim, no livro da vida, que é escrito por Ti,
Certo estou, ó meu Mestre, tens o meu nome aí.

(Hinário Adventista, 445)

Marcantes são os efeitos da música sobre o homem, razão pela qual, na Idade Média, ela exerceu poderosa influência na vida dos reformadores. Por isso, a firmeza de João Huss e a coragem de Jerônimo diante da morte, impressionam a razão e comovem o espírito. O aguerrido reitor da Universidade de Praga, João Huss, ao ser pressionado a renunciar, testemunhou destemidamente ao cantar um hino de exaltação: “‘Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim’, e assim continuou até que sua voz silenciou para sempre” (Ellen G. White – O Grande Conflito, pág. 109). No caso de Jerônimo, vendo que o carrasco atearia fogo por detrás, ele exclamou:

“Venha com ousadia para frente, ponha fogo à minha vista”. O fogo foi aceso e as chamas se levantaram ao redor dele. “Sua voz cessou, mas os lábios continuaram a mover-se em oração” (Idem, pág. 115).

Ambos morreram após terem orado e cantado hinos de fé. È verdade que seus corpos, reduzidos à cinzas, foram lançados no rio Reno; porém, incontestável foi a fé desses valentes peregrinos, que tombaram pelo “bom combate da fé”. Por isso, somos convidados a cantar:

Em nada ponho minha fé
Senão na graça de Jesus,
No sacrifício remidor;
No sangue do bom Redentor:

A minha fé e o meu amor
Estão firmados no Senhor;
Estão firmados no Senhor.

(Hinário Adventista, 253).

Outra experiência comovente está registrada na historia dos valdenses. Ao fazerem enormes sacrifícios para preservar a natureza das Escrituras Sagradas, desenvolveram a fé em Deus através da oração e da música. Escreveram porções da bíblia em escuras cavernas. No entanto, dos elevados rochedos se ouviam as vozes de louvor. Era tal a magnitude do cântico que “os exércitos de Roma não podiam fazer silenciar seus cânticos de ações de graças” (Ellen G. White – O Grande Conflito, pág. 66).

O dueto de Paulo e Silas é um dos relatos bíblicos que ajudam o peregrino a aceitar a música como poderoso auxílio na hora da prova. Não se sabe se aquele cântico foi improvisado por eles ou se fazia parte do repertório da dupla missionária. O importante está no fato de que o “concerto noturno” foi decisivo para recompor o equilíbrio emocional dos presos. E mais: em meio ao alvoroço produzido pelo terremoto, serviu como instrumento de persuasão do Espírito Santo, para motivar o carcereiro a decidir-se pelo batismo, juntamente com os demais familiares que viviam em sua casa (Atos 16:25-33). Paulo amava a música e conhecia seu poder. Aconselhou os efésios a se apropriar “do Espírito falando dentre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais” (Efésios 5:19).

A atitude de louvor, diante da prova, não pode ser explicada pela lógica deste mundo. A razão humana, centrada na filosofia e ciência, é incapaz de abstrair a essência da razão pela qual o cristão canta em uma cerimônia fúnebre, ou mesmo em meio a uma provação moral ou espiritual. O “canto é uma arma que podemos empregar sempre contra o desanimo” (Ellen G. White – A Ciência do Bom Viver, pág. 254). Quando adequadamente usado, o ato de cantar torna-se um poder especial, que faz banir da vida do peregrino a tristeza e os maus pressentimentos. Além disso, uma vida de louvor “tem poder para subjugar as naturezas rudes e incultas; (…) despertar simpatia, para promover a harmonia de ação”, o que torna possível empreender nos dias de hoje, um preparo eficaz para viver na cidade permanente (Ellen G. White – Evangelismo, pág.496). Esta certeza leva o viajor a cantar:

Pra terra abençoada vou,
Ansioso peregrino sou
Em busca do feliz lugar
No qual eu hei de descansar.

Oh, bela terra de esplendor,
Querida herança do Senhor;
Olhando, vejo além do mar
Que em breve eu hei de atravessar,
A linda praia perenal,
Do eterno lar celestial.

(Hinário Adventista, 547).

Cântico de Moisés – O cântico do mar, a histórica manifestação coral israelita após a travessia do Mar Vermelho, transformou-se, para o povo de Deus, num ícone da libertação divina. Da mesma forma, como houve intervenção do Grande EU SOU (Êxodo 3:14), assim, Javé Sebaoth, o Senhor dos Exércitos (Salmo 46:7), intervirá no mundo, destruindo “todos os adversários da justiça”. Decididamente, esse cântico aponta para o futuro, quando se dará a libertação humana do cativeiro do pecado: um livramento maior do que o dos hebreus no Mar Vermelho.

Não existe nada mais estressante do que caminhar sob sol causticante, em terreno arenoso. Assim, durante quarenta anos, o povo de Israel experimentou as agruras do deserto e a pressão militar dos povos circunvizinhos. Apesar do sofrimento, eles peregrinaram cantando salmos de exaltação ao Senhor.

O espírito de louvor produz naquele que canta uma renovada disposição física, mental e espiritual para prosseguir a jornada. Os versos, estrofes e estribilhos, quando cantados com convicção, reavivam a fé e reacende no coração a certeza da vitória.

No hinário, o texto aliado ao ritmo, melodia e estrutura harmônica, relembra que Deus nunca desampara Seus filhos, estando sempre pronto para agir, da mesma maneira como o fez no passado. No Sinai, os israelitas tiveram água vertendo da rocha; pão caindo do céu, em forma de maná; proteção militar, quando anjos e seres celestiais se interpunham entre eles e seus inimigos. Durante o dia, uma nuvem para amenizar as altas temperaturas; à noite, luz suficiente para iluminar o caminho. Desta forma, o povo caminhava cantando.

Mas foi diante do Mar Vermelho que o povo ouviu de Deus a ordem clara, dada a Moisés: “Dize ao povo que marche”. Confiantes nas ordens de EL SHADDAÍ, o Deus Todo-Poderoso, eles marcharam com ousadia e coragem. Do outro lado, cantaram de forma responsiva e antifonal:

Moisés: “Cantarei ao Senhor, porque sumamente se exaltou”.
Coro de Israel: “Lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro”.
Moisés: “O Senhor é a minha força e o meu cântico”.
Coro de Israel: “E Ele me foi por salvação”.
Miriã: “Cantarei ao Senhor, porque sumamente Se exaltou”.
Coro de Mulheres: “Lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro”.

Música em Minha Bíblia, pág. 20. (Ver Êxodo 15).

Durante anos, a melodia do mar ficou gravada na memória do povo judeu, e isso está registrado nos Salmos 106 e 149. O profeta Isaías menciona também um cântico remanescente no capítulo 12, entoado durante a Festa dos Tabernáculos. Além disso, é possível identificar, no repertório erudito, várias obras compostas sob a influência do Cântico de Moisés. Um exemplo clássico está na beleza do coro duplo do oratório “Israel no Egito”, composto em 1738, por Georg Friederich Handel.

Ainda hoje, esta é a ordem de Deus ao viajor moderno: Dize ao povo do advento que marche para o lar eterno:

Almejo o lar, paterno lar amado;
De meu Jesus ao peito estar;
Bem longe andar do mundo e do pecado,
No perenal e doce lar.
Com sonhos mil eu comecei a lida,
Um só, de todos, resta, em minha vida;
Meu peito arde em forte desejar:

Almejo o lar, almejo o lar!
Desejo ao lar, desejo ao lar,
Desejo ao lar, ao lindo e eterno lar,
Saudoso estou e canto em triste exílio:
Eu quero ao lar, ao doce lar!

(Hinário Adventista, 336).

Mar de vidro – O século XX lança aos peregrinos de Sião um desafio sem igual: transformar a contemporânea produção musical sacra numa autêntica expressão dos milagres de Cristo em favor daqueles que almejam um novo lar. Além do mais, deve prepará-los para participar da grande Sinfonia dos Salvos, uma apresentação de júbilo pela intervenção divina na história da vida de cada um. Alegrem-se todos os que caminham em direção da Terra Prometida! O Cântico de Moisés não será mais cantado às margens do Mar Vermelho. Pela misericórdia divina, será entoado junto ao Mar de Vidro.

A bíblia assegura que os salvos participarão de outros cânticos, como o Cântico Novo. Por que tem esse título? Porque seu tema está relacionado ao caráter inusitado do hino. A palavra “novo” significa algo “inteiramente diferente de qualquer outro cântico entoado anteriormente”. Para o viajor de hoje, isso é extremamente significativo, por expressar uma experiência única, singular.

O preparo para participar de musica coral e instrumental no Céu, é uma questão fundamental para o cristão. Peregrinos de todas as épocas poderão cantar e tocar, porque serão transformados “num abrir e fechar de olhos”, receberão um “novo nome” e tocarão a harpa de Deus. (I Coríntios 15:52; Apocalipse 2:17; >Apocalipse 15:2). “Em cada mão são colocadas a palma do vencedor e a harpa resplandecente. Então, ao desferirem as notas aos anjos dirigentes todas as mãos deslizam com maestria sobre as cordas da harpa, tirando-lhes suave musica em ricos e melodiosos acordes” (Ellen G. White – O Grande Conflito, pág. 646).

No transporte entre a terra e o Céu, haverá louvor. È bem verdade que, nesse contexto, a peregrinação estará em sua etapa final. Em carro de nuvens “se acham rodas vivas; e, ao volver o carro para cima, as rodas clamam: ‘Santo’, e as asas, movendo-se, clamam: ‘Santo’; e o cortejo de anjos clama: ‘Santo, Santo, Santo, Senhor Deus todo-poderoso‘. E os remidos respondem uma apresentação antifonal responsiva: ‘Aleluia!'” (Idem, pág.645).

Na seqüência, Adão lança sua coroa aos pés de Jesus, ao ver o jardim do Éden ainda mais belo. Cristo o levanta. Adão toma sua harpa de ouro e a dedilha. As abóbadas do Céu ecoam o cântico triunfante: “Digno, digno, digno, é o Cordeiro que foi morto e reviveu!” (Idem, pág. 648).

Participar desse extraordinário coral, quando Jesus Cristo, à frente daquela imensa multidão de peregrinos salvos, apresentar ao Pai “aqueles que passaram pela grande tribulação e lavaram suas vestes no sangue precioso do Cordeiro”, será um elevado privilégio. Quando os fiéis forem transportados para uma Pátria melhor, verão os incomparáveis encantos de Cristo “e, tocando suas harpas de ouro, encherão todo o Céu com preciosa musica” (Ellen G. White – Evangelismo, pág. 503).

Há uma benção especial para os que cantam, enquanto viajam para o lar eterno:

Além do rio existe um lugar pra mim.
Além do rio existe paz.
Além do rio a vida não terá mais fim:
E com Jesus irei morar.

(Hinário Adventista, 570).


Fonte: Revista Adventista, fevereiro, 2000, pp. 08-10.

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