por: Carlos Renato de Lima Brito
Nos editais de concursos públicos encontramos as exigências que a instituição impõe sobre aqueles que desejam exercer aquela função. Ultimamente, a Universidade Federal do Ceará publicou um edital para contratar professores e técnicos. Para vaga de professor de música, temos a exigência de ter um curso superior, um mestrado, uma residência no Cariri e ter feito estudos em música. É natural que para se exercer certo papel, uma função, a pessoa tenha que cumprir certos requisitos, sem a presença dos quais, não poderá exercer aquela função.
A música tem o papel de edificar a Igreja. Para que a música edifique, entretanto, ela precisa cumprir certos requisitos. Se a música não cumprir estes requisitos, ela não poderá edificar a Igreja, perdendo assim a sua razão de ser dentro da Igreja. O primeiro requisito que a música deve cumprir para edificar é o amor fraternal (I Coríntios 14:1-5).
O texto de Coríntios começa com duas ordens. As ordens são seguir o amor e procurar com zelo os dons espirituais que promovem a edificação da Igreja. Uma ordem esta sujeita a outra. A ordem de procurar dons que edificam está subordinada a ordem de seguir o amor fraternal. As Escrituras estão dizendo que o dom espiritual não deve ser buscado ou até exercido para edificação própria, para o benefício daquele que está exercendo o dom, mas para o crescimento dos irmãos e para o crescimento da Igreja.
Dom espiritual é uma capacitação extraordinária dada pelo Espírito Santo de Deus, de modo soberano e gracioso, com o fim de fazer com que o dotado edifique seus irmãos no exercício de seu dom dentro da Igreja. A Igreja de Corinto, para que foi escrita esta passagem a princípio, era dotada de todos os dons espirituais, inclusive aqueles que não estão em vigor na Igreja hoje, como o de profecia e o de línguas. Apesar de ter todos os dons, a Igreja de Corinto não exercia esses dons de modo adequado. Eles procuravam aqueles dons menos importantes, preferindo os dons mais impressionantes como o dom de línguas. Eles exerciam os dons de modo egoísta, pensando que o dom devia edificar o que possuía, sem imaginar que o dom espiritual deve ser exercido para crescimento da Igreja e não para que alguém da Igreja seja honrado com o título de espiritual ou ser conhecido por ter dons tão marcantes.
O apóstolo deixa claro que os dons devem ser exercidos em amor pelos irmãos, buscando a edificação da Igreja. Os dons que mais edificam a Igreja devem ser preferidos. Quem profetiza tem mais honra do que o que fala em línguas, porque edifica, consola e exorta os irmãos. Os outros dons não devem ser proibidos, mas só podem ser exercidos na Igreja se edificarem, se forem exercidos de modo que todos sejam edificados. Se na Igreja alguém exercer um dom espiritual de modo que seja edificado somente aquele que está exercendo o dom, esta pessoa deve ser proibida de exercer este dom diante da Igreja.
Creio que a musicalidade é um talento natural, mas que o exercício da música na adoração que tem a capacidade de transmitir verdades eternas é um dom espiritual. Todos nascem com talentos naturais que foram dados por Deus para que exercêssemos nossa vocação dentro da criação, dominando a criação como Deus nos ordenou em Gênesis. Os músicos crentes e descrentes receberam este talento natural quando nasceram, tendo sido alvo da graça de Deus que atinge todos os homens, justos e injustos. Somente os crentes, no dia da conversão, recebem dons espirituais a serem exercidos dentro da Igreja de Cristo, para edificação da Igreja. Os músicos cristãos recebem a extraordinária capacidade de aplicar o seu talento natural na obra de Deus, para ensinar verdades eternas dentro da Igreja através da música. Este dom espiritual de edificar através da música deve ser exercido na obediência dos mandamentos “segui o amor” e “procurai os melhores dons”.
Os que se valem da música na Igreja não devem pensar primeiro na sua edificação, mas na edificação dos irmãos. Devem escolher músicas que possam edificar os irmãos, devem se apresentar de modo que os irmãos sejam edificados e não ele próprio seja honrado. O músico deve procurar a melhor forma de expressar sua música de modo que todos possam aprender algo novo, possam ter suas emoções aquietadas e sua vida cristã encorajada.
Música, Comunicação e Edificação
O texto de I Coríntios 14:6-12 deixa claro que, se na Igreja não houver comunicação, não pode haver edificação. Paulo usa o exemplo de instrumentos musicais inanimados para defender esta ideia. Ele sustenta que, se um instrumento musical não for tocado de modo bem definido, o ouvinte não reconhecerá que instrumento está sendo tocado. Igualmente, se a trombeta não der o toque bem claro no momento da batalha, o exército não saberá que manobra de guerra deve executar. O apóstolo está afirmando, portanto, que todos os sons têm condições de transmitir ideias objetivas e que esta capacidade de comunicação deve ser explorada na Igreja.
No texto, a tensão está entre falar em línguas sem intérprete e não ser entendido na Igreja por ninguém, e profetizar na língua do povo de modo que todos entendam. Paulo deixa claro que progredimos no exercício dos dons espirituais quando estes dons têm a capacidade de edificar. Os dons ganham capacidade de edificar quando comunicam. Por isso, Paulo defende ser melhor profetizar do que falar em outras línguas.
Certa vez, um pastor disse numa reunião de líderes: “Quem sabe o que você realmente falou, não é você quem falou, mas a pessoa que ouviu você falar. Se expresse de tal modo que os outros entendam o que você quer dizer”.
Pensando na música na Igreja, muitos evangélicos sustentam que a música é neutra. A música não tem capacidade de transmitir uma ideia moral por si só. De acordo com alguns, o que faz uma música apropriada para os cultos é a letra que esta música possui e não o seu estilo musical, seu formato, seus recursos artísticos e sua melodia. De acordo com muitos, se a letra for evangélica, não importa o ritmo, a harmonia, a associação cultural, não importa a performance, aquela música é cristã e adequada para o culto cristão.
Não é isto que afirma o apóstolo Paulo quanto aos sons que a criação possui. O apóstolo afirma: “Há, sem dúvida, muitos tipos de vozes no mundo; nenhum deles, contudo, sem sentido” (1 Coríntios 14.10). Penso que como J. S. Bach, quando musicou o Credo Apostólico, colocou toda tristeza e lamento no seu Crucifixus (clique para ouvir) e toda glória e vitória no seu Et Resurrexit (depois de ter ouvido o Crucifixus, clique para ouvir) da Missa em Si menor, BWV 232, referindo-se respectivamente à morte e ressurreição do Senhor, usando os recursos musicais que este grande compositor bem conhecia, de igual modo pode a música popular da atualidade transmitir sentimentos (alegria, tristeza, saudade e amor romântico) e, consequentemente, padrões morais (euforia, luxúria, ódio, mansidão e amor fraterno).
A música que edifica é a música cuja letra transmite a genuína verdade do evangelho acompanhada por uma melodia que não tenha sensualidade, um ritmo sem a agitação da loucura e uma harmonia bem equilibrada. Penso que a música que edifica é a música cujo intérprete em humildade sobe à plataforma para edificar seus irmãos através da mensagem musical e não para ser idolatrado, constituindo-se no centro das atenções, sendo acompanhado por uma legião de fãs. Noutras palavras, a música que edifica é a música que comunica a mensagem do evangelho na letra e na música, não havendo uma divergência de informações poéticas e musicais.
Se uma letra cristã é acompanhada por uma música inadequada, a música inadequada prevalece e a letra é ironizada, perdendo seu valor. Como é que as mães do nosso Brasil conseguem por suas crianças para dormir cantando-lhes “Boi da Cara Preta”? Acho que seria muito difícil uma criança dormir por uma ou por duas noites se a suavidade da voz, a melodia embala e simples, a harmonia objetiva e a estrutura uniforme da música não obscurecesse de tal forma a poesia, que algo tão amedrontador para uma criança, como um boi de cara preta, ficasse tão manso e agradável pela forma musical com que é apresentado. Posso concordar, nesse sentido, com a máxima: “o meio é a mensagem”.
É fato que sempre haverá pessoas dizendo que foram edificadas por uma música evangélica que eu consideraria não comunicativa da verdade do evangelho. É fato também que a sensação de edificação que temos num culto ou show gospel talvez não seja a edificação que procede do Espírito Santo que nos conduz à maturidade e a uma identificação com o Senhor Jesus Cristo. O que define nosso procedimento no culto é a Palavra, antes das nossas sensações e da nossa experiência. A Palavra esclarece: “Vamos nos comunicar de modo claro e objetivo no culto a Deus.”
Música e Equilíbrio Interior
Para que um dom seja edificante, ele deve ser exercido com equilíbrio entre razão e emoção, intelecto e espiritualidade, vontade e entusiasmo.
Quando uma pessoa exerce seu dom sem conseguir pensar sobre o que está fazendo, tomado por uma força que não pode controlar, sem nenhuma razão, ela não está exercendo seu dom de modo edificante. Por outro lado, quando alguém exerce seu dom de modo frio, calculista, sem nenhuma empolgação no exercício de seu dom, ela também não está exercendo seu dom de maneira que os irmãos da Igreja sejam edificados.
Alguns fatores destacados pelo apóstolo Paulo ajudam a exercermos o nosso dom com equilíbrio. O primeiro é que a pessoa deve entender o que está fazendo. Quem fala em línguas deve orar para que saiba interpretar. No exercício do dom, a mente deve estar envolvida, o intelecto deve estar ativo, não somente as fortes emoções que acompanham aqueles que têm grande fervor e animação em servir a Deus. Simplicidade na transmissão da mensagem ajuda também a manter o equilíbrio, fazendo com que a edificação se concretize.
Estes fatores devem estar presentes na música para que haja equilíbrio interior e edificação na Igreja. Os músicos devem dominar a linguagem musical de modo bem consciente para que possam fazer tudo com racionalidade e não somente dominados pela emoção. As pessoas que cantam não devem ser tomadas pelas emoções de tal modo que não tenham condições de discernir o que está acontecendo com seus corpos e suas mentes durante a adoração. Elas devem manter ativas suas faculdades mentais. Uma música que nos transporta a um estado emocional descontrolado não deve ser utilizada na Igreja nem descontrole emocional deve ser ligado diretamente à ação do Espírito Santo.
Tenho notado que grupos evangélicos têm usado certos recursos musicais para provocar nas pessoas fortes emoções. Isto não é correto. A música não deve ser usada com a intenção de manipular as pessoas.
Além disso, a música na Igreja deve ser mais simples do que complicada. Deve ter uma mensagem clara. Deve ter conteúdo bíblico, mas este conteúdo deve ser colocado de modo acessível.
Tenho um amigo que gostava de enfeitar bastante na improvisação dos hinos. Ele era muito criativo, mas fazia tantos rodeios harmônicos que fazia com que a congregação perdesse a noção de espaço entre as frases musicais. Um músico cristão deveria aprender a sustentar com clareza os acordes, a manter a pulsação e a usar de criatividade apenas em momentos bem precisos.
A música na Igreja deve edificar e cumprirá este papel quando o equilíbrio emocional for atendido com amor fraterno e entendimento.
1 Segui o amor, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar.
2 Porque o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios.
3 Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação.
4 O que fala em língua desconhecida edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja.
5 E eu quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais que profetizeis; porque o que profetiza é maior do que o que fala em línguas, a não ser que também interprete para que a igreja receba edificação.
6 E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando em línguas, que vos aproveitaria, se não vos falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?
7 Da mesma sorte, se as coisas inanimadas, que fazem som, seja flauta, seja cítara, não formarem sons distintos, como se conhecerá o que se toca com a flauta ou com a cítara?
8 Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?
9 Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? porque estareis como que falando ao ar.
10 Há, por exemplo, tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significação.
11 Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim.
12 Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles, para edificação da igreja. (voltar)
Fonte: ViolaBrito