por: Carlos Renato de Lima Brito
Um dia o casal recém casado foi dar um passeio nas ruas do comércio e foram atraídos pela informação de uma loja que estava com alguns produtos em liquidação. Entraram pela loja, viram alguns preços e logo foram abordados por um vendedor: “Já foram atendidos!”. O marido disse com indiferença: “Ainda não”. E pensou: “É melhor eu não continuar sem atendimento”. Apesar do desinteresse inicial, o vendedor tinha o dom de enredar com sua conversa a qualquer cliente. Apresentou-lhes a mais recente novidade do mercado, a revolução dos eletrodomésticos, o aparelho que poderia tornar a vida da dona de casa muito mais tranqüila, com um preço de saldão, pago em condições jamais vistas.
Não houve saída. O casal cedeu. Levou o aparelho para casa, animado por ter feito a compra do ano. Quando tiraram o seu sonho de consumo da caixa, repentinamente surge a pergunta: “Mas para que serve esse negócio mesmo?”.
Parece que com a música na Igreja nós agimos de modo semelhante a este casal. Nós sabemos que música é importante. Nenhuma de nossas programações deixa de ter algo musical. Procuramos sempre músicas novas e queremos cantar e tocar bem as músicas já conhecidas. Investimos bastante em música na Igreja. Promovemos conferências que falam sobre música, compramos instrumentos musicais dispendiosos, fazemos campanhas para comprar a aparelhagem de som mais adequada para o nosso novo templo, demonstrando que música tem para nós um valor significativo. Apesar disso, creio que se fôssemos colocados contra parede, não seríamos capazes de responder a uma pergunta muito simples: Para que serve a música na Igreja? Qual é o seu propósito?
Procurando resolver esta questão desenvolvemos este e outros artigos. Estes artigos são fruto de uma agradável conferência realizada na Igreja Batista Regular Filadélfia em Juazeiro do Norte, CE. Veremos que a música na Igreja serve a três propósitos. A música na Igreja serve para edificação pessoal, serve para edificação do corpo de Cristo e a música serve para adoração a Deus. Neste artigo, defenderemos que a música serve para edificação pessoal. Para meditarmos nesta ideia, vamos estudar a passagem que narra o primeiro contato de Davi com o rei Saul. Ela se encontra em I Samuel 16:14-23.
“Tendo-se retirado de Saul o Espírito do Senhor, da parte deste um espírito maligno o atormentava. Então, os servos de Saul lhe disseram: Eis que, agora, um espírito maligno, enviado de Deus, te atormenta. Manda, pois, senhor nosso, que teus servos, que estão em tua presença, busquem um homem que saiba tocar harpa; e será que, quando o espírito maligno, da parte do Senhor, vier sobre ti, então, ele a dedilhará, e te acharás melhor. Disse Saul aos seus servos: Buscai-me, pois, um homem que saiba tocar bem e trazei-mo. Então, respondeu um dos moços e disse: Conheço um filho de Jessé, o belemita, que sabe tocar e é forte e valente, homem de guerra, sisudo em palavras e de boa aparência; e o Senhor é com ele”.
“Saul enviou mensageiros a Jessé, dizendo: Envia-me Davi, teu filho, o que está com as ovelhas. Tomou, pois, Jessé um jumento, e o carregou de pão, um odre de vinho e um cabrito, e enviou-os a Saul por intermédio de Davi, seu filho. Assim, Davi foi a Saul e esteve perante ele; este o amou muito e o fez seu escudeiro. Saul mandou dizer a Jessé: Deixa estar Davi perante mim, pois me caiu em graça. E sucedia que, quando o espírito maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa e a dedilhava; então, Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito maligno se retirava dele”.
Este texto nos mostra que a música serve para nossa edificação. Quando a música é utilizada de modo apropriado na vida do indivíduo, ela faz com que este indivíduo cresça em diversos aspectos da sua existência, no seu interior e no seu comportamento. Desta informação surge uma pergunta: Como a música pode servir para edificação pessoal?
Para responder a pergunta de como a música serve para edificação pessoal, vamos abordar três áreas de crescimento proporcionado pela música: a área espiritual, a área de relacionamentos e a área profissional. Abordando a primeira área, podemos afirmar que a música promove um alívio espiritual.
O Papel da Música na Edificação Espiritual
O rei Saul estava passando por uma fase difícil da vida. Ele apresentava um assustador declínio espiritual. Saul já havia desobedecido às ordens claras de Deus de esperar Samuel para realização de um sacrifício e de destruir pro completo a nação de Amaleque. Deus tinha revelado ao profeta Samuel que o reino seria tirado de Saul e dado a outro. Samuel já havia ungido Davi como rei de Israel no lugar de Saul, mas muito iria acontecer até que Davi assumisse o trono do seu reinado.
O texto descreve o declínio espiritual de Saul em pontos que nos fazem lamentar pela vida deste homem que começou exercendo bem o seu papel no Reino de Deus, mas terminou muito mal. O Espírito de Deus se retirou de Saul. O dom que Deus tinha lhe dado para vencer as guerras do Senhor não atuava mais sobre a vida de Saul.
Os juízes e reis de Israel eram capacitados de modo extraordinário por Deus para vencer os inimigos da nação de Israel e conquistar a herança que Deus tinha prometido ao seu povo escolhido. Agora Saul não tinha mais esta capacitação, porque tinha sido rejeitado por Deus, em virtude da sua desobediência.
Deus permitia que um demônio começasse a atormentar Saul. Não sabemos se salvo era salvo ou não. Não sabemos se Saul está com o Senhor ou se está sofrendo dores terríveis nas chamas infernais. De qualquer modo, se este espírito possuía Saul ou se apenas o oprimia, gerando nele, de algum modo, um tormento espiritual, de qualquer modo, Saul sofria duramente. O espírito mau lhe atormentava, fazia com que ele tivesse medo, que ficasse aterrorizado. Talvez você não tenha noção do quanto isto é ruim, mas eu conheço pessoas que se envolveram com o espiritismo e que, quando se converteram, foram perseguidas pelos demônios, porque estes não queriam perder o seu cliente. O tormento pode incluir alucinações, acidentes domésticos graves, doenças, falta de harmonia no lar, irritação, etc.
Note que Saul plantou este tormento para si.Saul desobedeceu a Palavra de Deus.Saul estava mais interessado nas aparências, na opinião pública, do que na essência e na verdade.Saul não tinha um coração disposto para obediência a Deus nem para o arrependimento. Isto aliado a um temperamento explosivo, descontrolado, ciumento e violento. Deus permitiu que um espírito atormentasse o rei que elegeu, mas aquele rei era responsável pelas escolhas que lhe fizeram cair.
Diante deste quadro lamentável, os servos de Saul, os seus assessores têm uma ideia: tratar o problema espiritual de Saul com música. Quando o espírito mal viesse, um harpista tocaria e o rei ficaria bem.Saul deu ordem para que se trouxesse alguém que tocasse bem a harpa e Davi foi trazido a Saul. No fim do texto, é-nos descrita uma situação em que o tratamento dava certo. O espírito atormentava Saul. Davi dedilhava a harpa. Saul se sentia melhor. O espírito se retirava de Saul.
Esta passagem nos mostra que a música pode ter uma forte influência sobre a nossa espiritualidade. Ela pode alterar o nosso estado de ânimo. Ela pode nos livrar da influência espiritual maligna se ela promover o bem estar espiritual.
A crença de que a música pode influenciar nossa espiritualidade sempre esteve presente na História e é muito forte ainda hoje. Os grandes filósofos gregos achavam que se o Estado controlasse a música podia formar cidadãos mais patriotas e promover o bem público.
No século XVII, os musicólogos, aqueles que estudavam a música e publicaram livros a respeito da composição musical, formularam a Teoria dos Afetos, que associava sentimentos e disposições humanas a recursos musicais, utilizando estes recursos para representar emoções como tristeza, ira, alegria e amor.
No século XVIII, acreditava-se que a música poderia representar as ideias racionais pela sua proporção, equilíbrio e objetividade; por isso, a música desta época é bem estruturada e se destina a ser organizada como um discurso com ideia principal, três partes equilibradas e uma conclusão bem definida.
No século XIX, acreditava-se que a música servia para expressar as emoções humanas e para servir de elo, de ligação, entre todas as artes, entre a pintura, a arquitetura, a literatura e o teatro. A música se tornou um grande drama representado nas grandes orquestras e nas óperas enormes e a proporção do século anterior foi deixada de lado.
Todos estes entendimentos a respeito da música, contidos nas diferentes épocas da História Antiga e recente, mostram-nos que ela sempre foi entendida como uma força artística que pode ter grande influência sobre nossas vidas, especialmente sobre nosso interior. Quando um compositor domina a linguagem musical com genialidade, ele sabe gerar com os recursos que tem os efeitos que ele bem deseja. Cada efeito musical produz em nós certa emoção, certa disposição interior, certo pensamento e uma reação física.
Quantos de vocês se lembram de alguém quando ouçam certa música? Quantos de vocês tiveram a experiência de chorar quando ouviram uma música? Deste modo, se a música tem este efeito sobre nós devemos ter muito cuidado com a música que nós ouvimos em casa. Devo procurar músicas que possam ajustar as minhas emoções e não músicas que promovam descontrole emocional. Certas músicas promovem um comportamento totalmente desajustado e um desequilíbrio emocional feio de se ver. Nos bailes funk, depois que músicas começam, as meninas se entregam a uma dança imoral e os meninos se entregam a violência, formando turmas para brigarem entre si. Alguns argumentarão que não é a música em si que provoca aquele comportamento. De fato, é necessário haver uma decisão humana, mas se uma música romântica começa a ser tocada no mesmo ambiente, todos começam a simultaneamente mudar de comportamento.
Devo ouvir músicas que tenham conteúdo substancial para que eu adquira conhecimento musical e não somente diversão. Música pode carregar muita cultura e pode adquirir bastante conhecimento através da música. As músicas de hoje são como algodão-doce, têm muito volume, são coloridas, mas possuem nenhum nutriente, não têm como alimentar. A música hoje tem sido escrita para divertir e para gerar lucro e não para educar.
Apesar disso, há muito na arte musical que tem muito a nos ensinar culturalmente à medida que reflete sobre a vida, que registra o pensamento de uma época e que contém um ensino verdadeiro proveniente da sabedoria e da Palavra de Deus. Devo entrar em contato com músicas que me influenciem espiritualmente de modo positivo. As músicas que ouço devem intensificar meu relacionamento com Deus e não me deixar a mercê de influências demoníacas.
O maior veículo de propagação das ideias do satanismo é a música. Em muitas religiões, a música é utilizada para levar o adepto ao êxtase, para que este seja dominado por espíritos maus, espalhando as mentiras do Diabo, cegando o entendimento dos incrédulos.
O pior de tudo é que as nossas Igrejas estão sendo influenciadas pelas músicas produzidas naqueles círculos, chegando até a usá-las dentro de seus templos, deixando seus membros vulneráveis à opressão demoníaca. A Igreja e o Cristianismo deveriam ser um abrigo da influência espiritual maligna na música e não uma porta de entrada para música satânica.
A música tem o papel de desencadear a edificação pessoal. Este papel de edificação pessoal será cumprido quando a música promover um alívio espiritual.
Há duas outras áreas em que a música cumpre seu papel de edificação pessoal. Estas outras duas áreas veremos a seguir.
O Papel da Música na Sociabilidade
A música pode iniciar relacionamentos sadios. Relacionamentos sadios foram iniciados por conta do envolvimento musical que Davi teve com o rei Saul. O pai de Davi, Jessé, passou a ter um bom relacionamento com Saul. Chegou a mandar-lhe um presente como forma de demonstrar sua devoção ao rei de Israel, pagando ao rei um tributo voluntário. Jessé também cedeu um de seus filhos, o filho que cuidava muito bem das ovelhas da família, para servir de escudeiro, de portador das armas do rei.
Saul passou a ter um bom relacionamento com Davi. Davi passou a ser para Saul como um filho adotivo. O texto afirma que Saul amou Davi e que Davi caiu em graça diante de Saul, isto é, Davi conseguiu o favor do rei Saul.
Outros textos demonstram que este sentimento era recíproco. Davi sempre respeitou o rei Saul, procurando o bem estar do rei e a preservação da vida do rei, mesmo quando o rei Saul se voltou contra Davi por motivos errados. Quando Saul e Jônatas morreram, Davi escreveu uma música em homenagem ao rei Saul e esta música está em II Samuel 1:17-27. Naquela ocasião, Davi honrou os que honraram Saul e seus descendentes e foi muito duro com os que procuraram a derrota de Saul, mesmo que a derrota de Saul significasse um grande alivio para Davi das perseguições que Saul empregava.
Tenho um amigo que costumava dizer: “Vocês músicos parecem todos fazer parte da mesma fraternidade. Onde há dois músicos, não importa de onde sejam, já começa ali uma amizade”. A música tem a capacidade de promover a união entre os seres humanos. E os seres humanos foram criados para viverem em união. A música cumpre misteriosamente seu propósito de socialização unindo culturas, costumes e pessoas através da arte.
A música dá muita oportunidade de estreitar a comunhão entre os membros de uma igreja. Deve-se promover na Igreja a organização de grupos musicais. Nossa Igreja tem muitos exemplos de grupos musicais (…). Poderíamos ter grupos de adoração. Pessoas que se reúnem nas casas para orar, ler a Bíblia e cantar louvores.
A união dentro do corpo de Cristo não é possível se os cristãos só se encontram no domingo à noite (*). Deve haver mais atividades de união. Grupos musicais dão oportunidade de cultivar bons relacionamentos dentro da Igreja, sendo uma enriquecedora atividade social e agregadora. Boa parte dos membros envolvidos da nossa Igreja se firmou no evangelho pela participação de um ministério musical, porque nós aprendemos através de relacionamentos e a música cria elos e destrói barreiras.
A instrução e o conselho mútuo dentro da Igreja, na dinâmica dos relacionamentos se dá através do cântico de salmos, hinos e canções espirituais (Colossenses 3:16). Uma Igreja unida canta com fervor, porque sua música é reflexo do amor entre os irmãos e se completa num ciclo em que a música fortaleça o amor.
O Papel da Música no Crescimento Profissional
“Assim, Davi foi a Saul e esteve perante ele; este o amou muito e o fez seu escudeiro“.(I Samuel 16:21)
Penso que muitas coisas que Davi realizou no seu reinado foram aprendidas neste período de estágio com o rei Saul. Davi já tinha considerável qualificação e talento. No texto é dito que Davi era “forte e valente, homem de guerra, sisudo em palavras e de boa aparência; o Senhor era com ele”. Davi já tinha um trabalho. Era pastor de ovelhas. Davi já tinha uma função dada por Deus. Ele seria rei de Israel no lugar de Saul. Davi já tinha o dom necessário para exercer aquela função. O Espírito Santo tinha possuído Davi, concedendo-lhe força extraordinária e grande sabedoria.
Tudo isto, porém, precisava de experiência, de orientação e de conhecimento. Davi se tornou um grande general, um administrador exemplar e um bom líder religioso. Foi mudado de pastor de ovelhas para pastor de todas as doze tribos de Jacó. Todas as etapas da preparação de Davi se desencadearam naquela oportunidade musical na corte do rei Saul. Davi se tornou um grande Rei de Israel. Parte do seu desenvolvimento pessoal se deu por conta da música em sua vida.
As pessoas que estudam os efeitos da educação musical na vida humana destacam sua importância no desenvolvimento de capacidades extremamente importantes para formação profissional. Dentre muitas outras vantagens a música desenvolve o raciocínio lógico, a coordenação motora, a inteligência emocional, a capacidade de socialização e a criatividade, sendo uma fonte de cultura, folclore e História, porque representa artisticamente toda produção humana.
Estas capacidades são muito importantes em qualquer profissão e trabalho. Um bom profissional é aquele que tem muito conhecimento, que tem criatividade, que sabe lidar com as pessoas, que tem um acentuado ritmo de trabalho e que tem suas emoções bem equilibradas.
Por conta deste poder formador que a música tem, o governo Lula em 16 de Agosto de 2008 assinou o decreto lei nº 11.769 que torna obrigatório o ensino de música nas escolas de educação básica, fazendo com que a realidade escolar seja semelhante a de 30 anos atrás em que todos os alunos tinham que aprender a cantar lendo a partitura e a música brasileira era muito mais rica.
A música pode ser, portanto, a porta de entrada para que muitos irmãos da Igreja possam crescer no sentido profissional. Por muito tempo, a Igreja era a principal responsável pela educação musical das crianças e, naquele tempo, a música alcançou grande desenvolvimento.
Naquele tempo, se desenvolveu a escrita musical que nós conhecemos hoje e as principais regras de composição da música clássica. Com a secularização da humanidade, a música saiu dos cuidados da Igreja e nunca mais foi a mesma.
Penso que podemos promover educação musical na Igreja de modo mais efetivo e compromissado, de tal forma que, aquele que sabe tocar na Igreja, se responsabilize de ensinar a outros, para que estes dêem continuidade ao ministério de adoração na Igreja sem que a Igreja fique dependente da disponibilidade de dois ou três irmãos. Alguns que aprendem a tocar na Igreja se tornarão profissionais da música. Os músicos que têm mais qualidade na nossa sociedade começaram sua educação na Igreja. Até aqueles que não se dedicaram somente a música, acham na música uma fonte de recursos que lhe auxiliam no exercício da sua profissão, como o professor que dá aulas de matemática, cantando as fórmulas com melodias que despertam o interesse.
Como cristãos fomos chamados para dar glória a Deus através de tudo que fazemos dentro e fora da Igreja. Quando uma atividade nos faz melhores profissionais, porque nos faz pessoas melhores, devemos fazer com que esta atividade faça parte da nossa vida, para glória de Deus.
Nota dos Editores do Música Sacra e Adoração: Sendo o autor membro da igreja Batista, é natural que fale de reuniões nos domingos à noite. Porém, para os Adventistas do Sétimo Dia, o mesmo se aplica para as reuniões aos Sábados. (voltar)
Fonte: ViolaBrito