Questões Relativas à Música Sacra na Igreja Atual

Questões Relativas à Música Sacra na Igreja Atual

Entrevista com Levi de Paula Tavares


Levi de Paula Tavares é o editor responsável pelo espaço virtual Música Sacra e Adoração. A presente entrevista foi encaminhada por escrito por alunos do curso de Teologia do UNASP – Centro Universitário Adventista de São Paulo, tendo sido respondida da mesma forma, através de e-mail. Considerando que as perguntas e as respectivas respostas são relevantes para grande parte dos visitantes de nosso espaço virtual, optamos por publicá-las neste espaço.


Pergunta: O fato de que muitos membros da igreja já se envolveram com música secular não pode ser mudado. Mas não seria preocupante a declaração de que muitas pessoas da igreja continuam ouvindo música secular em seu cotidiano, levando em conta que essas músicas são compostas de ritmos como rock, jazz, blues, rap, sertanejo?

Resposta: Sim, é preocupante, no sentido em que o cristão é chamado “despojar-se do velho homem” (Efésios 4:22), abandonando os hábitos do passado e a ser um “novo homem” (Efésios 4:24), “irrepreensível em santidade” (I Tessalonicenses 3:13) diante de Deus. Portanto, ao admitirmos que continuamos com os mesmos hábitos musicais, brota a pergunta: Pretendemos, realmente fazer a vontade de Deus? Ser salvos?

Pergunta: Como entender que mais da metade das pessoas não gostam quando ouvem música secular misturada com música da igreja, sendo que elas mesmas ouvem músicas parecidas no seu dia a dia?

Resposta: Há dois pontos a considerar:

1) Quando a música é secular, ela não está comprometida com valores morais, apenas (na melhor das hipóteses) com valores estéticos. Porém, quando a música se diz “cristã”, ela automaticamente deveria comprometer-se com os ideais e valores cristãos. Assim, a dicotomia entre o discurso e a prática esta música misturada (professar-se cristã e apresentar valores contrários à ética cristã) causa mal-estar a um ouvinte atento a estas questões.

2) O segundo ponto, ligado ao primeiro é que algumas pessoas, ao notar a defasagem entre o discurso e a prática nos valores destas músicas podem estar notando também a defasagem entre o seu próprio discurso e prática, pois, enquanto se apresentam como cristãos, apreciam músicas que não encorajam valores cristãos. Ao ouvir a mistura, este paradoxo pessoal fica claro, e isto é desconfortável.

Pergunta: É preocupante que cerca de 67,55% dos pesquisados já ouviram nitidamente a mistura da música secular ou ritmo secular dentro da música da igreja?

Resposta: Sim, é preocupante, mas não a nível pessoal, e sim a nível institucional. Para onde nós, como igreja estamos indo? Uma vez que a música, assim como outras artes, funciona como um espelho da sociedade onde ela floresce, notamos que o problema não está na música, mas nos valores espirituais da comunidade adventista atual.

Pergunta: A maioria das pessoas não gosta quando percebe a mistura da música secular com a música da igreja, não seria um motivo para se pensar em uma reformulação em nossas composições?

Resposta: Creio que a questão deve ser mais profunda. A música para a adoração não pode ser escolhida com base apenas no gosto pessoal da maioria, mas sim em princípios sólidos, embasados na Palavra de Deus e no Espírito de Profecia. Não devemos buscar a aprovação dos homens, mas sim a aprovação de Deus. Portanto, o motivo para pensar em uma reformulação em nossas composições deve estar calcado em um “Assim diz o Senhor”, e não em pesquisas de gosto pessoal.

Pergunta: Você acha que é só uma questão de tempo até as pessoas se acostumarem com a mistura da música e então o bloqueio seja vencido?

Resposta: Sim, creio que isto vai ocorrer, caso não haja um verdadeiro reavivamento espiritual. Os grandes manipuladores de massas dizem que uma mentira contada por muito tempo torna-se verdade. O discernimento do povo pode ser manipulado e distorcido, pois “não havendo profecia, o povo se corrompe” (Provérbios 29:18). A única forma de deter a crescente secularização da música é através de um genuíno despertamento espiritual. Costumo dizer que não temos um problema musical, temos um problema teológico. A falta de comunhão pessoal, estudo da Bíblia, oração pessoal e intercessória, tem levado a igreja a uma superficialidade espiritual jamais vista na história da IASD.
A Dra. Osterman, em “O Que Deus Diz Sobre Música”, pág. 46 diz o seguinte: “Quando chegamos vazios à igreja, nada tendo a oferecer, (…) o homem torna-se então a audiência (…) o desejo de uma emoção intensa é a única coisa que parece satisfazer a alma vazia.”

Pergunta: Você acha que existem benefícios na mistura da música da igreja com estilos musicais ou ritmos musicais seculares?

Resposta: Só consigo ver benefícios nesta estado de coisas se olharmos por dois pontos de vista: O ponto de vista de Satanás e o ponto de vista daqueles que estão interessados apenas em crescimento numérico. Do ponto de vista do plano de Deus para o Seu povo, só consigo ver problemas.

Pergunta: Alguns compositores chegam a dizer que produzem dois tipos de música: 1. Para adoração e louvor; 2. Para ouvir fora da igreja no dia a dia. Você acha que existe essa possibilidade? Qual o risco desse tipo de produção? Será que os membros teriam discernimento disso? Se não, o que poderia ser feito para que eles soubessem disso? A produção de uma espécie de bula talvez?

Resposta: Esta é uma pergunta importante, mas complexa. Vamos por partes:

Os momentos de lazer, de verdadeira recreação, não são pecado. Pelo contrário, são encorajados em vários textos do Espírito de Profecia. Contudo, apesar de não serem momentos de adoração direta, nunca deveriam ser contrários ao espírito da adoração e aos valores espirituais. O mesmo pode ser aplicado à música. Portanto, creio que sim, é possível um compositor conceber músicas de tipos e estilos diferentes, inclusive algumas músicas apropriadas para a adoração e outras músicas que não tem como objetivo a adoração. Porém, o que vale a pena destacar é que o músico verdadeiramente cristão nunca comporia uma música que tivesse uma influência espiritualmente degradante. Por exemplo, o grande compositor J. S. Bach compunha músicas para a adoração, e também música de concerto, mas em todas elas primava pelo mais elevado, o mais erudito, o mais enobrecedor. E, além disso, sempre colocava, em todas as partituras, as iniciais “SDG”, ou seja, “Soli Deo Gloria” (Somente a Deus seja a Glória).

Como mais um exemplo, cito o fato de que nem todas as músicas publicadas em nosso Hinário Adventista são apropriadas para o Culto Divino. O próprio Hinário admite, em sua Introdução, que “Seus hinos e cânticos destinam-se, não apenas ao culto congregacional, mas também ao culto familiar, às reuniões de jovens e à devoção particular. Uma análise atenta de seu conteúdo mostrará que há cânticos adequados para vários fins e situações. Requer-se, pois, sabedoria e discernimento na seleção do material disponível, para que os resultados de seu uso sejam compensadores” (Hinário Adventista, pág. 6)

Apesar de não acreditar que os membros, de forma genérica, tenham discernimento para diferenciar uma coisa da outra, o foco principal do problema não está com eles, mas sim com dois pontos: 1) a falta de instrução por parte da liderança, que não fornece subsídios para que o membro tenha este discernimento e 2) com os músicos, que ao publicarem suas músicas não especificam esta diferenciação. Na verdade, este argumento só é levantado quando alguma música é questionada.

O risco deste tipo de procedimento é enorme, pois o membro pode estar sendo prejudicado espiritualmente, a mensagem do evangelho pode estar sendo deturpada, e tudo isso sem que o membro se dê conta, pois as músicas que consome são produzidas por músicos adventistas e vendidas nas lojas da instituição. Desta forma, o membro, inocentemente, crê, falsamente, que está seguro.

Pergunta: Você acha realmente que a igreja não define a música que deve ser usada nos cultos? Que medida deveria ser tomada? (Para não: Que medida deveria ser tomada pela igreja? Para sim: Que medida deveria ser tomada para que as pessoas se conscientizassem de que a igreja tem sua música bem definida?)

Resposta: A igreja não apenas não define a música a ser usada nos cultos, como também promove francamente a utilização de músicas diversas, inclusive músicas que apresentam estilos claramente populares e mundanos.

Apesar de a pergunta ser capciosa, pois tende a dirigir a resposta no sentido da aprovação de uma centralização das decisões nesta área, não acredito que seja o papel da liderança definir precisamente qual música deveria ser utilizada nos cultos. Digo isto pelo simples motivo que este procedimento engessaria o desenvolvimento musical e não contribuiria definitivamente para uma adoração significativa, uma vez que a ênfase estaria na forma, e não no espírito. Assim, sabendo que “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (João 4:24), forneço as seguintes sugestões:

– Um verdadeiro reavivamento espiritual, calcado na Palavra de Deus, buscando firmemente conhecer e viver a vontade de Deus para o Seu povo. Devemos, inclusive, ter em mente que tal reavivamento seria divisivo e, num primeiro momento, diminuiria – em alguns casos, drasticamente – o número de membros das igrejas.

Somente esta sugestão, caso levada a sério, resolveria todos os problemas com relação à música (e muitas outras áreas…). Para um melhor crescimento e desenvolvimento nesta área, sugiro o seguinte:

– Instrução musical, promovida pela Organização Adventista, dada a preços simbólicos, por professores qualificados e comprometidos, em, no mínimo, todos os distritos pastorais.

– Ênfase na organização e formalização dos departamentos de música das diversas áreas da Organização, iniciando-se pelas esferas mais altas, até as igrejas locais. Sempre me perguntei a causa pela qual o departamento de música é vinculado ao departamento de jovens. Se cremos que o papel da música é o evangelismo (com o que não concordo plenamente), deveria ser vinculado ao departamento missionário; se cremos que o seu papel é a edificação espiritual da igreja, deveria ser vinculado ao departamento ministerial; se cremos que ela pode auxiliar a todas as atividades da igreja (com o que concordo plenamente), o departamento de música deveria ser independente, não subordinado a outros departamentos.