Equívocos de Um Compositor
por: Rolando de Nassau
Somos apreciadores da música de Flávio Santos. Trata-se de um compositor, arranjador e regente, figurando no “Hinário Adventista” (nos. 245, 585; 500 e 455). Ele e Mário Jorge Lima, os dois mais importantes compositores adventistas da atualidade, têm contribuído para a música coral (Coral “Carlos Gomes”) e vocal, especialmente destinada a quartetos masculinos (“Arautos do Rei”). Apreciamos particularmente as composições “Bênção”, “Breve virá”, “O Senhor é a minha luz” e “Salmo 23”, por serem bem apropriadas ao culto divino.
Por isso, ficamos perplexos ao ler, na revista de música “Louvor” (Ano 33, Vol. 2, No. 123, abr./jun. 2010), o artigo “Não existe música santa”, do indigitado compositor.
Inicialmente, o articulista afirma que o gosto pessoal é imposto à Igreja; pelos compositores ou pelos ministros de música? Nunca pelos críticos …
O próprio Flávio Santos reconhece que foram introduzidos, na música das igrejas evangélicas, dentro e fora do Brasil, elementos da música popular que, até a década de 60, eram estranhos ao gosto das congregações.
Na composição “Deus sabe, Deus ouve, Deus vê”, Flávio Santos emprega ritmos e instrumentos populares.
No século 20, o rádio e as gravações sonoras tiveram contínuo desenvolvimento tecnológico e crescente popularidade, tornando-se um fator decisivo na expansão da audiência musical. Esta nova situação criou um impacto sobre a audição e a apreciação de música, acarretando distorções no gosto musical. O cinema e a televisão também influenciam o gosto musical do povo. Muitos evangélicos, desde a década de 60, não estão preocupados em refinar as suas escolhas musicais. Jovens, que tocam e cantam nas igrejas, ouvem muita música profana (blues, jazz, rock, samba, bossa nova etc.) mas são completamente ignorantes em matéria de música sacra.
Essas forças mundanas comprometem a pureza da música de igreja.
Flávio Santos nasceu em 1963. Quando tinha 12 anos de idade, o “rock” estava em plena efervescência e a “contemporary christian music” gozava da ampla simpatia das lideranças juvenís católicas, protestantes e evangélicas (ver: Roberto Torres Hollanda, Culto: celebração e devoção, pp. 123-125. Rio de Janeiro: JUERP, 2007). Flávio Santos, na juventude, foi fortemente influenciado em seu gosto musical por esses tipos de música, o característicamente profano e o falsamente religioso. A partir de 1984, foi regente de coros jovens, também contagiados pela música popular da época. Agora, na maturidade, parece que adotou uma postura equilibrada.
Sabemos que a preferência musical depende, quase inteiramente, de quanto tempo uma pessoa está ouvindo um determinado estilo de música (ver: OJB, 04 mai, 01 jun e 06 jul 2008). Flávio Santos ouve, há pelo menos 35 anos, a mistura de música de “rock” com letra evangélica. Talvez por isso, para ele não existe Música
Sacra, mas acaba admitindo a música santificada.
Flávio Santos alega que “música é música” (é mera organização de notas, acordes e timbres), mas confessa que o compositor atribui significado à essa organização, e que esse significado “é resultado da nossa vivência”.
Embora seja compositor, Flávio Santos também comete equíovocos, quando afirma que se um compositor tentar fazer um manual de composição, ele descobrirá que é impossível fazer música usando este manual. Sabe-se que tratados de composição (os de Zarlino, 1558; Rameau, 1722; Berlioz, 1834; Schoenberg, 1911; Hindemith, 1937) foram usados durante muitos anos nos conservatórios de música.
Em concordância com essa opinião anti-didática, Flávio Santos afirma que não existem fronteiras religiosas dentro da música. Cremos que, se num hinário não existem barreiras denominacionais, devem existir barreiras doutrinárias. Há hinos e cânticos, usados nas igrejas, que contêm doutrinas subversivas.
Flávio Santos afirma que o compositor cristão deve “utilizar combinações sonoras que não estejam tão associadas ou vinculadas a coisas mundanas de seu tempo”. Ele admite na igreja e no culto as combinações que não sejam ostensivamente profanas. Então, ele “santifica” ou procura mudar o significado mundano associado a determinada música. Esse método contradiz sua opinião de que não existe música santificada. Segundo Mário Jorge Lima, “a música pode tornar-se santa”.
A música “Amigo é coisa pra se guardar”, de Milton Nascimento, Flávio Santos considerou não ser profana, e nós, pouco afeitos à música popular, logo percebemos sua origem mundana. Alegou que algumas denominações também “santificam” músicas profanas. Existe uma relação de músicas eruditas inconvenientes ao culto; nela consta o hino no. 60 do HCC (ver: Hollanda, op. cit., pp.122 e 123).
O compositor pensa que a música de igreja seria mais animada, se fossem usados os instrumentos de percussão. Em sua esteira, para alguns evangélicos modernosos deveria haver dança e sapateado. Afinal, teríamos nas igrejas evangélicas “shows” de música popular, mas não cultos com música reverente, propícia à meditação, confissão e contrição dos cultuantes.
A exiguidade do nosso espaço não nos permite focalizar outras balelas de Flávio Santos. Mas a principal, “não existe música santa”, parece-nos, foi desfeita, em consideração às milhares de pessoas que, dentro e fora das igrejas, preservam as obras da Música Sacra.
Rolando de Nassau é organizador do “Dicionário de Música Evangélica” e tem sido, por vários anos, colunista de O Jornal Batista, atuando como um perspicaz comentarista dos rumos que a música evangélica tem tomado. Informações mais detalhadas sobre o autor poderão ser encontradas em http://www.nassau.mus.br/
Os editores do Música Sacra e Adoração agradecem ao autor pela contribuição.