A Música na Adoração – Apêndice E

por: Adrian Ebens

As Alterações Filosóficas na Sociedade Ocidental no Século Vinte

Do livro: The God Who is There de Francis Schaeffer. págs. 13-21

O Abismo se Estabelece Antes da Divisão

O atual abismo entre as gerações surgiu quase que inteiramente através de uma alteração no conceito da verdade.

Para onde quer que você olhe hoje, este novo conceito domina. O conceito é praticamente monolítico, não importa se você observa as artes, literatura ou simplesmente lê os jornais e revistas como Time, Life, Newsweek, The Listener ou The Observer. Por todos os lados você sente o a opressão desta nova metodologia – e por ‘metodologia’ queremos nos referir à maneira como abordamos a verdade e o conhecimento. É como estar sufocado por um nevoeiro londrino particularmente intenso. E, assim como um nevoeiro não pode ser contido do lado de fora por paredes ou portas, da mesma forma este consenso está à nossa volta, até que não se possa mais distinguir o quarto em que estamos, e mesmo assim, dificilmente temos consciência do que aconteceu.

A tragédia para a nossa situação hoje é que os homens e mulheres estão sendo fundamentalmente afetados pela nova forma de encarar a verdade e, contudo, ainda nem mesmo analisaram a transformação ocorrida. Nossos jovens oriundos de lares cristãos são criados na antiga estrutura da verdade. E então são expostos à estrutura moderna. Assim, ficam confusos, porque não conseguem compreender as alternativas às quais são apresentados. A confusão se transforma em perplexidade, e em pouco tempo estão derrotados pela avalanche. Infelizmente isto é verdade não apenas com relação aos jovens, mas também com muitos pastores, educadores cristãos, evangelistas e também missionários.

Assim, esta metamorfose no conceito da maneira pela qual chegamos ao conhecimento e à verdade é o problema mais crucial, da forma como a compreendo, enfrentado pela cristandade hoje.

Se você vivesse na Europa antes ou por volta de 1890, ou nos Estados Unidos antes de 1935, não teria que gastar muito tempo, na prática, pensando a respeito dos teus pressupostos. . (Estas datas podem ser ligeiramente arbitrárias, uma vez que a mudança ocorreu na Europa, pelo menos, muito gradualmente. Na América os anos cruciais da mudança foram entre 1913 a 1940 e durante estes relativamente poucos anos toda a maneira de pensar passou por uma revolução – 1913 foi um anos muito importante nos Estados Unidos, não porque tenha sido o ano anterior à Primeira Guerra Mundial, mas por uma outra razão altamente significativa, como veremos mais adiante.)

Antes destas datas, todas as pessoas estiveram operando a partir de praticamente os mesmos pressupostos, os quais, na prática, pareciam estar de acordo com os próprios pressupostos cristãos. Isto era verdade tanto na área da epistemologia quanto da metodologia. Assim, pode ser dito que os não cristãos não tinham direito de agir baseados nos pressupostos pelos quais agiam. E isto é verdade. Eles estavam sendo românticos, ao aceitarem respostas otimistas sem uma base suficiente. De qualquer forma, continuaram a pensar e a agir como se estes pressupostos fossem verdadeiros.

Quais eram esses pressupostos? O pressuposto básico era que realmente existiam coisas tais como absolutos. Eles aceitaram a possibilidade de absolutos na área do Ser (ou conhecimento), e na área da moral. Portanto, como eles aceitaram a possibilidade de absolutos, embora os homens pudessem discordar acerca de quais eram, de qualquer forma podiam juntos racionalizar sobre a base clássica da antítese. Assim, se alguma coisa era verdade, o oposto era falso. Na moralidade, se uma coisa era correta, o seu oposto era errado. Esta pequena fórmula ‘Se você tem um A, isto não é um não-A’, é o primeiro movimento na lógica clássica. Se você compreender a extensão em que esta forma de pensar não tem mais influência, compreenderá nossa situação atual.

Absolutos implicam em antíteses. O não cristão permanecia operando romanticamente nesta base sem um fundamento suficiente para agir assim. Desta forma, ainda era possível discutir o que era certo ou errado, o que era verdadeiro ou falso. Você poderia dizer para uma não cristã para ‘ser uma boa moça’ e, embora ela pudesse até não seguir este teu conselho, pelo menos ela teria entendido sobre o que você estava falando. Dizer a mesma coisa para uma garota verdadeiramente moderna seria fazer uma afirmação ‘nonsense’. O olhar parado que você provavelmente receberia não significaria que os teus padrões tivessem sido rejeitados, mas que a tua mensagem teria sido sem sentido.

A alteração foi tremenda. Há trinta ou mais anos atrás você poderia dizer coisas como ‘É verdade’ ou ‘Está certo’, e você estaria em sintonia com todos. As pessoas poderiam ter questionado ou não de forma consistente as suas crenças, mas todos estariam se comunicando como se a ideia da antítese fosse correta. Desta forma, no evangelismo, em assuntos espirituais e na educação cristã, você podia começar a falar com a certeza de que a tua audiência te compreenderia.

Uma Apologética de Pressupostos Teria Barrado a Decadência

É realmente um fato infeliz que nossos ‘pensadores’ cristãos, na época antes que esta transformação ocorresse e o abismo se estabelecesse, não tenham ensinado e pregado com uma visão clara dos pressupostos. Houvessem eles feito isso e não teriam sido apanhados de surpresa, e poderiam ter ajudado os jovens a enfrentar as suas dificuldades. O que é realmente engraçado é que mesmo agora, anos depois da mudança ter ocorrido, muitos cristãos ainda não sabem o que está acontecendo. E isto acontece porque não lhes é ensinado a importância de pensarem em termos de pressupostos, especialmente no que diz respeito à verdade.

As águas do dilúvio do pensamento secular e a nova teologia inundaram a igreja porque os líderes não compreenderam a importância de combater um conjunto falso de pressupostos. De forma geral eles lutaram esta batalha no terreno errado e assim, em vez de estarem bem à frente tanto na defesa quanto na comunicação, ficaram vergonhosamente para trás. Esta foi uma fraqueza real, a qual, mesmo hoje em dia, é difícil de corrigir entre os evangélicos.

A utilização da apologia clássica antes que esta transformação ocorresse só era eficaz porque os não cristãos estavam operando, na superfície, sobre os mesmos pressupostos, mesmo que tivesse uma base inadequada para eles. No pensamento da apologética clássica, os pressupostos raramente são analisados, discutidos ou levados em consideração.

Assim, se um homem se levantasse para pregar o evangelho e dissesse ‘Creiam nisto, é verdade’, os que o ouvissem teriam dito ‘Bem, se isso é assim, então o oposto disso é falso’. O pressuposto da antítese impregnava toda a perspectiva mental do homem. Não devemos nos esquecer que o cristianismo histórico se sustenta sobre uma base de antítese. Sem ela, o cristianismo histórico seria sem sentido.

A Linha do Desespero

Portanto, temos uma linha de datas assim:

Note aquilo que chamo de linha, a linha do desespero. Acima desta linha encontramos pessoas vivendo com suas noções românticas de absolutos (embora sem bases lógicas suficientes). Deste lado da linha tudo mudou. Os homens pensam de forma diferente com relação à verdade e assim, mais do que em qualquer tempo antes, uma apologética de pressupostos é imperativa.

De forma a compreendermos claramente esta linha do desespero, pense nela não como uma simples linha horizontal, mas como uma escadaria:

Cada um dos degraus representa um certo estágio no tempo. Quanto mais anterior, mais alto, estando o posterior mais baixo. Foi nesta ordem que a transformação na verdade afetou as vidas dos homens.

Esta transformação espalhou-se gradualmente e de três formas diferentes. As pessoas não acordaram de repente, uma certa manhã e descobriram que ela havia permeado tudo de uma vez.

Primeiro de tudo ela se espalhou geograficamente. As ideias começaram na Alemanha e se espalharam. Elas afetaram primeiro o continente, cruzaram o canal para a Inglaterra e então o Atlântico para a América. Em segundo lugar ela se espalhou através da sociedade, a partir dos verdadeiros intelectuais para os mais educados, desceu para os trabalhadores, alcançando a classe média por último. Terceiro, espalhou-se conforme representado no diagrama, de uma disciplina para outra, começando com os filósofos e terminando com os teólogos. A Teologia permaneceu a última por um longo tempo. É curioso para mim, ao estudar toda esta metamorfose cultural, que muitos pegam o último modismo teológico e apregoam-no como algo novo. Mas, de fato, aquilo que a nova teologia está falando agora já havia sido dito anteriormente em cada uma das outras disciplinas.

É importante compreender a natureza fundamental desta linha. Se tentarmos evangelizar as pessoas como se elas estivessem acima da linha quando na realidade estão deste lado dela, simplesmente daremos socos no ar. Isto se aplica tanto a estivadores quanto a intelectuais. O mesmo é verdade no conceito da espiritualidade. Deste lado da linha, ‘espiritualidade’ se torna exatamente o oposto da espiritualidade cristã.

Unidade e Falta de Unidade no Racionalismo

Há uma verdadeira unidade no pensamento não cristão, bem como diferenças dentro desta unidade. A transformação que ocorreu abaixo da linha do desespero é uma das diferenças dentro do pensamento não cristão. O fator unificador pode ser chamado de racionalismo ou, se preferir, humanismo – embora que, se usarmos este segundo termo, devemos ter o cuidado de distinguir seu significado neste contexto de seu significado num sentido mais limitado, dado em livros tais como The Humanist Frame, editado por Sir Julian Huxley. Este outro tipo de humanismo tornou-se um termo técnico dentro do significado mais amplo da palavra. Humanismo, no sentido inclusivo, é o sistema no qual o homem, começando absolutamente por si mesmo, tenta construir racionalmente a partir de si, tendo apenas o homem como ponto de integração, para descobrir todo o conhecimento, significado, e valor. Mais uma vez, a palavra racionalismo, que significa o mesmo que humanismo no sentido mais amplo, não deveria ser confundida com a palavra racional. Racional significa que as coisas que se referem a nós não são contrárias à razão, ou, em outras palavras, a aspiração do homem à razão é válida. E assim, a posição Judaico-Cristã é racional, mas é a própria antítese do racionalismo.

Assim, o racionalismo ou humanismo é a unidade dentro do pensamento não cristão. Portanto, se os cristãos pretendem ser capazes de compreender e conversar com os homens de sua geração, devem levar em conta a forma que o racionalismo está tomando na atualidade. De certa maneira, é sempre a mesma, ou seja, os homens tentando construir a partir de si mesmos. Em outro sentido ela está em constante mudança, com diferentes ênfases, com as quais o cristão deve estar acostumado, se não pretende se equipar para trabalhar em um período que não existe mais.

A linha do desespero indica uma metamorfose titânica nesta época atual dentro do racionalismo. Acima da linha os homens eram racionalistas otimistas. Criam que podiam começar a partir de si mesmos e traçar um círculo que abrangesse todos os pensamentos da vida, e própria vida em si, sem que fosse necessário sair da lógica da antítese. Pensavam que por si próprios, de forma racional, os homens finitos poderiam encontrar uma unidade na total diversidade. Eis aonde se encontrava a filosofia, antes dos nossos dias. A única discussão real entre estes racionalistas otimistas era a respeito do círculo que deveria ser desenhado. Um homem desenhava um círculo e dizia, ‘Podemos viver dentro deste círculo’. O homem seguinte o transpunha e desenhava um círculo diferente. O homem seguinte vinha e, transpondo o círculo anterior, desenhava o seu próprio círculo – ad infinitum. Assim, se começarmos a estudar a filosofia pesquisando a história da filosofia, no momento em que vermos todos estes círculos, cada um deles sendo destruído pelo círculo seguinte, podemos nos sentir como que saltando da Ponte de Londres!

Mas em um determinado ponto esta tentativa de construir um humanismo otimista parou. Neste ponto os filósofos chegaram à conclusão de que não iriam descobrir um círculo racionalista unificado que pudesse conter todo o pensamento, e dentro do qual pudessem viver. É como se de repente os racionalistas ficassem trancados em uma grande sala redonda, sem portas e sem janelas, nada além da completa escuridão. A partir do centro da sala eles deveriam tatear para achar o caminho até as paredes e começar a procurar uma saída. Eles dariam a volta nesta circunferência e então a terrível verdade desabaria sobre eles, de que não havia saída alguma! No final, os filósofos chegaram à conclusão de que não seria possível encontrar este círculo racionalista unificado e portanto, deixando de lado a metodologia clássica da antítese, eles transformaram o conceito da verdade, e assim, o homem moderno nasceu.

Desta maneira o homem moderno se moveu para baixo da linha do desespero. Foi levado a isso contra a sua vontade. Ele permanecia um racionalista, mas havia mudado. Nós, como cristãos, compreendemos esta mudança no mundo contemporâneo? Se não a compreendemos, então estamos, na maioria das vezes, falando sozinhos.

A Tendência em Direção a uma Cultura Uniforme

A importância de compreendermos o abismo ao qual o homem foi arrastado pelo seu pensamento não é de valor apenas intelectual, mas também de valor espiritual. O cristão deve resistir ao espírito do mundo. Mas quando dizemos isto devemos entender que o espírito do mundo nem sempre se apresenta da mesma forma. Portanto o cristão deve resistir o espírito do mundo na forma que ele assume na sua própria geração. Se ele não fizer isso, não está, de forma alguma, resistindo ao espírito do mundo. Isto é especialmente verdadeiro para a nossa geração, uma vez que as forças operando contra nós são tão abrangentes. É a nossa geração de cristãos, mais do que qualquer outra, que precisa atentar a estas palavras, que são atribuídas a Martinho Lutero:

Se eu professar com a mais alta voz e a mais clara exposição cada porção da verdade de Deus, exceto precisamente aquele pequeno ponto ao qual o mundo e o diabo estão dirigindo seus ataques naquele momento, não estou confessando a Cristo, por mais ousadamente que esteja professando a Cristo. Onde a batalha está mais feroz, ali a lealdade do soldado é provada, e estar firme em todos os outros campos de batalha significa fugir, e cair em desgraça de falhar naquele ponto.

Seria falso dizer que sempre existe uma cultura totalmente uniforme. Não é assim. E mesmo assim, conforme estudamos a arte e a literatura do passado e as coisas que nos auxiliam a compreender uma cultura, descobrimos que existe uma tendência a um movimento na direção de um todo monolítico e uniforme.

Através do estudo da arqueologia é possível demonstrar como uma certa ideia de desenvolveu em um certo lugar e então, através de um período de várias centenas de anos, espalhou-se por amplas áreas. Poderíamos dar como exemplo a cultura Indo-Européia, cuja dispersão pode ser traçada pelo fluxo de certas palavras.

No passado distante levava tanto tempo para os conceitos culturais de disseminarem que, quando alcançavam outras áreas, muitas vezes já haviam sofrido alterações em seu lugar de origem. Mas hoje o mundo é pequeno e é muito possível ter uma cultura monolítica se espalhando rapidamente e influenciando grandes segmentos da humanidade. Nenhuma barreira artificial, tal como a Cortina de Ferro, pode evitar o fluxo de ideias. Conforme o mundo encolheu, e desta forma tornou-se pós-cristão, ambos os lados da Cortina de Ferro seguiram a mesma metodologia e a mesma forma monolítica de pensamento, ou seja, a falta de absolutos e de antíteses, levando ao relativismo pragmático.

Em nossas formas modernas de educação especializada, existe uma tendência de dividir o todo em partes e, neste sentido, podemos dizer que a nossa geração produz poucos homens verdadeiramente educados. A verdadeira educação significa pensar por associação, através das várias disciplinas, e não apenas ser altamente qualificado em um campo, como um técnico deve ser. Suponho que nenhuma disciplina tenha tido a tendência de ser pensada de forma mais fracionada do que a teologia evangélica ou ortodoxa de hoje.

Aqueles que estão na corrente do cristianismo histórico têm sido especialmente lentos em compreender os relacionamentos entre as diversas áreas de pensamento. Quando o apóstolo nos advertiu a ‘nos mantermos – isentos da corrupção do mundo’, não estava falando de uma abstração Se o cristão deve aplicar esta injunção a si mesmo, precisa compreender o que o confronta de forma antagônica em seu próprio momento da história. De outra forma ele se torna simplesmente uma peça inútil de museu e não um guerreiro vivo por Jesus Cristo.

O cristão ortodoxo pagou um preço muito alto, tanto na defesa quanto na comunicação do evangelho, por sua falha em pensar e agir como um homem educado em luta contra a uniformidade da nossa cultura moderna.

Kierkegaard, o Primeiro Homem Abaixo da Linha

Tem sido dito com freqüência que Søren Kierkegaard, o dinamarquês (1813-55), é o pai de todo o pensamento moderno. E realmente o é. Ele é o pai de nosso pensamento secular moderno e do novo pensamento teológico. Agora o nosso diagrama tem esta aparência:

Por que é que Kierkegaard pode ser tão apropriadamente chamado de pai de ambos? Qual proposição ele acrescentou ao pensamento de Hegel, que fez toda esta diferença? Kierkegaard chegou à conclusão de que não era possível chegar a uma síntese através da razão. Ao contrário, tudo que é importante se consegue através de um salto de fé. Assim, ele separou de forma absoluta a razão e a lógica da fé. A razão e a fé não possuem qualquer relacionamento uma com a outra.

Nota do autor: Isto poderia explicar a razão pela qual os conservadores perguntam ‘O que á a verdade?’ enquanto que os liberais perguntam ‘Como posso experimentar a verdade?’. Se defendermos uma música que enfatiza a experiência, mas que deprecia a verdade, que estrutura estaremos estabelecendo para as nossas congregações? A cristandade está fundada na razão e no conhecimento, sobre os quais baseamos a nossa fé. ‘Quando os fundamentos são destruídos, que pode fazer o justo?’ Salmos 11:3


Próxima parte: Apêndice F – Um Resumo dos Efeitos Psico-Fisiológicos da Música