A Música na Adoração – Parte 2c

por: Adrian Ebens

Fontes Para um Modelo Cristão de Música na Adoração – A Tradição

Um dos muitos legados deixados ao cristianismo por João Wesley é o seu modelo para a determinação de uma correta teologia. Conhecido como “Quadrilátero Wesleyano”, este modelo sugere quatro fontes para o desenvolvimento de uma teologia cristã. Eles são: As Escrituras (a Bíblia, dentro de uma exegese apropriada), A Razão (as descobertas da ciência e do raciocínio humano), A Experiência (encontros individuais e coletivos com a vida) e A Tradição (os ensinamentos da igreja através da história). (16) Estas quatro fontes sugerem uma base apropriada para o desenvolvimento de um modelo cristão para a música na adoração.

A Prática Histórica da Igreja

Conforme mencionado nas delimitações, para os propósitos deste estudo, avaliaremos a história da utilização da música a partir do período da reforma. No período da reforma o poder de controla da igreja sobre as artes estava começando a diminuir, sob a influência da renascença. (61) Routley nos dá a seguinte análise da música nesta época:

“A música da igreja… [tinha] se tornado um meio altamente desenvolvido e sutil de expressão, ainda completamente sob controle da igreja, ainda amplamente segregada da música secular, ainda executada por coros que eram os descendentes diretos dos coros de monges das antigas abadias e mosteiros, ainda associada primariamente com as palavras litúrgicas que são parte do complexo esquema de adoração na igreja católica. Os coros eram empregados não para liderar o canto congregacional, mas para cantar uma música à qual a congregação meramente ouvia.” (62)

Martinho Lutero, Zwínglio e Calvino – Século XVI

Lutero era não apenas um teólogo, mas também um músico. Comparado com outros de seu tempo, Lutero era bastante conservador musicalmente. Havia muito da liturgia tradicional que ele amava. Ele alterou o mínimo possível. (63) A maior alteração de Lutero foi permitir que a congregação participasse no cântico. Lutero queria que o povo expressasse sua fé através do cântico de hinos em seu próprio idioma. (64) Durante a reforma era típico tomar material emprestado de outras fontes, mesmo de fontes seculares, para uso sacro. Isto era possível devido à unidade que existia na cultura como um todo. Esta unidade continuou existindo até o século XIX. (65) “O hino luterano típico é uma letra adaptada a uma melodia fundamentada ou não em uma melodia secular a qual podia ser cantada em conjunto com facilidade… Era simplesmente aquilo que o povo estava acostumado a cantar fora da igreja… Lutero estabeleceu como seu objetivo cruzar a fronteira entre a música sacra e a secular. Que seja música, ele disse, e nós a tornaremos sacra como ela deve ser.” (66) Lutero parecia ser bastante austero quando escolhia material para ser usado na igreja. Embora houvesse muita música popular disponível a ele, desde canções de bebida e melodias de dança até canções religiosas folclóricas, Lutero escolheu apenas aquelas canções que poderiam se prestar melhor para temas sacros. (67) Os seguidores de Martinho Lutero nem sempre foram tão cuidadosos quanto ele o foi. (68) Zwínglio e Calvino, por outro lado, foram ultraconservadores em comparação a Lutero. Eles suspenderam todo cântico congregacional e coral. Também ordenaram a demolição dos órgãos nas igrejas. “Calvino ordenou que não deveria haver qualquer tipo de música na adoração pública, exceto aquela que pudesse ser cantada por todos os presentes, e esta música deveria ser cantada em uníssono sem qualquer tipo de acompanhamento instrumental… Além disso, nada deveria ser cantado que não fosse baseado literalmente na Bíblia.” (69)

O Metodismo – Século XVIII

Desde o mais remoto princípio o reavivamento metodista foi um movimento de cânticos. As melodias metodistas tinham a tendência de serem vivazes… Os ritmos eram animados e o tempo com que os hinos eram cantados era muito mais rápido do que havia sido entre as congregações das capelas. (70) As influências seculares na hinodia Wesleyana deram ao próprio João Wesley um desprazer que ele não hesitou em expressar. (71)

A direção que a música popular da igreja tomou durante o período dos primeiros estágios do reavivamento evangélico foi no sentido de uma abundante retórica e afastando-se da integridade musical. Em seu melhor, a música popular da igreja no décimo oitavo século expressa o calor e a hospitalidade do reavivamento evangélico. O melhor de suas melodias, um convite para crer. O pior de suas melodias soa como um convite para se conformar [com o mundo secular]. (72)

Romantismo e Reavivamento – Século XIX

Por volta do século XIX o poder da igreja Romana sobre o estado tinha sido completamente quebrado. A igreja, que por muitos séculos havia sido a patrona das artes, estava perdendo o seu lugar. Um dos impactos nas artes, como resultado da renascença na Europa foi o surgimento do Romantismo. “O romantismo surgiu como uma revolta contra a convenção e a autoridade, seja em assuntos pessoais, religiosos, civis ou artísticos.” (73) Os artistas se tornaram menos preocupados em agradar o seu público do que em expressar seu verdadeiro eu. (74) Este espírito foi incentivado pela Revolução Francesa, a época em que o homem moderno veio à existência. Não é surpreendente que este tipo de desenvolvimento levou a música moderna a se divorciar completamente da igreja. (75) A partir de uma perspectiva protestante, a música se tornou carregada de emocionalismo. Sentimentalismo com a evocação da emoção sem a aceitação da responsabilidade. (76)

O Século XX e a Cultura Ocidental

O impacto do homem moderno individualista tem levado a um senso pluralista de desesperança. Os valores cristãos tem sido especialmente alvejados nesta tendência geral.

O mundo mudou nas últimas décadas. Temos assistido o colapso de uma cultura. Cada vez mais nos vemos vivendo em um mundo que é pós-cristão, e até mesmo pós-humanista, um mundo neo-pagão, um mundo nihilista, ou anarquista, ou místico. (77)

A edição de setembro da revista Time disse o seguinte acerca da cultura ocidental, a partir de uma perspectiva americana: “As taxas de divórcio e de nascimentos fora do casamento nos EUA são realmente espantosas, assim como as taxas relacionadas de abuso e negligência infantil. Canções celebrando o estupro e o assassinato não são o sinal distintivo de uma cultura sadia.” (78) Esta tendência apresenta certamente um problema para a cristandade. Como a igreja tem respondido? Como um ponto de comparação Routley sugere que durante a Idade Média “os músicos faziam parte do clero.” No século XX eles têm sido “cada vez mais não apenas leigos, mas agnósticos.” (79) Routley forneceu um interessante resumo da música da igreja desde o século XVI até o século XX. (80) Ele observa que nos séculos XVI e XVII os músicos incorporavam livremente estilos seculares em sua adoração. Isto era parcialmente devido à unidade da cultura, mas também à habilidade dos músicos. No século XX, a música secular nos círculos conservadores foi vilipendiada e abertamente rejeitada. Isto criou uma mentalidade encastelada, e uma separação distinta dos estilos eclesiásticos e mundanos. Esta mentalidade encastelada preservou os estilos musicais das gerações anteriores e frustrou o desenvolvimento artístico dos artistas cristãos. Os cristãos agora não têm as habilidades apropriadas para incorporar corretamente os estilos seculares. A situação é complicada pelo fato de que qualquer congregação evangélica atrai ao seu bojo pessoas que vem do mundo com seus gostos musicais. Este processo simplesmente criará um efeito retardado da cultura secular – a música aceitável se torna aquela de duas ou três gerações passadas. Routley afirma que existe claramente um erro aqui (81) e que esta tendência parece estar ocorrendo nas igrejas Adventistas do Sétimo Dia. Se os músicos fossem altamente habilidosos e treinados, poderia ser possível corrigir estilos seculares importantes sem frustrar a habilidade criativa.

O Dilema da Cultura do Século XX

Então é simples assim? Podemos simplesmente fazer como a igreja tem feito no passado? Lillianne Doukhan diz que é um pouco mais complicado do que antes. “Deveríamos considerar não apenas os paralelos com a história passada… mas também estarmos plenamente conscientes das diferenças. Com efeito, a situação atual carrega novos elementos específicos que tornam o processo de mudança muito mais complexo e certamente mais delicado.” (82) Mas então, por que este processo é mais complexo? (83) Notamos anteriormente o surgimento do romantismo, o qual caracterizava uma revolta do artista com relação à autoridade e à convenção. Esta tendência levou alguns músicos a permear a sua música com qualidades religiosas. Schafer identifica elementos de panteísmo em Beethoven (1770-1827), Wagner (1813-1883) e Debussy (1862-1918). (84) A música de Wagner era uma reflexão sobre suas próprias experiências emocionais e filosóficas. Wagner tem sido visto como o divisor de águas da história da música – a própria encruzilhada da ambigüidade – o divisor de águas após o qual a música nunca mais poderia ser a mesma; Ele direciona a história da música diretamente para a iminente crise do século vinte. (85) A arte moderna, por volta do início do século vinte tinha se tornado um tipo de religião mística, fazendo de si mesma um deus, uma revelação, uma solução mística para as questões mais profundas da humanidade. (86) Esta filosofia dos meios existentes não conseguia alcançar as massas. Um novo meio estava para surgir – a Música Pop. Scheaffer afirma “Não pode ser encontrada uma maior ilustração da forma como estes conceitos são levados às massas do que na música pop. (87) Em sua obra The Triumph of Vulgarity, Pattison declara firmemente como o panteísmo romântico vive na cultura das massas do século vinte e que isto é especialmente evidente na música rock. “A música rock é o triunfo da vulgaridade e o retorno ao barbarismo.” (88) Palavras fortes, certamente, mas que merecem consideração.

Resumo

A tensão entre a música para Deus e a música para o homem sempre confrontou a igreja. Se a música está longe demais do povo, então ela não é mais a expressão deste povo. Lutero, em um esforço para permitir que os leigos cantassem, usou música que era popular, porém apropriada para a adoração. O trabalho de Lutero foi facilitado pela unidade que existia na cultura daquele tempo. O século vinte é muito mais complexo porque a divisão entre a igreja e o mundo aumentou e as pessoas da igreja geralmente não tem as mesmas habilidades que Lutero teve para “batizar” os estilos seculares. O sucesso está no equilíbrio entre onde o povo está e onde Deus está. Este equilíbrio é exemplificado de forma mais poderosa no princípio da Encarnação – ir ao encontro das pessoas onde elas estão, mas dirigi-las ao ideal de Deus. Embora seja simples de dizer, isto é muito difícil de colocar em prática, conforme veremos a partir dos dados da pesquisa.


Próxima parte: Fontes Para um Modelo Cristão de Música na Adoração – A Experiência – Resultados da Pesquisa