Música, Adventismo e Eternidade – Capítulo II

por: Pr. Dario Pires de Araújo

Laodicéia

22 de outubro de 1844.

Chegou meia noite. Jesus não voltou. Milhares caíram na realidade do segundo maior desapontamento da História, depois daquele primeiro que os discípulos sofreram com a morte de Jesus. Naquela ocasião nascia a Igreja Cristã. Agora nascia Laodicéia, o último segmento do cristianismo.

“Choramos e choramos até o amanhecer”, conta Hiran Edson. Na manhã seguinte, atravessando um grande campo de milho, compreendeu ele o porquê da decepção. Laodicéia nasceu chorando mas seu fim será cantando triunfos. O levantar das cinzas chegará a uma gloriosa apoteose.

Não posso imaginar que pudessem ter cantado nestes primeiros dias. Quando, porém, a compreensão das causas do desapontamento Ihes iluminou a vida, com certeza voltaram a cantar.

É difícil hoje dizer exatamente todos os hinos que os Adventistas remanescentes estudiosos da Bíblia cantavam. Muito provavelmente os cânticos a que estavam acostumados em suas igrejas de origem e nas reuniões reavivamentistas. Ao se reunirem em grupos que iam aceitando as doutrinas básicas, tinham que se harmonizar também no material de música.

A primeira coletânea que o Pastor Tiago White preparou em 1849 era apenas de 48 páginas, só com as palavras (sem música) de hinos que deveriam ser os mais conhecidos e selecionados. O título era sugestivo: “Hymns for God’s Peculiar People That Keep the Commandments of God and the Faith of Jesus”. Nos anos seguintes ele compilou e publicou hinários maiores, alguns dos quais com música (S.D.A.B.C., X, pág. 1422).

Na primavera de 1845, quando Ellen Harmon acabava de narrar uma visão que tivera do céu (não a primeira, vide Test. I, 67-71 e E. W. Pág. 17-20), William H. Hyde, encantado, escreveu o cântico:”We Have Heard from the Bright Holy Land.” (Nós ouvimos da terra santa de esplendor). Himes o publicou em 1849 na “Advent Harp”, após ter sido publicado em periódicos. Está no atual Hinário Adventista em

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inglês (nr. 453), com a data de 1850 (SDABC, X, pág. 551).

O filho James Edson do casal White também compunha; exemplos temos no C. S. nr. 324 e 489 (1878) e no nr. 172.

Em 1872 o Pastor White apresentou uma coletânea chamada: “Hymns and Spirituals Songs for Camp-Meetings and Other Religious Gatherings” (Steam Press of the Seventh-Day Adventist Publishing Association, Battle Creek, Mich.), que deve ter sido preparada durante ou logo após seu segundo período de presidência na Associação Geral. Pena que dos 245 cânticos apenas 39 são com música. O Pastor White tinha razão ao considerar sua coleção “muito superior”, pois bem pouca influência apresenta dos cânticos reavivamentistas extravagantes, prova de que nossa Organização crescia em aprimoramento do material que punha na mão dos membros para que cantassem.

Este processo continuou ao surgirem em 1886 dois grandes nomes que exerceram vasta influência na música de nossa Igreja: Franklin E. Belden (1858-1945) e Edwin Barnes (Diretor do Departamento de Música no Battle Creek College entre 1884 e 1900). Prepararam o hinário “Hymns and Tunes”. A projeção deles pode ser verificada no índice de autores e compositores do C. S. Belden também compilou o “Christ in Song”. Infelizmente Belden, desgostoso por injustiças (infundadas, porém) atribuídas aos editores de seus hinos, desligou-se da Igreja em 1907, sem ter aceito a doutrina da Justificação pela Fé (SDABC, X, p. 117).

Em 1926 a Review and Herald publicou o “The Gospel in Song.”

Durante os anos mais recentes os Adventistas na América usavam o “Church Hymnal”, substituído em 1985 pelo “Seventh-Day Adventist Hymnal”, com 695 hinos.

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Acontece, porém, que Laodicéia é um movimento mundial a toda nação, tribo, língua, e povo. Isto não foi compreendido pela Igreja durante trinta anos após 1844, em virtude da estreiteza de sua visão e pela falta de condições. Era a época da estruturação doutrinária e organizacional.

O ano de 1874 é um marco para o adventismo, pois a 15 de novembro, John Nevins Andrews partiu de Boston rumo à Suíça.

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Laodicéia aceitava o repto da Missão Mundial.

Com a pregação do Evangelho Eterno – as Três Mensagens Angélicas – as raízes de Laodicéia se estenderam a todos os Continentes e ilhas do Mar. Em cada lugar, porém, o que cantariam os novos conversos? Cada povo com sua etnia, formação, cultura, desenvolvimento, costumes, etc., não seriam problemas insolúveis para a Igreja que deve preparar um povo de todas as raças para a música dos coros celestiais? Será possível uma unidade em tal diversidade? Não será este um problema de proporções super-humanas?

Felizmente os homens não precisam querer por si próprios solucionar este problema, como não precisam solucionar o problema da guarda do Sábado num mundo redondo. Assim como Deus criou o mundo redondo e tem a solução, também derramou abundante luz diante da Igreja Mundial, apresentando os princípios que Ihe norteiam o canto. Assim como o Cristianismo, com princípios, soluciona o problema dos costumes, Deus soluciona os problemas de diferenças culturais na música com princípios. Laodicéia não precisa sentir-se perdida nem confusa. É só seguir as orientações divinas.

Neste aspecto, este livro também poderá ser muito útil.

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No Brasil, o trabalho dos Adventistas começou entre os alemães. Por esta razão, os primeiros conversos cantavam em alemão. Usavam o hinário “Zions Lieder”, que, já na segunda edição (1908) era volume com nada menos de 1050 hinos e cânticos.

Um problema começou a surgir quando brasileiros começaram a se converter. Que cantariam eles em seus lares e seus grupinhos? Alguns irmãos dos mais antigos, que naquela época eram crianças, nos informaram que recorriam a hinários de outros evangélicos, como o “Cantor Cristão” e o “Salmos e Hinos” que já existiam no século passado. Ouvimos até um de nossos pioneiros cantar, de cor, um hino de Escola Dominical, da guarda do domingo, que aprendera naquele tempo.

Os primeiros colportores lançavam sementes, conversos eram batizados e o número de adventistas crescia.

O Pastor Guilherme Stein foi o primeiro adventista a traduzir alguns hinos para o Português, em número de uns dez ou quinze, cuja lista ele próprio forneceu ao Dr. Gideon de Oliveira antes

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de falecer, com outro material informativo de sua conversão e experiência.

Diziam nossos obreiros mais antigos que houve um pequeno caderninho compilado com perto de setenta cânticos, sem música, no qual os primeiros alunos do IAE (CAB) chegaram a cantar.

Quando este Colégio era fundado (1915), apareceram jovens poetas muito promissores que, ao lado de missionários pioneiros, tiveram parte em hinários posteriores.

Foi em 1919 que a Casa Publicadora Brasileira lançou a 1a edição do antigo “Cantai ao Senhor” (“Cantae ao Senhor – Psalmos e hymnos para cultos e solenidades religiosas”). Além de alguns cânticos extraídos de outros hinários evangélicos, juntaram-se outras poesias em português, perfazendo um total de 321, para serem cantados com músicas do “Zions Lieder” e do “Christ in Song”, fruto do trabalho de Jacob Kroecker, Carlos Rentfro, Mabel Gross, Albertina Rodrigues Simon (pioneira que sobreviveu para contribuir de forma brilhante na elaboração do mais moderno “Cantai ao Senhor”, meio século depois), e outros. Era dividido em três partes: 1a – de 283 cânticos, 2a – (Diversos) do nr. 284 ao 307, e a 3a – (O “Molho de Hymnos para colportores”) de 308 a 321, tendo no fim até cânticos especiais do Colégio e do Capão Redondo (bairro onde o CAB se assentou).

Em cada edição das que se seguiram houve modificações. À 2a, de 1921, seguiram-se a 3a (1925) e a 4a (1928), com correções feitas pelo Prof. Flávio Monteiro, que lecionava Português no CAB.

O grande passo, entretanto, foi dado em 1930. Era o adventista brasileiro podendo segurar nas mãos um hinário com música! Cantar olhando as notas! Sem dúvida, para um país com tão elevado índice de analfabetismo na época, era realmente um tremendo progresso, que deve ter contribuído para inspirar muitos a estudarem música. Contudo, estávamos bem atrasados em relação a nossos irmãos de fala castelhana, pois em 1921 a “Pacific Press Publishing Association” incumbiu o Pastor E. L. Maxwell de formar um hinário (que foi já editado com música), contendo 463 hinos (450 a 463 sem música).

O Hinário Adventista foi usado no Brasil durante mais de três décadas, até ser substituído pelo outro “Cantai ao Senhor” em 1963.

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Até este ponto no Brasil, em matéria de Hinário para a Igreja, sentiu-se um considerável aprimoramento. Voltaremos a tratar de Hinários mais adiante, pois Laodicéia não tem mais muito tempo a fim de se preparar para as harmonias dos coros angelicais, e a questão de Hinário é de suma importância nesse processo.

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Capítulo 3

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