Funcionamento do Aparelho Respiratório

por: Sávio Araújo

Para podermos começar a pensar e considerar a maneira pela qual o sistema respiratório funciona, precisamos inicialmente considerar o que é realmente pressão. Por pressão, segundo definição do termo, entendemos o ato de comprimir ou apertar; fisicamente, significa a atuação de uma força constante sobre uma determinada superfície. Consideremos o caso de um balão de borracha. Se um gás como o ar for comprimido dentro de um balão, a pressão no interior deste aumentará. Esta pressão exercerá uma força na superfície do balão, fazendo-o expandir. Ao darmos vazão ao ar através da abertura do balão, a pressão interna expelirá o ar de seu interior; e este fluxo de ar será tão forte e duradouro enquanto a pressão dentro do balão for elevada.

Esta consideração nos mostra um caso onde a pressão interna é maior do que a pressão atmosférica. Há casos onde essa pressão pode ser menor do que a pressão atmosférica: se succionamos o ar de dentro de um recipiente de paredes rígidas, a pressão dentro desde recipiente é reduzida e uma pressão negativa é gerada; ao abrirmos o recipiente, o ar entrará dentro do mesmo a uma razão que é proporcional à esta pressão negativa.

Para se tocar um instrumento de sopro, ou mesmo no canto ou na fala, o que se requer do aparelho respiratório é que este gere uma certa pressão no ar contido nos pulmões. Esta pressão é obtida através da contração de alguns músculos ou grupo de músculos que expandem ou comprimem os pulmões.

Os pulmões constituem-se de uma estrutura esponjosa e que está sempre em processo de encolhimento dentro da caixa torácica. Se retirássemos os pulmões do corpo e suspendêssemos ao ar livre, eles iriam encolher drasticamente. No entanto, dentro da caixa torácica, isto não ocorre devido ao vácuo que os circunda. Quando cheios, os pulmões tentam expelir o ar com uma certa força que é determinada pelo volume de ar em seu interior. Isto significa que os pulmões – uma estrutura elástica semelhante a um balão de borracha – exercem uma força expiratória inteiramente passiva que aumenta de acordo com a quantidade de ar inspirada.

Outro sistema elástico que tem importante participação na geração da pressão do ar é a caixa torácica, com dois importantes grupos musculares que comprimem e expandem os pulmões: os dois músculos que unem as costelas, chamados músculos intercostais, e os músculos da parede abdominal e o diafragma.

Os músculos intercostais são de dois tipos: os intercostais inspiratórios e os intercostais expiratórios. Através da contração dos músculos intercostais inspiratórios, o volume da caixa torácica é aumentado; estes são os músculos usados numa respiração normal. Quando esta atividade dos intercostais inspiratórios cessa, a caixa torácica tende a retornar a seu estado  inicial (de volume não expandido), gerando uma força expiratória passiva, não muscular. Por outro lado, os músculos intercostais expiratórios tem por função a diminuição do volume da caixa torácica; se os usarmos para a expiração, produzimos uma força inspiratória passiva.

 

Um músculo muito importante na respiração – o diafragma – quando relaxado, tem um formato parecido com o de uma tigela invertida, com suas bordas inseridas na parte de baixo da caixa torácica. Quando o diafragma contrai, sua forma, então, passa a ser plana, como a de um prato. Desta maneira, a base da caixa torácica é rebaixada, fazendo com que seu volume aumente e, consequentemente, permita a expansão do volume dos pulmões. Esta ação do diafragma faz com que a pressão nos pulmões decaia, permitindo assim que um fluxo de ar penetre nos pulmões, desde que as vias aéreas estejam livres. Como todo este evento acontece devido à contração do diafragma, conclui-se que o diafragma é um músculo específico da inspiração.

Através de sua contração, o diafragma pressiona o conteúdo abdominal para baixo, o que, por sua vez, empurra a parede abdominal para fora. No entanto, o diafragma só poderá voltar a sua posição original (relaxado) através da ação dos músculos da parede abdominal. Com a contração destes músculos, o conteúdo abdominal é empurrado de volta, para dentro da caixa torácica, movendo desta forma o diafragma para cima, o que acaba por provocar a diminuição do volume dos pulmões. Portanto, podemos concluir que os músculos abdominais são músculos expiratórios.

 

Os músculos abdominais e o diafragma constituem um conjunto de músculos através dos quais podemos inspirar e expirar. O outro grupo de músculos, os intercostais, podem auxiliar ou até mesmo substituir o diafragma e o abdômen em suas tarefas respiratórias.

Podemos concluir então que temos um conjunto de músculos expiratórios assim como forças elásticas passivas que afetam o volume pulmonar e, consequentemente, a pressão do ar em seu interior. Como vimos, o diafragma e os músculos da parede abdominal desempenham um papel de extrema importância no ato respiratório, mas a força passiva de retração dos pulmões e da caixa torácica (recoil forces) são também relevantes. No entanto, a magnitude desta força de retração depende da quantidade de ar contida nos pulmões, ou do volume pulmonar (LC).

A atividade muscular exigida para se manter uma pressão de ar constante depende da capacidade pulmonar. Isto ocorre porque as forças elásticas desenvolvidas pelos pulmões e pela caixa torácica elevam ou diminuem a pressão dentro dos pulmões, dependendo se o volume pulmonar for maior ou menor do que o Resíduo da Capacidade Funcional (FRC). Este Resíduo da Capacidade Funcional é um valor da capacidade pulmonar para o mecanismo respiratório, onde as forças elásticas inspiratórias e expiratórias são iguais.

Quando os pulmões estão cheios, com uma grande quantidade de ar, a força expiratória passiva é grande; portanto, uma pressão elevada é gerada. Entretanto, se esta pressão do ar for demasiadamente alta para a emissão da coluna de ar desejada, esta pode ser reduzida através de uma contração dos músculos inspiratórios. A necessidade desta intervenção por parte dos músculos inspiratórios diminui a medida que diminui o volume de ar nos pulmões, sendo então extinta por completo num ponto onde o volume de ar está pouco acima do Resíduo da Capacidade Funcional (FRC), onde as forças expiratórias passivas são insuficientes para geração da pressão necessária. Deste ponto em diante, os músculos expiratórios são ativados e exigidos cada vez mais para que se possa compensar a crescente força inspiratória da caixa torácica, que está sendo mais e mais comprimida.

Segundo experimentos do Dr. Beverly Bishop (1968), durante a execução de um instrumento de sopro, assim como no canto ou enquanto estamos rindo, é o ajuste refinado da contração da musculatura abdominal que ajuda a controlar o fluxo expiratório com volumes pulmonares abaixo dos níveis expiratórios normais. Durante uma respiração normal, a musculatura abdominal está inativa, mas entra imediatamente em ação quando o volume pulmonar aproxima-se de sua capacidade máxima durante a inspiração. Com o esvaziamento dos pulmões durante a expiração, os músculos abdominais estão novamente inativos até que o volume pulmonar atinja um nível abaixo do volume normal de repouso, ou do Resíduo da Capacidade Funcional (FRC); com o prosseguimento da expiração a partir deste volume e com a conseqüente aproximação do nível residual, a musculatura abdominal torna-se  progressivamente mais ativa até que o esforço expiratório é interrompido abruptamente.

EXERCÍCIOS

Inspiração e Expiração

Exercício 1 (inspiração)

Em posição ereta, inspirar profundamente tanto quanto possível, expandindo a caixa torácica através da contração dos músculos intercostais e da elevação do osso esterno, e também da contração do diafragma. Expirar todo o ar dos pulmões, relaxando-se todos os músculos utilizados para a inspiração (expiração passiva) e contraindo os músculos da parede abdominal.

Exercício 2 (expiração)

Expirar todo o ar contido nos pulmões, comprimindo a caixa torácica através da ação dos músculos da parede abdominal e dos intercostais. Inspirar relaxando-se estes músculos (inspiração passiva) e contraindo-se o diafragma, provocando assim uma expansão da parede abdominal, que projeta a barriga para baixo e para fora.

Obs: Os exercícios 1 e 2 demonstram as forças elásticas de retração do sistema respiratório, nos momentos de expiração (exercício 1) e inspiração (exercício 2). Essas forças elásticas são geradas com maior ou menor intensidade dependendo da quantidade de ar nos pulmões, assim como sua ação depende de uma maior ou menor contração dos músculos respiratórios.

Exercício 3 (expiração controlada)

Inspirar profundamente e expirar vagarosamente todo o ar dos pulmões. Para tanto, manter os músculos inspiratórios contraídos, relaxando-os gradativamente para se manter um fluxo de ar contínuo.

Para o êxito deste exercício, é necessário “brecar” a expiração por meio dos músculos inspiratórios que, mantendo-se contraídos, evitam que o volume torácico decaia rapidamente devido à sua própria força elástica de retração (expiração passiva). Continuando a expirar vagarosamente, atingiremos um ponto onde a musculatura estará relaxada. A partir desse ponto, necessitamos “empurrar” o ar para fora dos pulmões. Através da contração dos músculos da parede abdominal, que empurram o diafragma para cima e para dentro da caixa torácica, fazemos com que o ar seja expelido dos pulmões, mantendo-se assim a mesma razão de expiração.

Exercício 4 (inspiração forçada).

Em posição ereta, com a boca semi aberta, colocar a mão em posição vertical e encostar o dedo indicador junto aos lábios. Inspirar profundamente, como demonstrado no Exercício 1, provocando uma sucção acompanhada de ruído grave e contínuo. Esta sucção deverá ser a mais duradoura possível, pois enquanto houver sucção haverá trabalho muscular para manter a expansão da caixa torácica. Expirar todo o ar, como visto no Exercício 2, sem forçar, deixando que tanto a caixa torácica quanto o abdômen retornem à sua posição inicial de repouso.

Obs: A repetição excessiva deste exercício poderá causar sensações como tonturas ou náuseas, devido a hiperventilação que é provocada pela troca de gases, que acontece em proporções acima dos parâmetros normais, considerando-se uma respiração normal. Na ocorrência destas sensações, interromper o exercício e sentar, permanecendo nessa posição até os sintomas cederem e só então prosseguir, procurando não forçar a sucção e sim mantê-la continuamente, mesmo não sendo em intensidade tão grande.


Sávio Araújo é Professor de Flauta no DM/IA/UNICAMP


Fonte: O presente artigo é um trecho do artigo Aspectos físicos da emissão sonora – A embocadura e a respiração na qualidade do som, disponível em www.iar.unicamp.br/~savio/artigos/breath.pdf