Expressão Vocal e Aprimoramento Auditivo

por: Blacy Cella Gulfier e Guilherme Schlichting de Andrade

Como nós percebemos os sons?

Som é o movimento organizado de moléculas que tem origem num corpo que vibra em um meio (sólido, líquido ou gasoso).

Som:

  • Sensação – Experiência sensorial que podemos relacionar com nossas vidas seja esta relação material ou emotiva.
  • A propagação e percepção do som se dão através da compressão e rarefação das moléculas do ar (ondas sonoras).
  • Propagação e percepção do som pode ser por vibração craniana (vibração interna).
  • A temperatura e o meio interferem na propagação do som
    (frio = propagação do som mais lenta)
    (calor = propagação do som mais rápida).

Audição:

A sensibilidade do ouvido humano é tal, que podemos ouvir um mosquito zumbir do lado de fora da janela ainda que a força do som que chega aos ouvidos seja tão pequena que se aumentássemos ela em cem quadrilhões de vezes, daria apenas para acender uma luz suficiente para ler.

Um dos fatores importantes para quem canta é o treino auditivo. É necessário que o cantor não apenas ouça as notas, mas que ele seja capaz de interpretá-las e reproduzi-las. A afinação, que seria uma reprodução vocal, “neste caso”, de um determinado tom, depende de um aperfeiçoamento auditivo e de um processo refinado.

Os sons são recebidos pelo ouvido humano da seguinte forma:

1 – O tímpano capta as oscilações de pressão da onda sonora que atinge o ouvido e as converte em vibrações mecânicas que são transmitidas por meio da ligação de três pequenos ossos para o ouvido interno.

2 – O ouvido interno, ou cóclea, no qual as vibrações são classificadas de acordo com gamas de freqüência, captadas por células receptoras, e convertidas em impulsos nervosos elétricos.

3 – O sistema nervoso auditivo, que transmite os sinais neurais ao cérebro, onde a informação é processada, apresentada com uma imagem de detalhes auditivos em certa área do córtex (a superfície do cérebro e o tecido subjacente), identificada, armazenada na memória e eventualmente transferida para outros centros do cérebro. Esses últimos estágios levam á percepção consciente dos sons musicais.

Existem 3 sensações auditivas primárias associadas a um determinado som musical: altura, intensidade e qualidades (timbres).

Freqüência – a freqüência é normalmente relacionada à altura, ou seja, tons graves e agudos (medida em hertz).

Intensidade – a intensidade é a “força” de um som, é o que as pessoas chamam de volume, podendo variar entre forte e fraco (medida em dB).

Timbre (qualidades vocais) – o timbre é o que difere uma voz de um som do outro, mesmo que eles estejam na mesma altura e na mesma intensidade. É o que poderíamos chamar de “impressão digital da voz”, identificação de uma voz ou de um determinado som.

Fatores que influenciam e determinam o timbre vocal:

  • Estrutura anatômica (de fonte e de filtro vocal)
  • Funcionamento do aparelho fonador
  • Intensidade
  • Ressonância
  • Freqüência
  • Articulação

A capacidade de atribuir a freqüência e a intensidade de um determinado som pelos indivíduos ouvintes é o resultado de operações de um processamento no ouvido e no cérebro.

O ouvido humano tem a capacidade de localização dos sons. A pequena diferença de tempo entre os sinais acústicos detectados por cada ouvido (esquerdo e direito) é medida e codificada pelo sistema nervoso para fornecer a sensação da direcionabilidade do som.

Quando duas notas são ouvidas simultaneamente, o nosso cérebro é capaz de separá-las individualmente, dentre de certas limitações e a percepção de duas ou mais notas superpostas pode levar o ouvinte a interpretá-las como uma harmonia ou dissonância.

A música é feita de notas que variam o tempo. Para interpretar esse “tempo musical”, o cérebro analisa, armazena, compara com mensagens previamente armazenadas, interpreta e faz associações.

Uma melodia é o exemplo mais simples de mensagem musical.

Poderíamos definir como melodia, uma sucessão finita de notas com um determinado ritmo e seqüência.

Existem infinitas freqüências disponíveis, mas nosso sistema auditivo seleciona para a interpretação as freqüências correspondentes às notas de uma escala musical.

O ser humano possui a habilidade auditiva de classificar e ordenar as sensações subjetivas auditivas. Tal habilidade deve estar presente principalmente em pessoas que fazem o uso da voz profissionalmente, como, por exemplo, os cantores.

O cantor deverá ser capaz de identificar uma nota como aguda ou grave, ou ainda fazer relação entre tons diferentes.

Duas sensações experimentadas uma após a outra podem, em geral, ser ordenadas pelo indivíduo que as experimentou quanto ao atributo específico, como por exemplo, tons, ritmos e intensidade.

A música consiste em sucessões de sons selecionados a partir de um repertório muito limitado das alturas discretas de uma determinada escala.

A interpretação e percepção musical envolvem não apenas o aparelho auditivo, mas a “bagagem” emocional e o condicionamento cultural de cada indivíduo.

Além de ouvir cuidadosamente e interpretar os sons musicais, o cantor deve aprender a ouvir, perceber suas qualidades vocais para poder estar modificando-as.

– O ouvido musical favorece o cantor na sua qualidade e afinação vocal, bem como na sua capacidade de criação execução e interpretação.

– A “educação” do ouvido musical existe e é possível

– O desafinado, se trabalhado, percebe o problema e pode ser corrigido

– Existem, porém, dois extremos de percepção auditiva para o canto:

  • TONE DEAF – capaz de cantar uma música inteira em um outro tom e não perceber (acredita-se que ele tenha uma alteração no ouvido interno) [*]
  • OUVIDO ABSOLUTO – reconhece as notas em suas diferentes freqüências quando tocadas sozinhas ou agrupadas. Uma habilidade nata, mas não hereditária.
  • Ouvido relativo – “normal”.

Ressonância:

Grande parte da beleza e qualidade da voz é produzida pela ressonância que começa na laringe e estende-se pela cavidade oral e cavidade nasal. A voz, originada pelo fluxo de ar vibrando as pregas vocais, é ampliada nas cavidades das vias aéreas superiores. Esta amplificação é denominada ressonância. A ressonância pode ser oral, nasal e mista.

Articulação:

A articulação é o processo de diferentes ajustes motores dos órgãos fono-articulatórios na produção e formação de sons-fonemas.

Podemos ter: articulação precisa, sobre-articulação, articulação travada e imprecisa.

Ataque Vocal:

Poderíamos definir “ataque vocal” como o primeiro contato das pregas vocais no momento da fonação.

O cantor deve estar atento aos diferentes tipos de ataques vocais que podem ser utilizados no momento da produção vocal para o canto. A utilização correta de diferentes tipos de ataques vocais no momento da produção da voz cantada, podem favorecer a expressão vocal do cantor.

É importante salientar que ataques vocais como o tenso e o aspirado, durante o canto devem ser utilizados levando-se em consideração o aparelho fonador e os limites de funcionamento de cada cantor.

Tipos de ataque vocal:

  • Aspirado
  • Suave
  • Isocrônico (“normal”)
  • Tenso

Expressão Vocal:

O ponto principal para quem canta ou quem fala é a comunicação. A mensagem a ser transmitida deve ser recebida e entendida pelo ouvinte.

Para que haja comunicação durante o canto é necessário que seja colocado sentimento na mensagem. Sentimentos estes que serão expressados através da postura corporal como um todo, mas principalmente através da voz.

O cantor deve ser capaz de revelar o que o texto e a música escondem e, para tanto, sua voz deverá ser a ponte de emoção entre a música e o público.

Para que isso aconteça, o cantor deverá preparar-se física e mentalmente para cantar.

É preciso que ele se concentre e faça a representação da imagem acústica do som, sua altura, seu colorido do ponto de vista auditivo, de seu mecanismo e das sensações que ele provoca.

Todos estes ajustes deverão estar ligados à letra e melodia da música e ao sentido que o autor da música atribuiu a ela.

O cantor deverá utilizar-se conscientemente e sensitivamente dos recursos corporais e vocais para a transmissão do canto expressivo.

Alguns elementos musicais e vocais devem ser utilizados para a eficiência da expressão vocal. O impulso, intenção, equilíbrio, suspensão, precisão, hipertensão, vibrato, atenção, consciência, concentração, neutralidade, amplitude, relaxamento, ritmo, pausa, intensidade, entonação, projeção, articulação e ressonância.

Além desses fatores, é necessário ainda levar-se em consideração que a criatividade e a sensibilidade vocal devem estar integradas às vivências culturais e sociais do cantor e do ouvinte.

O compositor inglês Thomas MORLEY (1557-1602), referindo-se ao emocional, aconselhava aos alunos: “vocês devem encontrar uma espécie de estado de paixão, de tal maneira que a vossa música seja como um vento, ora furioso, ora manso, ora severo, ora reservado, e logo entregando-se a ela. Assim, quanto mais expressiva for vossa música, mais amada ela será”.

KIRCHER (1650) relacionou alguns estados emocionais com representações musicais:

  1. Alegria: modo maior, com tempo rápido, intervalos consonantes e grandes, tessituras mais agudas e brilhantes.
  2. Tristeza: modo menor, com tempo mais lento, intervalos pequenos (sons e semitons), tessituras mais graves e escuras e dissonâncias. O conteúdo musical deverá deslizar na performance vocal do cantor.

Fonte: 10º Encontro de Músicos – Unasp Campus 2


Nota: Um dos problemas da pessoa com características Tone Deaf pode ser o excesso de ressonância interna associada a uma hipersensibilidade do ouvido interno. Esta falha aciona um mecanismo de proteção, causando a atenuação da vibração dos ossículos internos (martelo, bigorna e estribo), diminuindo assim a recepção externa do som, a maioria do tempo em que o indivíduo está vocalizando.

Como essa sensibilidade é, na maioria das vezes, congênita, ocorre que desde os primeiros contatos com a música o indivíduo nunca tem oportunidade de equiparar e analisar o som que produz com o som de referência, a menos que tenha consciência do problema e reeduque seu ouvido, monitorando sua emissão vocálica para poder equiparar e equalizá-la com o som de referência. Esse é apenas um dos casos entre muitos.

O Monotônico, o mais grave entre os desafinados, também se enquadra nesse esquema, porém de modo bem mais acentuado. (Contribuição do maestro Luiz Vieira) (voltar)