Decibéis na Igreja

por: João Roberto Oliveira de Castro

– Senhor João Roberto.

– Sou eu – responcli.

Isso interrompeu minha contemplação das árvores, da relva e das montanhas que via pela janela. Levantei-me da cadeira e fui em direção à técnica que me submeteria a um teste de audiometria. Afinal, eu já estava sentado havia trinta minutos aguardando minha vez. Era a Semana da Saúde em nossa empresa e alguns exames nos foram disponibilizados sem custo. Eu sentia certo incômodo no ouvido esquerdo havia algum tempo e por isso senti vontade de me submeter ao teste.

– O senhor frequenta boates, shows musicais, igrejas? – ela me perguntou.

– Ela disse “igrejas”? – pensei.

Há alguns anos venho notando o nível sonoro altíssimo em nossas igrejas, algo que me causa dor de cabeça, dor nos ouvidos, fadiga auditiva, perda de concentração e de apreciação, quer de músicas, quer de pregações na Igreja, mas não sabia que essa agressão à saúde auditiva já é conhecida pelos profissionais de saúde a ponto de fazer parte do questionário que eles fazem às pessoas que se submetem ao teste.

Na maioria das igrejas, nossos cultos estão se tornando cada vez mais barulhentos. Isso sem falar nos eventos e congressos, durante os quais toneladas de som sacodem os ouvintes.

Nosso dia a dia já é barulhento: motos com ou sem escapamento, motores de ônibus, automóveis com caixas de som pesadíssimas, etc. E agora, as igrejas… estão confundindo decibéis com fé.

Hoje, a poluição sonora é tratada como contaminação atmosférica através da energia (mecânica ou acústica). Tem reflexos em todo o organismo e não apenas no aparelho auditivo. Ruídos intensos e permanentes podem causar vários distúrbios, alterando significativamente o humor e a capacidade de concentração nas ações humanas. Provocam interferências no metabolismo de todo o organismo, com riscos de distúrbios cardiovasculares, inclusive tornando a perda auditiva irreversível, quando induzida pelo ruído.

As Normas Regulamentadoras (NR) brasileiras indicam como prejudicial o ruído de 85 dBA (decibéis, medidos com ponderação A do aparelho medidor da pressão sonora) para uma exposição máxima de 8 horas de trabalho por dia. Sabe-se que sons acima dos 65 dB podem contribuir para aumentar os casos de insônia, estresse, comportamento agressivo e irritabilidade, entre outros. Níveis superiores a 75 dB podem gerar problemas de surdez e provocar hipertensão arterial.

Sabendo disso, uma vez que sou engenheiro eletrônico e trabalho no Inmetro, resolvi, após o teste de audiometria, medir o nível de pressão sonora em uma de nossas igrejas, no Rio de Janeiro. Resultado: níveis sonoros altíssimos (conheço várias outras que também são assim).

Fiz medições na nave principal e no salão jovem, utilizando um medidor de pressão sonora (decibelímetro) adequado para essa função, a uma distância de aproximadamente treze metros da caixa de som mais próxima e obtive os resultados abaixo:

  Músicas Pregação / Palestra
Nave Principal 106 dB 98 dB
Salão Jovem
(Esc. Sabatina)
100 dB 88 dB

Isso é muito grave! Se eu dissesse que fiquei surpreso e espantado, estaria mentindo, pois já esperava níveis assim. Comparem com os níveis que citei no penúltimo parágrafo. Note-se que treze metros de distancia da caixa de som mais próxima e uma das maiores distâncias a que podemos ficar de qualquer dessas caixas nessa igreja. Logo, a realidade é ainda pior para as pessoas que ficam mais próximas a essas caixas, pois elas enfrentam níveis ainda mais altos.

Vejam as tabelas a seguir, comparem e constatem o perigo a que estamos sendo submetidos.

Quadro 1 – Limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente, segundo a NR15

Nível de ruído dB (A) Máxima exposição diária permitida
85 8:00
86 7:00
87 6:00
88 5:00
89 4:30
90 4:00
91 3:30
92 3:00
93 2:45
94 2:15
95 2:00
96 1:45
98 1:15
100 1:00
102 0:45
104 0:35
105 0:30
106 0:25
108 0:20
110 0:15
112 0:10
114 0:08
115 0:07

Esses valores de tolerância em horas (na tabela acima) podem ser bem menores em muitas pessoas, aumentando mais ainda a gravidade da exposição.

Fonte sonora Intensidade sonora em decibéis (nível de pressão sonora)
Turbina de avião a jato 140
Arma de fogo 130-140
Serra elétrica 110
Cortador de grama 107
Shows de rock, com distância de 1 a 2 metros da caixa de som 105-120
Furadeira pneumática 100-105
Piano tocando forte 92-95
Walkman no volume 5 95
Pátio do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (medição fornecida pela Infraero) 80-85
(dosimetria – 8h)
Avenida movimentada 85
Tráfego pesado 80
Automóvel (passando a 20 metros) 70
Conversação a 1 metro 60
Sala silenciosa 50
Área residencial à noite 40

Quando vou à igreja, vou ao encontro de Deus e de meus irmãos. Sempre imagino um ambiente silencioso, aconchegante, que contribua para meu enlevo espiritual. Entretanto, em algumas ocasiões, eu me sinto obrigado a sair, ou a tampar os ouvidos (estou até pensando em levar protetores auriculares, discretos, é claro!).

Não é possível adorar a Deus num ambiente tumultuado, com cantores embalados por orquestras retumbantes e caixas de som tonitruantes a 106 dB, ou pregações com palavras atingindo 98 dB. Precisamos nos lembrar das palavras do Senhor: “Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus”. Como se acalmar num ambiente assim?

O livro Conselhos Sobre Saúde, p. 28, diz que “a influência do Espírito de Deus é o melhor remédio para as doenças. O Céu é todo saúde.” Mas a Organização Mundial de Saúde afirma que, dependendo do tempo de exposição, o limite de decibéis que faz mal à saúde é 65 dB. O excesso de ruído já levou cerca de 10 milhões de cidadãos americanos à perda da audição ou parte dela.

Em relação aos frequentadores dos cultos, os efeitos psicológicos do excesso de ruído são preocupantes. Especialistas falam em perda de concentração (imprescindível num culto racional), irritação permanente, perda da inteligibilidade das palavras, dor de cabeça, fadiga, zumbido no ouvido e loucura. O excesso de ruído provoca interferências no metabolismo de todo o organismo, com risco de perda auditiva irreversível. A partir de 75 decibéis, não importa se o som é agradável ou não, se é produzido por música rock ou sacra, ele é, de qualquer modo, prejudicial ao corpo e em especial à audição. Devemos também nos lembrar dos vizinhos de nossas igrejas. Por que os imóveis próximos aos templos, em geral, têm baixa cotação no mercado imobiliário?

Li na Revista Adventista de novembro/2006, o artigo intitulado “Decibéis e Fé” (do qual adaptei algumas partes), mas vejo que, quase quatro anos depois, não houve progresso nessa área. Que levemos a sério esse assunto e mostremos que temos uma mensagem de saúde e uma postura que honra ao nosso Deus e nos diferencia daqueles que não têm entendimento.


João Roberto Oliveira de Castro é engenheiro eletrônico, reside no Rio de Janeiro.


Fonte: Revista Adventista, Setembro de 2010, pp. 16-17