Critérios para Relacionar Letra e Música

por: Tércio Simon

Para obter bom resultado na associação dessas duas linguagens, deve-se respeitar a sintaxe de ambas.

Vamos colocar em primeiro lugar a importância do respeito às sílabas tônicas e sons acentuados da Música. Não é preciso muito preparo para identificar as sílabas tônicas e átonas das palavras. Já na Música surgem algumas dúvidas. As fórmulas e barras de compasso são as referências básicas para identificar os sons acentuados na música.

Tempo Forte — Todo compasso deve ter início com o tempo forte, portanto a barra de compasso só está bem colocada quando vem antes do som mais acentuado. Os outros tempos do compasso são igualmente fracos em qualquer das fórmulas.

Divisão dos Tempos — Compassos Simples têm divisão binária dos tempos sendo a parte inicial do tempo, a parte acentuada. A segunda parte do tempo é fraca. — Compassos Compostos (unidade de tempo pontuada) têm divisão ternária, sendo a primeira parte forte seguida de duas partes fracas.

Palavras bem colocadas não terão as sílabas átonas associadas a notas mais acentuadas que as que correspondem às sílabas tônicas (vício comum em músicas folclóricas e sertanejas).

Ex:
Casinha Pequenina: Tinha um coqueiro do lado… (melhor seria: Tinha ao lado coqueiro).
Índia: …sangue tupi, tens o cheiro da flor. Vem que eu quero te dar…
Obs.: O grifo indica sílabas que recebem acento forçado pelas notas acentuadas.

Em Música, a expressão objetiva da duração dos sons é feita pelo uso das figuras e pausas. A expressão objetiva da altura dos sons é feita pela posição das notas na pauta e determinada com mais precisão utilizando as claves. O Compasso deve ser a expressão objetiva do ritmo através das fórmulas de compasso e barras bem aplicadas. Infelizmente isto nem sempre ocorre. Algumas vezes o próprio compositor deixa de refletir o suficiente para colocar a barra na posição correta ou escolher a fórmula ideal para representar objetivamente o ritmo de sua música (ver o exemplo no apêndice).

O compasso quaternário costuma ser mal interpretado acarretando certa confusão. Qualquer fórmula de compasso quaternário, simples ou composto, deve indicar 1 tempo forte seguido de 3 tempos fracos. Quando o 3° tempo é forte como o 1°, a indicação correta deveria ser: 2 compassos binários com uma nova barra antes do falso 3° tempo (Hino 145 – alternativa proposta no exemplo 2 do Apêndice) [1]. Quando o 3° tempo é mais acentuado que o 2° e o 4°, mas não tão forte (mf) como o 1°, a fórmula correta é binária com os tempos convertidos em partes de tempo; assim a falsa acentuação do 3º tempo passa a funcionar como legítima parte forte do 2° tempo (Hino 1 e 392).

Sintomas de ritmo mal expresso podem ser: a incidência de barras antes de pausas (Hino 245). Ou notas fracas como as prolongadas por ligadura (Hino 480), ou ainda acentuação freqüente em outro tempo do compasso sem ser o 1° — único tempo realmente acentuado (Hino 590). Além da dificuldade para bem adaptar letra à música cuja grafia não expressa com clareza a cadência que lhe é própria, afeta também sua interpretação. Acompanhante e regente deveriam perceber o problema e mesmo sem modificar a escrita, substituir mentalmente a indicação incorreta pela certa. O regente que não faz coincidir o som acentuado com seu gesto mais enfático, está simplesmente abanando a mão e confundindo aqueles que ele conduz.

Fraseologia Musical

Outro aspecto importante é reconhecer os limites da frase musica. (São palavras de Charles Gounod). “Por si só, os sons não constituem a música, assim como as palavras isoladas não constituem a linguagem. As palavras, somente quando unidas entre si por um vínculo lógico respondendo às leis do entendimento, formam uma proposição, uma frase inteligível. Acontece o mesmo com os sons que devem obedecer a certas leis de atração, de inter-relação — que são as que regulam sua sucessiva ou simultânea produção — para converter-se realmente, em uma ideia musical. E só então que passam a pertencer ao domínio da arte”. (El Ritmo Musical – Mathis Lussy).

Os sons se agrupam em células que associadas vão formar as frases e períodos da música. Na combinação das duas linguagens o número de sílabas do verso poético deve corresponder ao número de sons para que o pensamento se complete ao mesmo tempo.

O ponto de partida para a frase musical é o motivo[2]. O Motivo equivale à palavra na poesia. Seu centro de gravidade é o tempo forte do compasso. Há normalmente o mesmo número de motivos e compassos. A diferença é que o compasso tem início no tempo forte, enquanto o motivo, estruturado na relação arsis/tesis (impulso/repouso), costuma terminar no tempo forte (repouso). Motivo de uma nota só — será formado pela nota do tempo forte. (EX.: 1° motivo do Hino 1 – palavra monossilábica).

Quando ele tem várias notas pode conter uma ou mais palavras, mas a palavra não deve ser cortada pelo motivo. O lº motivo combinado com mais um ou dois motivos, formam a meia-frase. Esta pode vir seguida de uma ou duas meias-frases formadas por dois ou três motivos. A menor frase terá 4 motivos (2 meias-frases binárias — frase quadrada); e a maior, terá 9 motivos (3 meias-frases de 3 motivos); no 1° caso só combinação binária, e no 2° caso só combinação ternária. A mescla de combinação binária com ternária pode formar frases de 5, 6, 7 ou 8 motivos (combinações assimétricas). A 1ª frase pode vir seguida de uma ou duas frases que respondem à 1ª, completando o período musical. A combinação dos períodos forma a obra musical (Ex.: Hino 1 – é formado por 4 frases quadradas, simetria total em 2 períodos).

Quando o verso tem mais sílabas que as notas da frase musical, torna-se necessário o uso de contração (geralmente forçada), ou as sílabas excedentes invadem notas de outro elemento da frase musical. As divisões mais enfáticas da música são: o fim do período ou o fim da frase. São divisões menos enfáticas: a separação dos motivos que formam a meia-frase, e a que ocorre entre uma meia-frase e outra. Mesmo assim a sensação é mais ou menos incômoda sempre que uma palavra é cortada por uma dessas divisões.

Conclusão

O verso ideal conserva as sílabas tônicas onde há nota acentuada, e não usa palavras que avancem além dos limites do motivo, meia-frase, frase ou período. Se essas características se repetem em todas as estrofes expressando o pensamento de forma lógica e bela — devemos estar diante de uma obra de arte. Se ainda, Música e Poesia forem compatíveis e ambas resultarem de legítima inspiração religiosa, Deus será glorificado e todo crente elevado espiritualmente.

[1] Todos os hinos mencionados referem-se ao Hinário Adventista

[2]Os critérios para a divisão dos motivos são baseados nas leis do ritmo, melodia e harmonia. Não cabem aqui onde a intenção é apenas dar uma ideia de como se estrutura a frase musical.


Apêndice

Os exemplos que seguem são três versões da mesma música em seus compassos iniciais (1ª frase). O Ex.1 (Ed. Musicord – USA), segue a grafia original que ignora as notas realmente acentuadas (assinaladas com + neste exemplo). O Ex.2 (Ed. Vilale – Brasil), aponta uma fórmula de compasso alternativa (compasso binário, com meias barras antes do 3º tempo), certamente por notar a ênfase que o 3º tempo recebe em todos os compassos, inclusive nas notas longas que concluem as frases. O 3º Ex. (Ed. Francesa para órgão e harmônio), adota a escrita que aponta para a nota realmente mais acentuada em todos os compassos, expressando com clareza o ritmo ou cadência.

Ex. 1
Ed. Musicord
USA
Ex. 2
Ed. Vitale
Brasil
Ex. 3
Ed. Francesa
para órgão

Somente o Ex. 3 permite uma aplicação de texto correta, por apontar com precisão a nota acentuada (repouso) de cada compasso.

No Ex. 1, a colocação de texto com a sílaba tônica na 1ª nota, em lugar da 3ª (+), produziria desajuste entre as duas linguagens. Em análise sonora mais atenta, ficaria evidente que para a letra estar certa, a grafia musical estaria errada e vice-versa (Hino 590).

No Ex. 2, (adotando o compasso binário — alternativa sugerida) teríamos as barras precedendo notas acentuadas (+) e notas não acentuadas, alternadamente. Apresenta alguma melhora, mas apenas metade das sílabas tônicas estariam coincidindo com as notas mais acentuadas (repousos). Também duplicaria o número de compassos e consequentemente o número de motivos, todos eles mais curtos, aumentando o risco de cortar palavras. O revisor desta edição detecta o problema e aponta uma tímida correção.

No Ex. 3, nota-se a coragem do revisor de optar pela ortografia correia, que permite a correspondência ideal entre sílabas tônicas e repousos. No caso de as palavras respeitarem os limites dos motivos (ver os arcos sobre a melodia do Ex.2), e das meias-frases (arcos no Ex.3), completando o pensamento do verso ao final da frase, teríamos a concretização dos ideais da Prosódia Musical.

Examinando os três exemplos, seria um contra-censo rejeitar o Ex.3 por não corresponder à escrita original, sendo que é o único que revela objetivamente o ritmo. Certamente o próprio Schumann teria preferido essa forma de registrar sua música, se tivesse tido a oportunidade de comparar e escolher a ortografia correta.


Fonte: Este material foi elaborado por Tércio Simon, a pedido do Pastor Tércio Sarli. Hortolândia, 20/04/2001; e foi concedido ao espaço virtual Música Sacra e Adoração por Loide Simon.