O trombone, do erudito ao popular

por: Renato Farias

A iniciação à prática do trombone, comparada à dos demais instrumentos de bocal, é particularmente complexa. Obviamente, tratando-se do trombone de vara, sua digitação baseada em sete posições oferece um campo harmônico amplo para a execução dos primeiros estudos. Exige porém um trabalho sistemático na combinação dessas posições, a fim de se desenvolver o reflexo rápido e preciso da vara. Vale dizer que o sistema de vara não oferece o registro pronto das notas, e que estas serão executadas através da combinação de: ar + vibração de lábios + direcionamento vocálico e sincronismo da posição da vara . É evidente que o aluno, ao ser orientado por um profissional didata, ou seja, um professor reconhecido, obterá as informações necessárias e conseguirá fundamentos básicos para prosseguir seus estudos com êxito, obtendo uma boa performance.

O trombone é um instrumento muito versátil, por isso compõe várias formações, como: orquestra sinfônica, banda sinfônica, big bands, quintetos de metais, quartetos de trombones, entre outras. Porém, poucos trombonistas têm investido na necessidade de se aprimorar de forma mais abrangente, buscando assim outros estudos alternativos, sem se desvincular dos princípios básicos e primordiais. O instrumento é uma extensão de nosso corpo; assim, temos que pesquisá-lo, entendê-lo, praticá-lo e utilizá-lo com a mesma liberdade da fala.

A falta de diálogo com nosso próprio instrumento tende a deixar-nos escravo dele, inteiramente dependentes de estudos escritos, métodos, partituras, etc. Poucos estudantes se esforçam em mentalizar seus estudos diários, bem como trechos utilizados em seu repertório. Isso nada tem a ver com o “tocar de cor”. Haverá sempre uma maior compreensão quando executamos estudos ou composições conscientes de sua forma.

Quando se fala em improvisação, logo alguns músicos associam o conceito à música popular, ao jazz, etc. Improvisar significa ter liberdade, jogar com as notas de um tema ou com sua harmonia, de forma que este tema sempre surja para quem o ouve numa constante transformação. A música hoje executada, mesmo no mercado intitulado erudito, contém elementos rítmicos harmônicos da música chamada como “popular”.

Muitos trombonistas sentem-se frustrados quando se deparam com atividades diferentes das que habitualmente realizam como músicos, devido às limitações, fruto da falta de visão ou informação de que a música não se limita aos gêneros, e que inúmeras linguagens foram criadas a fim de diversificá-la. Por isso, a música é, entre as artes, a que mais vivenciamos.

Minha opinião com relação à performance do músico brasileiro é a de que, com a riqueza cultural do país, principalmente na área musical, temos por obrigação aprimorar-nos tecnicamente, utilizando todos os elementos que compõem nossa música. Até pouco tempo, mesmo nos Estados Unidos, não havia uma pedagogia acerca do jazz. Os novos músicos iam assistir aos antigos mestres e, através de um aprendizado auditivo, desenvolviam seus próprios estilos.

Recentemente algumas instituições de ensino musical iniciaram uma teorização da arte de improvisar, embora não excluindo a necessidade de se ouvir. Dentro do cenário musical brasileiro, a história do trombone está se transformando. Vários talentos têm surgido, enquanto antigos trombonistas recebem o reconhecimento dos mais novos pela audácia que tiveram ao manter sempre o trombone em igualdade aos demais instrumentos.

Durante 18 anos atuando profissionalmente em orquestras sinfônicas e integrando, como convidado, big bands e naipe de metais em acompanhamento de artistas brasileiros, além de gravações e aulas, pude me inteirar de que, seja qual for sua posição como músico, é necessária uma disciplina de estudos diários bem-elaborados e diversificados, a fim de que estejamos preparados tecnicamente para o bom desempenho, independente da linguagem musical em pauta. Baseando-me nesse princípio, procurei desenvolver uma série de estudos, sempre associada a formas e estudos tradicionais, tendo-os como referencial ou ponto de partida.

Em sua maioria, os métodos para trombone foram adaptações de métodos criados para outros instrumentos, que, por sua vez, tinham particularidades que não eram interessantes, portanto não surtiam efeito progressivo quando aplicadas ao estudo do trombone. Muitos desses métodos tornavam-se inviáveis, causando a sensação, tanto ao professor quanto ao aluno, de impotência e inferioridade, se comparados com estudantes de outros instrumentos, deixando até a impressão de que o trombone seria um instrumento limitado diante dos demais.

Em 1979, ingressando na classe de trombones do professor Gilberto Gagliardi, passei a ter uma nova visão do estudo do trombone. O professor aplicava os métodos tradicionais em nossos estudos, com impecável exigência. Associado a este material didático, ele intercalava seus estudos diários e pequenas composições, tornando-se assim produtivo o estudo e a prática do instrumento. Muitos desses estudos eram de caráter melódico; outros mais técnicos, e havia ainda um outro tipo, que eu definiria como seqüência lógica.

Procurei variá-los em algumas formas, chegando assim a algumas seqüências que levam ao desenvolvimento do ouvido harmônico, sem muita complicação. É inviável aplicar ao trombone estudos diferenciados elaborados para outros instrumentos, pois esses, obviamente, têm digitações distintas. Porém, se explorarmos as seqüências que o trombone oferece, após dominá-las, conseguiremos maior compreensão. Muitas passagens ou intervalos são considerados difíceis por não acreditarmos em seu produto sonoro, uma vez que não os praticamos em nossos estudos diários, nem estamos conscientes das inúmeras possibilidades de nosso instrumento. A causa disso é o hábito do estudo mecânico e integralmente sistemático do instrumento.

A falta de diálogo com o instrumento causará o desestímulo em procurar outras alternativas técnicas, quando necessárias, levando o estudo a um nível monótono e entediante.

Os estudos práticos, subdivididos em quatro partes, serão apresentados a partir da próxima edição.


Renato Farias é trombonista e professor


Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 128