Os Superagudos nos Instrumentos de Metal – II

por: Angelino Bozzini

Você está pronto para iniciar a jornada que o levará às “alturas”? Vamos estabelecer um roteiro prático para essa caminhada. Mas, antes de iniciarmos, é necessário que alguns pontos fiquem bem claros:

Vários caminhos conduzem ao mesmo ponto de chegada. Mesmo caminhos opostos. Estas são as minhas sugestões para se dominar o registro agudo de seu instrumento. Pesquisando você encontrará várias outras; algumas similares, algumas complementares e outras antagônicas. Procure entender cada uma delas e descobrir, para o seu caso específico, qual poderá ajudá-lo de maneira mais eficaz.

Tenha consciência de que as pessoas percebem e entendem os mesmos fatos de maneira diversa. Assim, dois textos que possam parecer antagônicos podem estar dizendo exatamente a mesma coisa. Um professor experiente sabe que para alunos diferentes, deve explicar um mesmo fato de formas distintas.

Limites existem! Busque sempre estar próximo do seu e também ampliá-lo. Mas respeite-o. Quando se lida com o corpo, a transgressão de certos limites pode trazer conseqüências irreversíveis.

Muitos dos exercícios serão feitos com notas da série harmônica e devem ser repetidos em todas as posições. É importante que você tenha memorizado a seqüência: 0-2-1-12-23-13-123, que equivale às sete posições do trombone.

Encontre seu chão

Delimite exatamente qual é o seu registro médio e anote-o. Você precisa ter muito claro em qual nota começa o registro agudo e o registro grave para você. Não se impressione se seu registro agudo começar no meio do registro médio de seu companheiro, concentre-se no seu próprio caminho.

Através de exercícios com escalas e arpejos você poderá delimitar com exatidão esses dois limites. Eles servirão de parâmetro para você poder avaliar seu progresso.

Conheça a série harmônica

Nos instrumentos de metal, os dois pontos básicos são: como colocar a coluna de ar do interior do instrumento em vibração e como fazer com que essa coluna vibre por simpatia nas freqüências da série harmônica que escolhermos.

Para se chegar nas alturas é muito importante que você tenha exata consciência do tamanho dos “degraus” e da forma da “escada”. Assim, se você toca trompete e descobriu que seu registro médio vai do Dó central ao Sol da segunda linha, a sua próxima etapa será conquistar a região do próximo harmônico que é o Dó do terceiro espaço.

Se, utilizando-se do exemplo anterior, sua próxima meta parcial é dominar a região que vai até o Dó do terceiro espaço, concentre seu trabalho nesse espaço.

Com um trabalho sério, o que era o “teto” da primeira etapa, passa a ser o “chão” para da próxima.

Administrando o império

No momento em que você souber que “conquistou o terreno” de uma etapa é hora de caminhar ao próximo harmônico. Pense assim: a “conquista” de uma nova extensão de sua tessitura é um trabalho técnico, o “povoamento” dessa região é um trabalho artístico. Na prática, isso significa que, para expandir sua tessitura você precisará praticar inúmeros exercícios de técnica pura; já para incorporá-la às suas habilidades, você precisa trabalhar em peças musicais que se utilizem dessa região. O parâmetro da música é importantíssimo: você só poderá dizer que domina um determinado registro do instrumento quando puder expressar-se musicalmente, com naturalidade, nesse registro.

Uma escada irregular

Na sua caminhada você irá observar que os degraus dessa escada são irregulares. Se você começou no sol central, o próximo degrau estava a uma quarta de distância, no Dó do terceiro espaço; o próximo a uma terça, no Mi do quarto espaço. Quanto mais você for subindo os intervalos serão menores e, aparentemente, mais difíceis de serem conquistados.

Se você pensar em termos de energia tudo ficará mais fácil. Toque o intervalo Sol (da 2ª linha) ­ Dó (do 3º espaço). Sinta as mudanças que são necessárias na pressão da coluna de ar, na tensão da musculatura de apoio e da embocadura. Agora toque o intervalo Dó (3º espaço) ­ Mi (4º espaço), utilizando proporcionalmente as mesmas alterações. Ou seja, você deu um “passo” menor, utilizando-se da mesma energia de um passo maior. Dessa maneira, em pouco tempo você estará conseguindo a energia e trabalho muscular adequados a cada nota do registro agudo.

O Ar

Quanto mais você sobe para o agudo, precisará de uma pressão maior e uma quantidade menor de ar. O importante é que a pressão e a quantidade sejam controladas com precisão. Na região média temos uma faixa larga de tolerância da quantidade e da pressão do ar. O mesmo já não ocorre no agudo, onde a precisão desses índices é crítica para a emissão das notas.

Quando a pressão é muito baixa, não há energia suficiente para colocar os lábios em vibração nas altas freqüências das notas agudas. Se ela for muito alta forçará a passagem por entre os lábios e impedirá que eles vibrem.

Assim, se você está praticando para aumentar sua capacidade de energia respiratória, faça isso na região média e grave; quando você for para o agudo, a palavra chave é precisão. Muitos alunos praticam assiduamente o registro agudo errando as notas na maioria das vezes ou acertando-as, mas com um som horrível. Essa é uma abordagem totalmente equivocada. Lembre-se: a repetição reforça aquilo que você está fazendo, tocar inúmeras vezes uma nota de forma errada não vai fazer nunca você conseguir tocá-la de maneira correta.

Talvez o melhor e mais simples exercício para se desenvolver a energia e o controle necessários para se conseguir a pressão correta no registro agudo é o de notas longas sem ataque, começando num pianíssimo, indo até um fortíssimo e voltando a um pianíssimo. Cuide para que o som não saia distorcido no fortíssimo.

A Embocadura

Aqui também a palavra chave é precisão. Para se “caminhar” com segurança no registro agudo, é importante um preciso controle da tensão dos músculos da embocadura.

O exercício básico para se obter esse controle é o de se praticar notas longas sem ataque. Ou seja, elas são emitidas sem a ajuda da língua. Devem começar o mais pianíssimo possível, como que vindas do nada, crescer até um mezzo-forte e voltar a um pianíssimo que desapareça no nada.

Note que, ao contrário das notas longas para se trabalhar a pressão na coluna de ar, onde o importante é ir até um fortíssimo, aqui o momento mais importante é o início da nota. Se seus lábios estiverem na tensão correta para a nota que você quer emitir, ela começará a soar como que por mágica, sem que seja necessário o golpe de língua.

Quando você estiver sustentando a nota, controle a qualidade do som. Ela não deve soar forçada ou “arranhada”. Ao finalizar, a nota deve desaparecer num pianíssimo. Se ela se interromper abruptamente é sinal que seus lábios ainda não estão na tensão ou posição corretos.

Outro ponto importantíssimo para a embocadura no registro agudo é que, por menor que seja a abertura necessária para a emissão de uma determinada nota, ela sempre deve ser uma abertura. Muitas pessoas, na tentativa de emitir as notas agudas, apertam um lábio contra o outro e tentam forçar violentamente a emissão das notas, fazendo com que os lábios se fechem. Para controlar essa tendência, estude escalas ou arpejos ascendentes e pense em ir abrindo os lábios conforme você vai subindo. Isso é o contrário do que você faria normalmente. Concentre-se nos músculos do queixo, movimentando-os para baixo enquanto o lábio fecha-se para o centro.

A Língua

Enquanto o diafragma e a musculatura de apoio controlam os níveis de pressão do ar por região, é a língua que fará o “ajuste fino” na pressão necessária a cada nota. Como já foi explicado detalhadamente em matérias anteriores, conforme a vogal que você imaginar sua língua irá para uma posição diferente em relação ao céu da boca; aumentando ou diminuindo a passagem do ar e, conseqüentemente, mudando a pressão da coluna de ar.

Do grave ao agudo, a seqüência é: u-o-a-é-ê-i-ch. Esse ‘ch’ é um som que existe na língua alemã. Se você pronunciar um ‘i’ e for levantando mais a sua língua, como se quisesse encostá-la no céu da boca, produzirá um som como um chiado.

Essas vogais são só um parâmetro de estudo. Na prática, a língua pode parar em diversas posições intermediárias, conforme a necessidade. Exercícios do tipo: Dó-Ré-Dó_Dó-Ré-Mi-Ré-Dó_Dó-Ré-Mi-Fá-Mi-Ré-Dó e assim por diante poderão ajudá-lo a trabalhar a movimentação da língua.

Juntando as partes

Toque o intervalo Dó (3º esp.) ­ Mi (4º esp.) três vezes. Na primeira vez, tente fazer a mudança só com a pressão do ar. Em seguida, faça a passagem mudando a contração dos lábios e, finalmente, mude de nota somente com o movimento da língua.

Você deve ter notado que esses três fatores, ao mesmo tempo em que são interdependentes, podem, cada um, substituir até um certo limite as funções do outro. Cabe a você buscar um equilíbrio otimizado entre os três. Habitue-se a repetir os exercícios focalizando a cada vez um desses fatores e, depois, buscando uma interação entre os três de forma que você tenha a sensação de estar utilizando-os de uma forma equilibrada.

Lembre-se: o registro agudo não é uma condenação! É uma região onde seu instrumento pode ser muito expressivo. Servir-se disso pode ser musicalmente muito gratificante.

A conquista desse registro requer um trabalho muito árduo e sério. Portanto, não esqueça de aproveitar o outro lado da vida: brinque com os agudos; “cante” com os agudos, faça com que eles sejam parte de sua vida musical.

Cuide do corpo

O trabalho muscular para o registro agudo requer que seu corpo esteja em muito boa forma física. Embora todo exercício aeróbico possa ajudar, sem dúvida alguma a prática da natação é a melhor de todas para o instrumentista de sopro. Preferencialmente, pratique o estilo “clássico”, em que a musculatura é utilizada de forma simétrica e num ritmo mais lento do que as outras modalidades. Em todo esse treinamento, você estará usando o diafragma e sua musculatura de apoio no extremo de sua capacidade. Saiba conhecer seus próprios limites e não utilize sua força contra seu próprio corpo. Se você transgredir essa regra poderá facilmente adquirir uma hérnia.

Uma outra questão é a do relaxamento. Como você estará realizando um intenso uso da musculatura, é muito importante que você faça um trabalho de alongamento antes de sua sessão de estudo e um bom relaxamento ao finalizá-la. Isso vale principalmente para os músculos abdominais e faciais.

Finalmente, lembre-se que a contrapartida de todo trabalho físico é o repouso. Durma o necessário para poder estar bem disposto.

ASA – Methode

Dentre os inúmeros métodos que abordam o registro agudo, um deles tornou-se quase que uma “bíblia” do tema. Trata-se do ASA-Methode de Rolf Quinque. Os exercícios são organizados de uma forma progressiva e devem ser feitos nessa progressão. Pelo fato de iniciarem com elementos básicos da técnica, seu estudo pode começar já no primeiro ano de instrumento. É muito importante que se resista à tentação de ir diretamente para os exercícios da região aguda, sob a pena de sofrer uma grande frustração. Só vá em frente quando honestamente tiver dominado um estágio anterior.

Por suas características esse livro pode ser utilizado por todos os instrumentos de metal. Esse método pode ser adquirido via Internet no seguinte endereço: http://www.brass-bulletin.ch – QUINQUE Rolf – ASA-Methode


Angelino Bozzini é professor e trompista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.


Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 134