Bandas – Causas e Efeitos nos Concursos
por: Angelino Bozzini
Respeitando-se alguns princípios básicos, apresentar-se em um concurso pode, independente do resultado, ser uma experiência alegre e enriquecedora.
Embora a finalidade da existência de uma banda não seja participar de concursos e ganhá-los, o sucesso de uma atuação pode ser um fator de estímulo essencial à existência. Infelizmente, na prática, a não observância de alguns princípios básicos faz com que, para muitas bandas, a participação em um concurso se transforme numa experiência frustrante.
A regra de ouro para mudar essa situação é ter sempre em mente que uma apresentação, da entrada à saída da banda, deve ser pensada como um todo único, onde cada aspecto está interligado ao outro. Embora as tarefas de organização, concepção, preparação e realização sejam divididas entre várias pessoas, deve haver um esforço comum para se conseguir a unidade.
Vamos agora analisar os principais aspectos que devem ser levados em conta para se organizar uma apresentação de sucesso.
A escolha das músicas
Segundo as regras em vigor atualmente, durante a apresentação em um concurso, uma banda executa quatro músicas: uma enquanto se dirige ao local de julgamento, duas diante dos jurados para avaliação e a última retirando-se do local. A primeira música não será avaliada pelos jurados, mas é ela que mostra a “cara musical” da banda; é ela que saúda os presentes. Se essa música for alegre, estimulante e bem executada, animará o público e colocará todos em um estado receptivo para o que virá em seguida.
Para que isso aconteça, ela deve ser musicalmente simples, para ser facilmente compreendida, e ter um ritmo não muito lento e que estimule a todos a ouvi-la. Não deve ser tecnicamente complicada, para que possa ser executada facilmente durante a marcha com evoluções coreográficas. É importante que ela esteja musicalmente amadurecida entre os integrantes da banda. Ela precisa transmitir algo como: “Venha, vamos brincar juntos, veja como nós estamos felizes em tocar para vocês e como é divertido o que fazemos!”.
As duas músicas que serão avaliadas precisam ser capazes de mostrar a habilidade técnica e o amadurecimento musical da banda. Tecnicamente, a banda tem que mostrar seu controle sobre as seguintes características musicais:
Dinâmica – Ser capaz de executar todas as gamas de intensidade – do pianíssimo ao fortíssimo – mantendo a afinação, a qualidade sonora e a diferenciação entre o que é melodia e o que é acompanhamento.
Articulação – Ser capaz de diferenciar entre as diversas articulações, como staccato, legato, acento, etc., sabendo aplicá-las musicalmente.
Afinação – Manter uma uniformidade na afinação nas diversas dinâmicas.
Ritmo – Manter a precisão rítmica e a uniformidade no conjunto, primando principalmente pela leveza.
Domínio instrumental – Demonstrar que cada músico, individualmente, tem o nível adequado para executar sua parte nos arranjos, ao mesmo tempo em que consegue se integrar à execução dos demais participantes.
Musicalmente, a banda tem de demonstrar que consegue:
Frasear as melodias, dando sentido de começo, meio e fim; destacando-as dos acompanhamentos e dos contrapontos.
Exprimir o caráter da música (uma marcha não é um dobrado; um samba não é um baião e assim por diante). É fundamental que o arranjo e a interpretação consigam ser fiéis ao caráter original da composição.
Fugir dos lugares comuns – uma interpretação, ao mesmo tempo em que deve respeitar à obra, precisa também ser original e capaz de surpreender o ouvinte. A última música representa a despedida da banda. Ela deve dizer algo como: “Foi muito bom ter estado com vocês, esperamos que tenham se divertido e que possamos nos reencontrar em breve!”. Essa última música deve deixar saudades.
No momento de escolher as peças a serem executadas, uma outra questão importante é a seqüência de execução. Vamos analisar esse aspecto em detalhes.
Achando a seqüência ideal
A primeira música, ao mesmo tempo em que representa para o público a alegria da participação da banda, precisa funcionar para os músicos como uma espécie de aquecimento. É muito comum se observar bandas que executam como peça inicial músicas onde tocam muito agudo e muito forte. Resultado: a maioria dos instrumentistas de bocal chega à primeira peça de avaliação com os lábios extenuados e, por conta disso, não consegue ter um bom desempenho técnico durante o julgamento.
Para que o arranjo seja adequado a esses princípios, pode-se executar alguns trechos uma oitava abaixo e mudar a instrumentação de outros. O importante é que, depois da execução dessa peça, nenhum instrumentista se sinta cansado.
A ordem das duas músicas que serão avaliadas também deve ser escolhida com cuidado. É preciso que tanto o maestro como cada músico tenha certeza que terá condições físicas de executar os trechos tecnicamente difíceis. Nesse sentido, a seqüência das peças pode ser decisiva para o sucesso ou fracasso da apresentação.
O maestro tem e deve usar a liberdade de mudar os arranjos, adequando-os à banda. Conforme o caso, ele precisa fazer partes individuais específicas para as habilidades do músico que irá executála. Lembre-se que o aluno da banda está em fase de aprendizado e tem o direito de ser amparado nesse aprendizado. Lembre-se também que, numa apresentação pública, todos querem ouvir o que a banda é capaz de fazer e não o contrário.
Vamos analisar alguns detalhes técnicos para ajudar a escolher as músicas e a forma de prepará-las.
Dinâmica, resistência, afinação
A dinâmica é uma das características do som, não uma prova de força. Muitos músicos (e alguns maestros) acreditam que, quanto mais forte consigam tocar, melhores serão. Quando se toca no limite do fortíssimo, além de os lábios se cansarem muito mais rápido, perde-se o controle sobre a afinação, articulação e expressão.
O desenvolvimento da resistência física para a execução do instrumento é outro fator importante. Cada instrumentista precisa ter a certeza e a confiança de que terá energia labial e física suficientes para chegar até o fim da apresentação, mantendo a qualidade sonora.
A afinação é outro fator extremamente importante. Muitos acreditam que basta afinar o instrumento no início do espetáculo e tudo ficará bem. Na verdade, deve-se aprender a afinar. O ouvido precisa ser educado dia-a-dia, ou melhor, “ensaio a ensaio”, para aprender a afinar.
O maestro pode, durante a preparação de uma peça, indicar para cada músico que instrumento ele deveria estar ouvindo naquele momento como referência. Pouco a pouco, os integrantes vão começar a desenvolver uma escuta harmônica. Como conseqüência, haverá um maior entrosamento entre os instrumentistas e um ganho de qualidade no controle.
Articulação – sutileza frágil
Das características do som, a articulação costuma ser a mais negligenciada. A maioria acha que, se tocar as notas na altura e nos tempos certos, tudo estará bem. Isso provoca um empobrecimento da expressão musical, fazendo com que as frases percam sua personalidade.
Um trabalho bem feito com a articulação é uma prova do bom preparo da banda. Articular bem é uma habilidade sutil e frágil. Por exemplo, num trecho em staccato, basta um único músico de uma banda inteira tocar em legato que o efeito do staccato estará perdido.
Todo tempo gasto nos ensaios com a articulação será revertido em qualidade musical nas apresentações!
A dificuldade técnica
Entre outras coisas, num concurso, uma banda deve mostrar o quanto é capaz tecnicamente. Acontece que, muitas vezes, o passo acaba sendo maior do que a perna. Escolhe-se alguma peça cuja dificuldade técnica está além da habilidade real dos participantes, e o resultado é uma imagem distorcida daquilo que a música deveria soar.
Outra falta mais sutil, mas tão grave quanto a anterior, é a de se escolher uma peça cuja dificuldade técnica esteja no limite das habilidades da banda, onde cada músico tem de se concentrar ao extremo para conseguir executá-la. Todos ficam tão preocupados em acertar as notas que não sobra nada para a interpretação musical. A performance soa fria e maquinal.
Estética x Bem-estar – escolhendo a roupa certa
Outro detalhe decisivo numa apresentação é o bem-estar físico dos músicos. A escolha de um uniforme adequado é muito importante para isso. Vivemos em um país tropical, portanto, os uniformes têm que possibilitar uma apresentação no verão com sol a pino. Para tanto, já estão descartados tecidos grossos e pesados, como o veludo, por exemplo. O ideal é que o uniforme seja normalmente adequado ao verão e que nos dias frios possa-se colocar uma camiseta por dentro, por exemplo.
Boinas, quepes, chapéus, etc. devem ser arejados ao mesmo tempo em que protejam a cabeça dos raios solares. O corte deve ser folgado o bastante para permitir a livre movimentação e execução do instrumento.
Lembre-se: embora a estética seja importante e um belo uniforme possa impressionar bastante, o fundamental é que os músicos e demais integrantes possam ter conforto suficiente para darem o melhor de si. Uma apresentação não é um local de expiação de pecados!
A Baliza
Uma boa baliza pode ser o toque de classe na apresentação de uma banda. Mas, mesmo que seu desempenho seja impecável, se sua atuação não for integrada ao todo, poderá ter efeito negativo sobre a parte musical.
O conteúdo da apresentação: antigamente, a apresentação de uma baliza era basicamente atlética; o seu perfil era o de uma ginasta de solo. Posteriormente, as coreografias foram ficando mais elaboradas e começaram a incorporar elementos do balé. Atualmente, acrescentou-se a expressão corporal. Assim, o perfil de uma baliza hoje é o de alguém que consegue ser, ao mesmo tempo, uma ginasta, uma bailarina e uma atriz.
Em relação aos concursos, o importante é que tudo o que for feito pela baliza esteja integrado à apresentação musical da banda. Isso pode parecer simples num primeiro momento, mas, para que aconteça realmente, precisa de um cuidado especial na elaboração de sua coreografia.
Com um simples exemplo, pode-se compreender o que seria essa integração ou a falta dela: é comum, em trechos musicais lentos e suaves, onde a música convida à reflexão, as balizas executarem seqüências, que pela habilidade e expressividade, levam o público quase ao delírio, justo quando ele deveria esta ouvindo a banda. Às vezes, o entusiasmo provocado no público por uma baliza é tamanho que sua ovação chega a encobrir o som da música.
Todos desejam seus instantes de glória, mas, para isso, não é preciso encobrir o trabalho dos outros.
Basicamente, para se ter equilíbrio entre coreografia e música, podese utilizar os trechos lentos e em piano para seqüências que enfatizem as habilidades expressivas da baliza; já as habilidades da ginasta e da bailarina precisam, normalmente, de trechos mais rápidos e fortes.
Quanto mais bem-cuidada for essa relação, tanto maior será o impacto expressivo sobre o público.
O estômago…
Precisamos falar de outro instrumento. O estômago também faz música: ronca. E, além de roncar, quando está vazio, pode comprometer a atuação de um músico.
Em dia de apresentação, deve-se optar por refeições leves e nutritivas. Como em um concurso podem ocorrer atrasos consideráveis, é sempre prudente ter à mão um estoque de damascos ou outras frutas secas, que são leves, alimentam e tiram a sensação de fome.
E lembre-se: a alegria e prazer do público e dos integrantes da banda deveria ser o principal objetivo de qualquer apresentação, seja ela um simples concerto dominical ou uma final de concurso. Quem for capaz de produzir essa alegria vai ser sempre um campeão!
Angelino Bozzini é professor e trompista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.
Fonte: Publicado na Revista Weril n.º 139