Um Ritmo Próprio – A Musicoterapia e suas Aplicações
por: autor desconhecido [*]
Toda pessoa tem um ritmo interior, uma identidade sonora que a diferencia das outras. Identificá-lo e equilibrá-lo são procedimentos da musicoterapia, alternativa usada principalmente no trabalho com crianças com deficiência mental
Conta a história que dois mil anos antes de Cristo, quando o imperador da China queria saber como andavam as coisas em suas províncias, ele convocava os músicos de cada uma delas para tocar para ele. E, de acordo com a música que vinha embalando seu povo, o imperador sabia se elas estavam indo bem ou mal. Em tempos de Internet, quando esse recurso não se faz mais necessário, paralelamente aos avanços tecnológicos, cresce a aceitação de terapias alternativas, que valorizam o lado emocional do indivíduo. A musicoterapia, considerada uma ciência paramédica que estuda a relação do homem com o som/música, é uma delas. “A influência fisiológica e psicológica do som no cérebro traz inúmeros benefícios à pessoa”, afirma Maristela Pires da Cruz Smith, presidente da Apemesp (Associação dos Profissionais e Estudantes de Musicoterapia do Estado de São Paulo).
Musicoterapeuta, educadora artística com habilitação em música e mestre em Psicologia Social, Maristela afirma que a música por si só é terapêutica. Segundo ela, o benefício mais comum e mais facilmente percebido é a sensação de relaxamento, de bem-estar. “Todas as pessoas têm uma identidade sonora, um ritmo pulsando em seu interior, conseqüência dos inúmeros sons recebidos por nós. A musicoterapia, através da pesquisa sobre a vida e o ambiente ao qual está inserido o paciente, busca identificar e equilibrar seu ritmo interno, para possibilitar uma melhora”, explica. “Um bom exemplo é o que ocorre com crianças hiperativas, em geral com um ritmo interno bastante acelerado. Primeiramente, elas são tratadas com músicas em seu próprio ritmo, para depois, lentamente, ir buscando equilibrar esse som”, explica Maristela. “Assim como em qualquer outro método terapêutico, não há prazo determinado para o tratamento, que vai depender da resposta do paciente”, ressalta.
Gama de aplicações – Entre as inúmeras aplicações da musicoterapia, destaca-se o trabalho com pacientes portadores de deficiências físicas, como paralisia e distrofia muscular progressiva. As deficiências sensoriais (visual e auditiva) e as síndromes genéticas (Down, Turner e Rett) também contam com essa opção como tratamento complementar. Distúrbios neurológicos (lesões cerebrais, dislexias, disfonias, entre outros) e doenças mentais, como esquizofrenia, autismo infantil, depressões e distúrbio obsessivo compulsivo também podem se beneficiar com essa terapêutica. “A musicoterapia pode ser aplicada desde a vida intra-uterina, pois pesquisas provaram que o feto reage ao som e, por ser estimulado desde cedo, nasce com maior capacidade de desenvolver seu potencial”, afirma Maristela.
As principais pesquisas sobre musicoterapia têm sido feitas em países como Estados Unidos, França, Alemanha, Noruega, Inglaterra, Itália e Argentina, onde o uso terapêutico da música é amplamente difundido. No Brasil, nos últimos dois anos, os benefícios dessa terapia têm sido mais amplamente aceitos por fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicólogos. Sua aplicação tem ocorrido principalmente em entidades que trabalham com crianças portadoras de deficiência mental, como a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Barueri. “Esse trabalho começou a ser realizado por uma de nossas fisioterapeutas com crianças portadoras de deficiência mental, visual e auditiva. Os resultados foram animadores. Por isso, também vamos passar a utilizar a música em trabalhos com fonoaudiólogos”, ressalta Giovanna Aparecida de Carvalho Sales, diretora da entidade. “A música relaxa e tranqüiliza as crianças. Vamos usar os recursos da musicoterapia para trabalhar os processos de linguagem. A percepção corporal através da dança também fará parte do processo terapêutico. Com isso, a criança passa a ter contato consigo mesma e com o outro, é uma forma de integrá-la ao meio”, acrescenta a fonoaudióloga Adriana F. de Souza Aquino, uma das responsáveis pela elaboração do projeto.
Na educação, a musicoterapia pode auxiliar no desenvolvimento psicopedagógico e em dinâmica de grupo em sala de aula. É o que vem ocorrendo com os alunos da Escola Municipal de Educação Especial de Barueri, voltada para a alfabetização de crianças e adolescentes com deficiência mental leve e moderada. Desde o início deste ano, a disciplina Educação Musical passou a contar com recursos de musicoterapia. “Procuro sociabilizar o grupo através da música. A resposta das crianças é uma coisa incrível. Dentro de suas capacidades, elas cantam e dançam”, explica Fernanda Rodrigues dos Santos, formada em Educação Artística, com habilitação em música, e pós-graduada em Musicoterapia.
Segundo os especialistas, a musicoterapia já vem se popularizando também como alternativa terapêutica em tratamento de estresse. A psicoterapeuta Adelina Rennó utiliza os recursos da musicoterapia por meio do canto no processo terapêutico de seus clientes. “Trabalho a voz como expressão da personalidade. É através dela que mostramos quem somos ou, muitas vezes, escondemos quem somos verdadeiramente”, afirma. Doutora em psicologia e também com formação musical, Adelina foi buscar especialização para desenvolver o trabalho de cantoterapia na Alemanha. “Dependendo da indicação, trabalho com uma ou com outra medida terapêutica. Há casos em que utilizo os recursos das duas, já que acredito tratar-se de processos terapêuticos complementares”, encerra.
Em busca da cura – Além da utilização da música como processo terapêutico, há correntes de estudiosos no assunto que voltam seus interesses para a ação curativa de determinado som. No livro O Poder Terapêutico da Música, do norte-americano Randall McClellan, o autor trata os efeitos da música sobre o indivíduo como um todo. Segundo ele, “toda música pode alterar de algum modo nosso estado de consciência. O que não foi ainda determinado é que tipo de música afeta nossa consciência e de que modo e, particularmente, que tipo de música é mais útil para provocar os estados mais desejáveis para fins de cura”. As indagações de McClellan, doutor em Filosofia em Composições Musicais pela Eastman School of Music e também graduado no Cincinnati College Conservatory of Music, têm sido temas de inúmeras pesquisas realizadas principalmente nos Estados Unidos.
No Brasil, o interesse pelo assunto não é menor. Segundo levantamento realizado pela Apemesp, o país conta com cerca de 1500 profissionais com formação em musicoterapia. Mas isso ainda não se traduziu em investimentos e pesquisas sobre o tema.
A falta de dados também incomoda Luiz Roberto Perez, maestro formado pela Escola de Comunicação e Artes da USP (Universidade de São Paulo) e incansável estudioso do tema. “Os efeitos da música sobre nosso equilíbrio emocional e nossos órgãos são notórios. Além do poder de cura, ela também reforça o organismo a agir contra as doenças. Mas para chegarmos a essas informações teríamos de ter pessoas empenhadas nisso, e infelizmente não temos”, ressalta.
À frente do coral que montou no bairro – na Igreja Bom Pastor -, o maestro não deixa de trabalhar os recursos da musicoterapia com seu grupo. “Junto do trabalho de voz, aplico alguns dos recursos da musicoterapia, voltados para o relaxamento e a auto-estima. A boa música terá sempre um cunho benéfico”, diz Luiz, para quem o maior exemplo disso é o canto gregoriano. “Esta música nos transporta para uma outra dimensão, quando ficamos próximos de uma entidade superior. E isto sempre faz enorme bem”, encerra.
“…cada vez que uma peça musical é tocada renasce para uma vida de algum modo nova, e a cada vez que se rende ao silêncio ela morre outra morte. E a cada vez que ouvimos uma peça musical, nos erguemos e morremos de novo com ela: pois a nossa música, tal como nós mesmos, é mortal e morre no final, sempre à espera do renascimento.” (Robert Meagher (filósofo)).
[*] – Nota: Os editores do Música Sacra e Adoração não localizaram informações acerca do autor deste artigo. Qualquer contribuição acerca desta informação será bem-vinda.
Fonte: Publicado originalmente em http://www.jornalalphanews.com.br/ed85/saude.htm