Musicoterapia – Definição e Aplicações Clínicas
por: Vários Autores [*]
O que é Musicoterapia?
Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, em um processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas.
A Musicoterapia busca desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma melhor organização intra e/ou interpessoal e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida, através da prevenção, reabilitação ou tratamento.
Breve Histórico
O uso da música para combater enfermidades é quase tão antigo quanto a música em si. Temos conhecimento desde papiros médicos egípcios que datam de 1500 a.C. e que se referem ao encantamento pela música, influenciando favoravelmente a fertilidade da mulher até citações bíblicas, como em Samuel, 16:23: ” Quando o mau espírito de Deus se apodera de Saul, David tomava a harpa, tocava-a, e Saul acalmava-se e sentia-se melhor, e o espírito mau afastava-se dele…”.
Nas fontes medievais, tanto árabes quanto judias, narra-se com freqüência como se chamavam os músicos para aliviar as dores dos enfermos no hospital.
No século XVIII, Lorry atribui à música um efeito tríplice: excitante, calmante e harmonizante.
Encontramos diversos relatos históricos do uso da música como terapia para estados melancólicos. No ano de 1500, o pintor Hugo Van der Goes “acreditava estar perdido e condenado às penas do inferno, e queria suicidar-se”, tendo sido então levado a Bruxelas, onde se chamou o padre superior que, depois de examiná-lo, comprovou que o paciente sofria do mesmo mal que Saul e, recordando do relato bíblico, mandou que se fossem tocados vários instrumentos diante do enfermo, com o intuito de promover sua melhora.
Desenvolvimento e Evolução
Devemos começar por distingüir quais são os limites entre educação musical e Musicoterapia. Para isso, recorremos a Jacques Emile Dalcroze (1865-1950), que foi um dos precursores da Musicoterapia. Apesar de não a ter exercido, foi um extraordinário educador, o criador da rítmica. Dalcroze dizia que “a música deve desempenhar um papel importante na educação em geral, pois responde aos desejos mais diversos do homem; o estudo da música é o estudo de si mesmo”. O organismo humano é susceptível de ser educado eficazmente, conforme a ordem e o impulso da música, porque o ritmo musical e o corporal são o resultado de movimentos sucessivos, ordenados, modificados e estilizados, que formam uma verdadeira identidade.
Nos Estados Unidos, desde a Primeira Guerra Mundial, os hospitais de veteranos contratavam músicos profissionais como “ajuda musical”; preparavam, assim, o caminho para a Musicoterapia. Os resultados positivos de algumas dessas experiências atraíram o interesse médico e compreendeu-se, cada vez mais, a necessidade de um treinamento específico para fazer do músico um terapeuta. Assim, em 1950, um grupo de profissionais fundou a National Assocition for Music Therapy, que dita um curso de musicoterapeutas com duração de quatro anos e outorga o diploma de R. M. T. (Registers Music Therapy) de nível universitário.
Suscessivamente, foram sendo fundados vários centros para o estudo da Musicoterapia na Europa (British Society for Music Therapy, na Inglaterra; Association de Recherches et d’applications des techniques psychomusicales, na França; Associcion Española de Musicoterapia, na Espanha; Associazione Italiana dei Studi di Musicoterapia, em Bolonha, Itália), até atingir a América Latina.
No Brasil, contamos com a Associação Sul-Brasileira de Musicoterapia de Porto Alegre, a Associação Brasileira de Musicoterapia no Rio de Janeiro, a Associação de Musicoterapia do Paraná e a Associação Paulista de Musicoterapia.
O Musicoterapeuta
O musicoterapeuta é um profissional que deve ter conhecimentos médicos, psicológicos, pedagógicos e musicais, mas não é um médico, nem um psicólogo, nem um músico.
O musicoterapeuta tem uma formação específica, devendo ser antes de tudo um terapeuta, com grande conhecimento teórico e prático da utilização do complexo mundo sonoro, musical e do movimento.
Ele não deve ter o pré-juízo musical estético que tem o músico formado, pois isso o impedirá de aceitar com inteira liberdade os ritmos “não-estéticos” de um determinado paciente ou o “desafinado” de outro, etc.
Ele não deve ter o pré-juízo interpretativo do psicólogo, que se formou numa concepção de verbalização dos fenômenos inconscientes, com uma tendência à interpretação verbal e superintelectualização dos mecanismos psíquicos, pois isso dificultará lidar dentro da concepção do pensamento não verbal.
Ele não deve ser um médico porque este tem que indicar a aplicação deste auxiliar da Medicina e avaliar seus resultados no contexto geral do processo recuperatório do paciente.
As principais áreas de atuação dentro da Musicoterapia são: Clínica: pesquisar e aplicar técnicas sonoras, instrumentais e musicais para reabilitar pessoas com distúrbios físicos, sensoriais, mentais e emocionais.
Educacional: prevenir e tratar distúrbios de aprendizagem e dificuldades na leitura e escrita, com a utilização de métodos musicais.
Social: desenvolver atividades com crianças, idosos e gestantes em hospitais, centros de saúde, creches, casas de repouso e asilos; participar de programas de assistência a menores abandonados, infratores ou envolvidos com drogas.
Pesquisa: trabalhar em pesquisas que comprovem estatisticamente a eficácia da Musicoterapia; criar novos métodos terapêuticos musicais para auxiliar nos diversos tratamentos físicos e psíquicos.
Aplicações Clínicas
Na aplicação clínica da Musicoterapia, a metodologia consta de duas partes essenciais, sendo a primeira de caráter diagnóstico e a segunda de caráter terapêutico. Na primeira é realizada a ficha musicoterapêutica, que consiste em um interrogatório a respeito da história sonoro-musical do paciente. Além desta ficha, o paciente é defrontado com uma série de instrumentos de percussão simples e alguns pouco melódicos com a finalidade de se observar como o paciente consegue se comunicar por meio deles, é a chamada testificação do equadre não verbal. Neste teste, pode-se identificar o instrumento que servirá de objeto intermediário. A segunda parte é constituída pelas sessões de musicoterapia, onde o paciente e o musicoterapeuta trabalham ativamente.
Qualquer pessoa é susceptível de ser tratada com musicoterapia. As mais indicadas são aquelas pessoas virgens de conhecimentos musicais, em que há maior facilidade para se introduzir no contexto não-verbal. Particularmente são indicados no autismo e na esquizofrenia, onde a musicoterapia pode ser a primeira técnica de aproximação. O paciente com conhecimentos musicais prévios pode entrar em confronto com o musicoterapeuta, e é difícil romper com as defesas musicais ao pretender trabalhar com seus aspectos mais regressivos.
A musicoterapia é aplicável ainda em outras situações clínicas com certas adaptações, pois atua fundamentalmente como técnica psicológica, ou seja, reside na modificação dos problemas emocionais, atitudes, energia dinâmica psíquica, que será o esforço para modificar qualquer patologia física ou psíquica. Pode ser também coadjuvante de outras técnicas terapêuticas, abrindo canais de comunicação para que estas possam atuar eficazmente.
1) A Musicoterapia no Deficiente Mental
Ao contrário do que se poderia imaginar, a musicoterapia permite, de maneira bem fácil, a introdução de mensagens que pareciam difíceis ou complicadas para o deficiente mental. Para estabelecer contato, primeiro o deficiente mental é tratado individualmente, e após, grupalmente, para integração com os demais. É importante o uso do corpo como instrumento de movimento e percussão: soltar a voz, bater palmas, bater a mesa, marchar, bater o rosto do musicoterapeuta, ou o próprio rosto controlando a força – meio de contato humano, de descarga, de autoagressividade. É necessário encontrar um meio para que a criança se expresse: num ritmo, ruído, som ou melodia. Os deficientes mentais têm facilidade para viver a intensidade e aprendem a duração do ritmo, podendo passar para as aulas de música após a terapia.
2) A Musicoterapia em Perturbados Motores
O objetivo é produzir novas vias no cérebro lesado, tanto em crianças como em adultos. A música dá a emoção do movimento, porque se move no tempo e no espaço, e a meta da musicoterapia é provocar a sensação da possibilidade de realizar o movimento. Também nestes pacientes é necessário trabalhar individualmente no início, pois os espásticos e os atetósicos apresentam reações diversas frente à música. O musicoterapeuta deve procurar o melhor meio de expressão do paciente. Deve-se ainda buscar a integração com outras áreas como a psicoterapia.
3) A Musicoterapia nos Deficientes Auditivos
A atividade para o som é completamente distinta em pacientes com experiência auditiva prévia, em pacientes com surdez parcial, e nos surdos de nascimento. De qualquer maneira, interessa-lhe mais o ritmo e menos a melodia. Utilizam-se de outros sistemas capazes de perceber o som: sistemas de percepção interna, táctil e o visual. As sessões podem ser individuais ou em grupos, pois são pessoas normais com suficiente capacidade para integrar-se ao movimento de dança. É importante o piso de madeira na sala de musicoterapia para sentir as vibrações, os audiofonos, os grandes instrumentos, e as vibrações no ar. Sentir as vibrações do musicoterapeuta quando este canta e compará-las com as de seus companheiros é uma das experiências mais ricas de comunicação que existe.
4) A Musicoterapia no Autismo Infantil
É a primeira técnica de aproximação para com este paciente. pode-se considerar que o autista é uma espécie de feto que se defende contra os medos de um mundo externo deconhecido e contra as sensações das deficiências de seu mundo interior. Portanto, é importante trabalhar em etapas com elementos de regressão, ou seja, musicoterapia passiva ou receptiva (o paciente é submetido ao som sem instruções prévias); de comunicação e de integração.
A água pode ser fundamental para a terapia, pois é elemento com o qual a criança convive diariamente produzindo efeitos diversos, assim como sons primitivos como batimentos cardíacos, inspiração e expiração.
A Musicoterapia também se adapta perfeitamente nas famílias de crianças autistas, psicóticas, ou mesmo em qualquer grupo familiar enfermo, quando realizada paralelamente à terapia da criança. O objetivo é evitar a criação de um sistema de comunicação incorreto: hiperestimulação ou comunicação estereotipada, como expressões verbais repetitivas e rígidas (“isto é feio!”, “caca!”). Visa também fazer com que a família compreenda o tempo de seu filho na comunicação, de romper o uso incorreto da comunicação e de reconstruir a comunicação com a criança.
Uso inadequado e Contra-indicações
Como foi discutido, o som e o fenômeno acústico têm uma grande potência e, portanto, deve-se ter muita cautela no uso dos mesmos. Se profanado pelo uso indiscriminado e sem conhecimento, trará com certeza efeitos negativos, como a piora dos sintomas do autismo, pois os sons utilizados de forma passiva (ficar horas ouvindo música sozinho) contribuem para o maior isolamento dos pacientes perante o mundo.
1) Críticas à Música Funcional
Na música funcional, são geralmente utilizadas em ambientes de trabalho, oficinas, indústrias, consultórios, hospitais etc. peças musicais de ritmo variado, volume uniforme, de escala fixa, orquestrada, como o fox-trot, valsa, samba, nunca se impondo à percepção consciente. Têm o objetivo de aumentar a eficiência do trabalhador, elevar o estado moral, diminuir tensões, aborrecimentos, monotonia, acidentes de trabalho, ruídos de fábricas etc.
Entretanto, pode-se criar a ilusão de um grupo de apoio, diminuindo a ansiedade da solidão. Pode ser um elemento invasor para algumas pessoas, pois estas necessitam de um determinado tipo de música em um determinado momento de sua vida. Além disso, a música pode trazer fortes associações mnêmicas e emocionais com algumas situações, como momentos traumáticos da vida de um paciente.
2) Contra-Indicações
Na epilepsia musicogênica, a música é fator-estímulo desencadeante dos ataques dessa rara doença, portanto a musicoterapia está contra-indicada para esses pacientes.
A música eletrônica pode ser considerada também uma contra-indicação, pois apresenta sons com propriedades alucinógenas muito similares às das drogas, além de ainda se encontrar numa etapa de experimentação. O som eletrônico tem características próprias que provocam fenômenos distintos, incluindo o poder de provocar manifestações muito regressivas.
Autores: Helena Shino Hanai, Juliana Kawabe, Leina Yukari Etto, Rosângela Gomes Silva e Tatiana Hangai Ushirobira
Departamento de Informática em Saúde – Universidade Federal de São Paulo (voltar ao topo)
Fonte: http://www.virtual.epm.br