Música Para Nossos Doentes
por: Prof. Dr. Luiz Vénere Decourt
Na coluna de hoje será debatido um tema que vem sendo analisado em centenas de trabalhos, mas que permanece atual pela natureza das observações, não facilmente caracterizadas como científicas.
A utilização da música na atividade clínica, como apoio ou como tratamento, vem ocorrendo desde tempos remotos. Ela integrava-se aos rituais mágicos dos períodos de colheita, de migrações, de fases etárias, de guerras. Nas antigas civilizações era ponte significativa da medicina mística e mítica exercida por pessoas credenciadas. (…) Tem sido admitido que Asclepíades, de Prussa, respeitado médico grego que trabalhou em Roma no século I A.C., foi o primeiro a utilizá-la no tratamento das alterações mentais.
Através dos séculos inúmeros relatos vêm documentando sua atividade, embora, como se compreende muitos deles, frutos de superstições. Os benefícios ocorrem também na medicina atual, tão rica em frieza perante o espiritual.
É evidente que a impressionante soma de conquistas modernas deslocou e afastou o papel isolado da meloterapia, mas ela permaneceu como atitude complementar que pode ser expressiva. Nesta exposição discutirei apenas a música considerada “clássica”, não por menosprezo da chamada “popular”, mas por ser aquela o meu mundo de Aon.
Indicada principalmente para os doentes mentais ela pode exercer atividade sobre múltiplos enfermos. E, assim, vem sendo utilizada em todos os setores da medicina. Em hospitais, em sanatórios, em clínicas privadas, em ambulatórios. Favorece adultos e crianças, abrangendo entre estas, portadores de alterações da fala, de surdez, de deficiência visual, de retardo mental, de perturbações em leitura, de alterações motoras.
Estende seu campo de ação a viciados, alcoólatras, toxicômanos; e também a estados ansiosos, como em fases pré-operatórios, de pré-parto, de suspeita de processos mórbidos graves. Em algumas Instituições os próprios enfermos executam peças musicais. E mesmo em presença de dores de cancerosos, fazendo supor certa elevação de seus limiares.
Seria impossível mencionar as minuciosas informações sobre essas possibilidades. Elas foram amplamente analisadas na excelente obra do Prof. Carvalhal Ribas, Música e Medicina, de 1950.
Desejo apenas mencionar algumas ocorrências expressivas. Na Universidade de Utah, há pouco menos de dez anos, 15 portadores de processos malignos foram submetidos duas vezes ao dia a audições de músicas “relaxantes”, em sessões de 45 minutos. Onze dos enfermos relataram redução do sofrimento, sete dos quais com respostas significativas. Ou outra observação, na Universidade de Michigan, uma gerontologista (Dra. W. Donohíve) pode acompanhar enferma de 90 anos completamente inconsciente do ambiente, que apenas mostrava um sorriso perante valsa executada com acordeão.
Recentemente tive oportunidade de observar uma ocorrência impressionante. Um meu primo, com cerca de 70 anos, manteve-se dias com perturbação mental e hemiplegia esquerda decorrentes de processo embólico cerebral. Nesse período apenas revelava a presença da voz por certas exclamações perante estímulos de médicos e familiares. Inesperadamente, entretanto, reagiu a trecho musical fornecido por filho, exclamando com clareza “As Quatro Estações ” de Vivaldi! Não identificara a época exata mas reconhecera a peça musical.
Na apreciação das ocorrências devemos distinguir as respostas das coletividades e as de origem pessoal. A sensatez exige certas reservas perante experiências feitas em coletividades. Muitas são expressivas, como já acentuamos, e fazem da música nossa colaboradora. Outras, contudo, não alcançaram os fins propostos, por diferentes motivos, e exibem resultados que não convencem.
As observações pessoais são mais precisas e mais significativas e, por isso, a individualização é fundamental. Ela decorre da óbvia heterogeneidade dos enfermos quanto ao gosto, à receptividade, às características mentais. Assim, o nível intelectual, a cultura geral, a cultura musical, a inclinação a determinado(s) tipo de composição.. Em várias situações são estas propriedades que determinam pelos doentes, o que deve ser ouvido. Em outras, cabe a nós, médicos, uma orientação preliminar.
Duas observações curiosas estão presentes em minhas recordações.
A primeira refere-se a colega que sentia-se “irritado” com a audição do segundo movimento (Allegreto scherzando) da oitava sinfonia de Bethoven. Este trecho apresenta cadência relacionada ao uso do metrônomo, inventado pelo amigo Malzel. Tratava-se, entretanto, de peça atraente que, para Berlioz “caíra diretamente do céu à mente do artista”.
Outra ocorrência liga-se à “Cavalgada das Valquírias“, de Wagner. A música, arrebatadora, simboliza o galope das virgens guerreiras através do espaço. Ela tem sido considerada, em alguns centros médicos, como responsável por reações indesejáveis dos enfermos. Em eventualidades de certos estados debilitantes, entretanto, a própria força da música age de forma benéfica.
Peculiaridades das obras musicais – Como se poderia prever, a longa vivência com a musicoterapia forneceu tentativas de classificação como tônicas, como relaxantes como calmantes, como estimulantes, como consoladoras, como evocativas. Dentro desta concepção, determinadas peças musicais já estariam indicadas ou contra-indicadas com antecipação. Há uma grande reserva de verdade nessa atitude e que não deve ser ignorada.
Fonte: http://www.incor.usp.br