Dor Oncológica: A Música Como Terapia Complementar
por: Eliseth Ribeiro Leão
O potencial da música para auxiliar na cura tem sido reconhecido por milhares de anos. Relatos históricos e mitológicos comprovam isso. Platão e Pitágoras na Grécia antiga descreviam a música como um recurso capaz de harmonizar o ser humano. NIGHTINGALE (1989), já em 1859, mencionava o uso da música como um cuidado à saúde.
Durante os primeiros anos do século XX, a música, ganhou maior força nos hospitais com o retorno dos veteranos da I e II Guerras Mundiais. Nesse período o papel da Enfermagem foi preponderante para a musicoterapia e sua projeção enquanto profissão nos E.U.A.
Isa Maud Ilsen, musicista e enfermeira foi a responsável pela criação da Associação Nacional de Música nos Hospitais, além de pioneira no ensino de musicoterapia na Universidade de Columbia.
Ilsen considerava a música como um caminho para aliviar a dor em pacientes cirúrgicos e naqueles com doenças físicas (DAVIS, GFELLER, THAUT, 1992). Seus passos foram seguidos por outra enfermeira, Harriet Ayer Seymour que utilizava a música com efeitos benéficos nos soldados feridos, e dedicou-se ao estudo e à prática da terapêutica musical(RIBAS, 1950).
A musicoterapia é bastante ampla e pode ser definida, para a Enfermagem, como a utilização criteriosa da Música, enquanto recurso complementar no cuidado ao ser humano, visando a restauração do equilíbrio possível, do bem-estar e, em muitos casos, a ampliação da consciência individual no processo saúde-doença.
A música na prática da Enfermagem tem sido apontada como recurso terapêutico complementar no manejo e controle da dor aguda e crônica. Em 1977, foi iniciado o primeiro Programa em musicoterapia num serviço de cuidados paliativos do Royal Victoria Hospital para atender as necessidades dos pacientes terminais e de seus familiares (MUNROE;MOUNT, 1978), abrangendo as dimensões física, mental/psicológica, social e espiritual:
FÍSICA:
Promove relaxamento muscular; quebra o círculo vicioso da dor crônica por aliviar a ansiedade e depressão e, portanto, altera a percepção dolorosa ; facilita a participação em atividades físicas de acordo com as possibilidades individuais.
MENTAL E PSICOLÓGICA:
Reforça a identidade e o auto-conceito; altera o estado de ânimo do paciente; auxilia o paciente a lembrar de eventos significativos do seu passado; promove a expressão não verbal de sentimentos, inclusive inconscientes; favorece a fantasia.
SOCIAL:
Funciona como ponte entre as diferenças culturais e o isolamento; promove a oportunidade de participação em grupo; promove entretenimento e diversão.
ESPIRITUAL:
Facilita a expressão de sentimentos espirituais e promove conforto espiritual; auxilia na expressão de dúvidas, raiva, medo e questões relacionadas ao significado da vida e sua finitude.
Segundo BONICA (1980), aproximadamente 60%-80% dos pacientes com câncer admitidos nos hospitais em estágios avançados da doença sofrem de dor crônica associada ao câncer.
McCAFFERY (1990) indica o uso da música, entre outros métodos, como uma abordagem não farmacológica efetiva para o controle da dor, por se caracterizar como um método de distração e estar entre as estratégias mais eficazes além de apresentar um alto nível de aceitabilidade pelos pacientes.
HICKS (1992) analisando diversos trabalhos de outros autores enfatiza que a música além de reduzir a tensão e diminuir a dor , promove ainda melhora do sono e constitui também um método de distração (MUNROE; MOUNT, 1978; MacCLELLAND, 1979; LOCSIN,1981; MOSS, 1988; MORNHINWEG; VOIGNIER, 1995).
GOOD (1995) estudando os efeitos do relaxamento e da música em 84 pacientes submetidos à cirurgia abdominal observou que 89% do grupo experimental, após dois dias de intervenção, referiu diminuição de dor e ansiedade.
OWENS ; EHRENREICH (1991) revisando a literatura sobre métodos não farmacológicos sobre o tratamento da dor crônica relatam que as pesquisas indicam que a música afeta todos os maiores sistemas do corpo. Referem ainda outros benefícios da musicoterapia em estudos com pacientes com dor aguda, citando o estudo de Herth que em seus achados identificou uma diminuição de 30% do uso de medicações analgésicas quando a música foi utilizada.
ZIMMERMAN et al. (1989) submeteram pacientes com dor oncológica, que recebiam medicação analgésica de horário ( 50% usando morfina), a ouvirem música com sugestão positiva de que haveria uma redução da dor. Em comparação a um grupo controle encontraram diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos. Os pacientes que ouviram música apresentaram uma redução da dor com significativa diminuição nos escores do Questionário McGill (componente afetivo) e da Escala Analógica Visual (VAS).
Nossa experiência no cuidado de mulheres com diagnóstico de fibromialgia (embora seja dor crônica não oncológica) tem demonstrado que por meio da audição musical erudita há uma redução significativa da dor crônica referida por essas pacientes além de proporcionar uma experiência muito rica, pois além do alívio da dor, diversos aspectos subjetivos emergem, tais como alterações nos estados de ânimo, facilitação da introspecção, visualização de imagens e sensações estéticas, demonstrando que sua utilização e compreensão merecem ser ampliados (DOBBRO, 1998).
Frente às considerações sobre a utilização da música em oncologia acreditamos que Programas em Musicoterapia constituem um campo a ser desenvolvido pelos enfermeiros tendo em vista a gama de possibilidades terapêuticas, que nos permitirá ir ao encontro de diversos objetivos, destacando-se entre eles: o manejo e o controle da dor crônica, a minimização dos efeitos desagradáveis decorrentes da quimioterapia, a redução da ansiedade e depressão e também o favorecimento da experiência integradora que facilita o conforto espiritual e promove dignidade na fase que antecede o término do ciclo vital desses pacientes.
Vale ressaltar que a utilização da música na Assistência de Enfermagem ainda nos é uma atividade incipiente que merece o desenvolvimento de pesquisas para aprofundarmos nossos conhecimentos nessa área e então podermos otimizar os seus efeitos terapêuticos, estabelecendo critérios de utilização confiáveis e, proporcionarmos assim, melhor qualidade de vida aos pacientes oncológicos.
Referências Bibliográficas
BONICA, J.J. Cancer pain. In: J.J. BONICA (Ed.) Pain. (pp.335-362) . New York: Raven Press.
COSTA, C.M. O despertar para o outro – musicoterapia. São Paulo, Summus, 1989.
DAVIS, W.B.; GFELLER, K.E.; THAUT, M.H. An introduction to music therapy theory and practice. Dubuque, WCM Publishers, 1992.
DOBBRO, E.R.L. A Música como terapia complmentar no cuidado de mulheres com fibromialgia. São Paulo, 1998. 153p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem , Universidade de São Paulo.
GOOD, M. A comparison of the effects of jaw relaxation and music on postoperative pain. Nursing Research., v. 44, n.1, p. 52-7, 1995.
HICKS, F. The power of music. Nursing Times, v.88, n.41, p-72-4, 1992.
LOCSIN, R.G. The effect of music on the pain of selected postoperative patients. Journal of Advanced Nursing, v.6, n. 1, p. 19-25, 1981.
McCAFFERY, M. Nursing approaches to nonpharmacologial pain control. International Journal of Nursing Studies., v.27, n.1, p.1-5, 1990.
MacCLELLAND, D.C. Music in the operating room. AORN Journal, v. 29, n.2, p.252-60, 1979.
MORNHINWEG, G.C.; VOIGNIER, R.R. Holistic Nursing Interventions. Orthopaedic Nursing, v.14, n.4., p. 20-4, 1995.
MOSS, V.A. Music and the surgical patients. AORN Journal, v. 48, n.1, p.64- 9, 1988.
MUNROE, S.; MOUNT, B. Music therapy in paliative care. CMAJ, v. 119, n.4, p. 1029-34, 1978.
NIGHTINGALE, F. Notas em enfermagem: o que é e o que não é. São Paulo, Cortez, 1989.
OWENS, M.K.; EHRENREICH, D. Literature review of nonpharmacologic methods for the treatment of chronic pain. Holistic Nursing Practice, v.6, n.1, p.24-31, 1991.
RIBAS, J.C. Música e Medicina. São Paulo, Neurônio, 1950.
ZIMMERMAN, L. et al. Effects of music in patients who had chronic cancer pain. Western Journal of Nursing Research, v.11, n.3, p.298-309, 1989.
Eliseth Ribeiro Leão
– Enfermeira e Terapeuta Floral.
– Mestre e Doutoranda da EEUSP.
– Ex-colaboradora do Grupo de Dor do HCFMUSP e dos Programas de Educação em Dor do IOTHCFMUSP.
– Assessora de Pesquisa Científica do Hospital Samaritano
Fonte: Publicado originalmente em http://www.hospitalsamaritano.com.br/boletimcentroestudos/1/doroncologica.htm