O Domínio da Mente no Cristianismo Através da Música
por: Glauber Souza Araujo
Resumo: O presente artigo pretende fazer uma análise do uso da música feito por denominações cristãs. Diante desta proposta, estudos são apresentados mostrando os efeitos que estímulos transmarginais produzem na mente de pessoas dentro de um contexto religioso. Tais estímulos são utilizados em tempos de guerra como também dentro de igrejas, levando o indivíduo ao êxtase, transes, colapso e “conversão”. Diante da afirmação cristã de que a conversão deve ser baseada em uma escolha livre e racional, o presente artigo discute o uso de tais estímulos empregados na conversão de fiéis.
Palavras-chaves: Êxtase religioso, Conversão, Música, Transe, Cristianismo.
Mind Control in Christianity Through the Use of Music
Abstract: This article seeks to make an analysis of the use made of music by Christian denominations. Thus, studies are presented showing the effects that transmarginal inhibition have on the mind within a religious context. Such stimuli are used in time of war as in churches, leading individuals to ecsasy, colaps and “conversion”. Since christians afirm that conversion should be based on a free and racional choise, this articles discuses the use of such stimuli used in the conversion of church members.
Keywords: Religious ecstasy, Conversion, Music, Trance, Christianity.
Em anos mais recentes, psicólogos, tal como William Sargant, tem se interessado nas atividades da mente envolvida em assuntos religiosos. Em um de seus livros, A conquista da mente, Sargant relata suas descobertas ao estudar os efeitos fisiológicos da conversão. Ele menciona que recebia em sua clínica muitos pacientes durante a Segunda Guerra Mundial para serem tratados. Em muitos casos, soldados de guerra que apresentavam sintomas de exaustão de combate, “estupor, perda de memória, perda do uso dos membros, desmaios, etc” (SARGANT, 1968, p. 52). Para entendermos os métodos empregados por Sargant no tratamento de seus pacientes, que explicaremos mais adiante, é importante lembrarmos que Sargant é considerado um behaviorista. Na psicologia, behavioristas defendem que “o comportamento é o único elemento qualificável e previsível do ser humano e, portanto, o único objeto da psicologia” (ÁVILA, 2003, p. 45).
Sargant tratava seus pacientes a partir dos conceitos pavlovianos de “estimulação” e “inibição” transmarginal, onde estes pacientes eram levados a um estado de medo, excitação e alta sugestionabilidade, caindo então em colapso. Posteriormente, quando o paciente voltava a si, os sintomas que antes lhe acompanhavam, desapareciam (SARGANT, p. 29-46). Segundo ele, o prolongamento de uma estimulação transmarginal provoca um estado de sugestionabilidade, favorável a cura. Sugestionabilidade, conforme Sargant o define, é a capacidade de induzir pessoas a acreditarem qualquer coisa, mesmo naquilo que contradiz fatos evidentes. Mesmo que o paciente esteja em uma sala, deitado em um divã, quando este se encontra neste estado alterado de consciência, é possível fazer o paciente acreditar que está se afogando no mar, ou acreditar qualquer outra coisa irreal.
Um exemplo oferecido por Sargant é de pessoas que antes eram altamente céticas a uma ideia especifica e, após um momento de excitação realizado por ele, podiam aceitá-la como se fosse a coisa mais lógica do mundo. “Repentinamente o branco é preto, amigos são inimigos e inimigos são amigos, questões insignificantes são mais importantes do que assuntos significantes, ou, talvez, nada mais parece ter qualquer importância” (SARGANT, 1975, p. 53).
Para alcançar esse estágio de sugestionabilidade, poderiam ser utilizados vários métodos. Um deles era fazer o paciente relembrar os momentos traumáticos que lhe deixaram naquela situação. Isso podia, muitas vezes, acontecer sob a influência de certas drogas que eram aplicadas nos pacientes. Sob o efeito da droga, os pacientes relembravam com maior facilidade os eventos traumáticos de sua vida e reviviam aquele momento emocionalmente carregado, até entrar em colapso e esgotamento emocional. Após o colapso, eles descansavam tranquilamente, sem reagir a qualquer estimulo do ambiente ao seu redor, e “ao tornarem a si, muitas vezes desandavam a chorar e relatavam que seus sintomas principais haviam desaparecido de repente” (SARGANT, 1968, p. 69). Sadler define este processo como abreação. Isto é, o “processo de reviver a memória de uma experiência desagradável reprimida e expressar em fala e ação as emoções relacionadas com ela, livrando assim a personalidade de sua influência” (SARGANT, p. 67).
Posteriormente, Sargant descobriu um método mais eficaz ao levar o paciente a um estado de excitação e medo, mesmo se não houvesse qualquer relação com o evento traumatizante. Assim fazendo, poderia alcançar os mesmos resultados (colapso e cura). Ele descobriu que o ato de relembrar o evento não era o que trazia a cura, e sim a descarga emocional.
‘Memórias sem afeto, memórias sem menor descarga de emoções’ eram quase inúteis; significando que, a menos que um médico pudesse levar seus pacientes a viverem de novo as emoções originariamente associadas a experiência reprimida que causara a neurose, o mero fato de lembrar-se da experiência não constitui cura (SARGANT, p. 66).
A cura produzida pela abreação, não acontecia devido ao exercício da memória, mas à quantidade de excitação alcançada: “A quantidade de excitação provocada parecia ser o fator determinante do êxito ou malogro de inúmeras tentativas de eliminação dos padrões de comportamento mórbido recém-adquirido. Emoção que não leva o paciente ao ponto de inibição transmarginal e colapso podia ser de pouca utilidade” (SARGANT, p. 74).
A abreação é uma ferramenta utilizada por psicólogos para levar o paciente à cura, mas Sargant nos lembra que este também “é um velho truque psicológico que vem sendo usado, para o bem ou para o mal, por gerações de pregadores e demagogos a fim de abrandar a mente de seus ouvintes e ajudá-los a assumir os desejados padrões de crença e comportamento” (SARGANT, p. 76). Muitos utilizam a abreação para mudar a maneira como uma pessoa pensa, como também devolver funções que tinham sido inibidas pelo trauma, como perda da visão, audição, capacidade de andar, segurar objetos e outros males.
Neste momento uma pergunta pode surgir: “Quem está imune a esse tipo de controle mental?” Sargant responde afirmando: “Ninguém!” Todos, quando expostos a esses métodos, acabam cedendo uma hora ou outra. Segundo ele, existem dois tipos de pessoas na sociedade: a “comum” e a “incomum”, ou “anormal”. Para ele, a pessoa “comum” é na realidade a pessoa mais facilmente doutrinada por tais métodos.
Aqui, “comum” ou “normal” é definido pela comunidade “simplesmente porque aceita a maioria de seus [da sociedade] padrões sociais e padrões de comportamento […] [a pessoa] é suscetível a sugestão e foi persuadida a seguir a maioria na maior parte das ocasiões comuns e extraordinárias” (SARGANT, p. 82). Segundo ele, “o melhor meio de evitar possessão, conversão e todas as condições semelhantes consiste em evitar envolver-se emocionalmente no processo” (SARGANT, p. 112). Em frequentes ocasiões, o autor comenta que percebia estar entrando em um estado de sugestionabilidade, pois seu raciocínio já não era tão acurado como normalmente. Talvez os únicos que aparentam ser impermeável à sugestão, de acordo com Sargant, sejam os lunáticos ou doentes mentais (SARGANT, p. 192).
O estado de sugestionabilidade, já mencionado, é interpretado como sendo “êxtase”, o qual Paulo Calderelli define da seguinte maneira:
Alegria ou arrebatamento incontido e excessivo. Neste estado permanece suspensa toda a atividade voluntária e também, parcialmente, as funções sensoriais e psíquicas em geral, devido à prolongada contemplação de um grupo limitado de ideias. É freqüentemente observado nos delírios místicos e na histeria nesta condição o indivíduo parece ter perdido todo e qualquer contato com o mundo exterior (CALDERELLI, p. 287).
Este estado de consciência alterada se caracteriza “por um limiar sensório e por um abandono dos modos habituais de perceber o meio exterior e/ou interior” (WHITE, 1997, p. 24).
O êxtase religioso
O êxtase não é um fenômeno que acontece apenas no meio “secular”. Ele também é experimentando no âmbito religioso. Assim sendo, nos interessa especialmente a interpretação de Mendonça (1997, p. 150) acerca deste fenômeno: “O êxtase pode ser definido como um estado de consciência alterado, com maior ou menor intensidade, e que se caracteriza pela passagem que o individuo sofre de uma realidade para outra. Na maior parte das vezes o êxtase é procurado pelos indivíduos, especialmente nas práticas religiosas em que é valorizado como canal de comunicação com o sagrado”.
No caso de Sargant, ele menciona que o êxtase religioso também se tornava útil e necessário para a cura de traumas passados. No entanto, o êxtase religioso é aqui defendido como uma forma de experimentar o divino. Rosileny Santos (2004, p. 105), ao analisar alguns relatos de pessoas que experimentaram o êxtase religioso, afirma que “desde relatos mais antigos até mais recentes, o êxtase religioso tem a mesma conotação: é pessoal, tem a ver com a racionalidade da pessoa, independente da cultura ou da religião, e é uma busca que em si promete momentos de euforia e bem-estar”.
O êxtase ou a excitação mental pode ser obtido de diversas maneiras, em ambientes religiosos: através do medo, choques elétricos, drogas, álcool, sexualidade e música. Os dirigentes das atuais religiões não são ignorantes destas armas fisiológicas.
Jejum, castigo da carne por flagelação ou desconforto físico, regulação da respiração, revelação de mistérios terríveis, toque de tambor, danças, cantos, provocação de medo, pânico, iluminação fantástica ou gloriosa, incenso, rogas inebriantes – esses são apenas alguns dos inúmeros métodos empregados para modificar a função cerebral normal para propósitos religiosos (SARGANT, p. 94).
Já que a musica é um dos “métodos empregados para modificar a função cerebral normal para propósitos religiosos”, nos interessa nesse momento descobrir como ela é utilizada para alcançar estes níveis de consciência alterada em âmbito religioso.
A música e o êxtase religioso
Não se pode duvidar do poder que a música tem sobre a mente humana. Ela é capaz de alterar o estado da mente do ouvinte, assim como dominá-la. O ouvinte “antes de mais nada, precisa ser musicalmente sensível e tem de estar na disposição de espírito certa, para ser dominado pela música. E a música tem de ser exatamente do tipo certo. Ritmo percussivo agudo pode fazer um paciente entrar em espasmos, como uma marionete” (JOURDAIN, 1998, p. 381).
Teóricos que se especializaram nos efeitos fisiológicos da música se impressionam a que ponto o corpo pode ser afetado pela musica:
A música influi na digestão, nas secreções internas, na circulação, na nutrição e na respiração, como também até as redes nervosas do cérebro são sensíveis aos princípios harmônicos. Sem duvida a música provoca certas mudanças biológicas, podendo ocasionar uma alteração no pulso, na respiração e na pressão externa do sangue; retarda a fadiga muscular e aumenta o metabolismo, amplia a sensibilidade e facilita o acesso a outras formas de estímulo e percepção (SILVA, 1989, p. 40-41). No extremo oposto da escala, os ritmos acelerados elevam o ritmo das pulsações do coração e, portanto, a excitação emocional (SILVA, p. 44).
Dessa forma, o ritmo se torna importante nas diferentes formas de reações mentais. Ritmos diferentes produzem reações diferentes. O ritmo pode
conduzir a histeria, criar ou provocar um efeito hipnótico. Se for do tipo repetitivo, obsessivo, causará psicologicamente uma depressão; e se iniciar de forma lenta, passando a um movimento cada vez mais rápido, poderá provocar obscurecimento da consciência, especialmente se a melodia que o acompanha for contínua, sem fim, suprimindo a sensação de tempo. Um exemplo disto é o ritmo hipnótico das batidas dos atabaques nos rituais de macumba, que com um furor crescente é acompanhado pelos aficionados através de movimentos contorsivos. As variações cadenciadas, que se aceleram cada vez mais e mais, elevam a pessoa a manifestar o “santo” (SILVA, p. 47).
Quando esse se torna repetitivo, através de instrumentos de percussão, o ouvinte pode sentir fadiga, passando por um “amortecimento consequente da consciência”, levando “iniciados a um verdadeiro estado de hipnose” (SPARTA, 1970, p. 57). Rosileny Santos (p. 177) acredita que apesar desses efeitos serem notados quando certos ritmos são tocados “as músicas utilizadas nas celebrações pesquisadas não pretendem provocar o êxtase”. No entanto em várias circunstâncias, a música é o elemento-chave na religião para produzir um estado de transe nos fiéis, sendo esta uma experiência central em muitas religiões. Podendo se concluir que a música é um método eficaz na produção de estados de transe, mesmo quando não produzido intencionalmente.
O transe religioso pode se tornar especialmente útil quando é necessário uma “conversão” da pessoa para a nova religião. Ele se torna útil para a dissipação de crenças e comportamentos antigos e a assimilação de novas crenças e padrões. É crucial poder “provocar certo grau de tensão nervosa ou despertar sentimentos de cólera ou ansiedade suficientes para assegurar a atenção inteira da pessoa e possivelmente aumentar sua sugestionabilidade” (SARGANT, p. 95). Após o êxtase ou colapso, a pessoa volta ao normal, mas as novas ideias sugeridas ficam implantadas.
Cientes do poder da música sobre a mente humana, muitas religiões têm se apoderado desta ferramenta para agir sobre a mente de seus fiéis. As religiões afro, em especial, conseguem controlar o nível de sugestionabilidade, controlando o ritmo da música.
O caso de homens e mulheres que foram levados a um estado de sugestionabilidade pelo toque de tambor vodu mostra o poder de tais métodos […] O sacerdote vodu aumenta a excitação e a sugestionabilidade alterando a altura e o ritmo do som dos tambores […] Depois de um colapso final que terminava em estupor, os participantes… podiam acordar com uma sensação de renascimento espiritual (SARGANT, p. 110).
Para os que são dominados pela música, a sensação é de estar sendo dominado por uma força transcendente (SARGANT, p. 113). “Embora aparentemente inconscientes, eles apresentam todo o pormenorizado comportamento que se espera da divindade pela qual se acreditam possuídos” (SARGANT, p. 110).
Ao compararmos as diferentes religiões existentes, podemos perceber que o êxtase ou o transe religioso é um fenômeno existente em quase todas elas, e suas interpretações também são múltiplas. “O êxtase provoca as experiências traduzidas pelas denominações como ‘voos mágicos’, ‘ascensão ao céu’, ‘viagem mística’*…+ o ‘ter acesso às altas esferas e de descer as esferas inferiores” (ELIADE, 1998, p. 49). Sargant, no entanto, procura deixar claro que independente da explicação que possa ser oferecida no âmbito religioso, o fenômeno é o mesmo que suas experiências com os soldados da Segunda Guerra.
Durante a guerra, como vimos, o sistema nervoso humano pode ser bombardeado por estímulos de intensidade suficiente para produzir exatamente as mesmas condições de dissociação mental e transe que são deliberadamente produzidas em outras partes do mundo pelos tambores, pelas danças e por outras técnicas excitadoras (SARGANT, 1975, p. 217).
Ele relata suas viagens para países como Sudão, Zâmbia, Nigéria, Quênia, Haiti, Jamaica, Barbados, Brasil, Estados Unidos e outros, e seu contato com cultos que promovem oportunidades de êxtase e colapso. Em cada uma delas podemos encontrar o papel fundamental da música como instrumento para se chegar ao transe.
Quero salientar mais uma vez que, sempre quando os seres humanos, mesmo nas sociedades mais evoluídas, são impelidos a dançar sob-ritmos possantes e repetitivos, suscita-se uma atmosfera de sugestionabilidade aumentada que libera tensões acumuladas, ódios e outras emoções dos participantes. As crenças em líderes religiosos ou políticos ou sociais podem ser fortalecias, ou também eliminadas para serem substituídas por alguma crença diferente, dependendo do comportamento e dos propósitos daqueles que controlam os acontecimentos (SARGANT, p. 155).
O cristianismo e o êxtase religioso
Ele relata uma experiência que teve na Nigéria que o assustou. Como já estava acostumado a observar religiões primitivas, não esperava ver o mesmo fenômeno acontecendo em religiões cristãs.
Vimos aqui novamente o mesmo padrão de danças, transe, ‘possessão’ e colapso, mas esta era uma cerimônia cristã, em que alguns dos crentes ficavam possuídos pelo Espírito Santo. […] Havia jovens entre os que tocavam tambores, e a maioria dos dançarinos eram jovens. Fiquei horrorizado ao ver crentes de dez a quatorze anos entrando em transe com colapso, e isto era considerado uma manifestação, não de espíritos ancestrais de uma tribo, mas sim do Espírito Santo e do mesmo Deus que é adorado no mundo cristão inteiro (SARGANT, p. 179).
Além do mais, pode-se observar uma ligação entre os estados de transe produzidos pela música, e a sexualidade dos fiéis subjugados pela música. “Frequentemente os próprios homens que tocavam os tambores pareciam tentar criar um nível máximo de reação na paciente específica diante deles. Era quase como se as mulheres estivessem sendo sexualmente possuídas pelos tambores”. Para William Sargant, tanto o som dos tambores quanto o sexo são capazes de produzir um estado de transe ou semi-transe, “terminando em colapso dos nervos e relaxamento” (SARGANT, p.163).
Qualquer ideia que for sugerida em um momento de sugestionabilidade será assimilada pelo fiel, seja pelo condutor da cerimônia como qualquer outro que esteja próximo à pessoa. Sargant menciona que rapazes, logo após tais reuniões sugestivas realizavam investidas sexuais nas moças da igreja, e estas facilmente aceitavam seus convites. “A moça podia ser persuadida ao abandono erótico tão facilmente quanto à aceitação da mensagem do evangelho” (SARGANT, 1968, p. 225). Dias após o efeito das reuniões ter passado, a mesma investida era realizada por estes rapazes nas mesmas moças, sendo, no entanto, declinado com um “eu não sou uma moça desse tipo”.
Sabendo que tais métodos são utilizados dentro do cristianismo, é possível estudar alguns movimentos e grupos religiosos analisando como esses têm se utilizado da música para alcançar estados de êxtase religioso. Somerset Maugham, ao comentar sobre os Exercícios Espirituais dos Jesuítas, descreve os métodos empregados para atingir estados de consciência alterada:
Dizem que o resultado da primeira semana é reduzir o neófito a completa prostração. A contrição aflige-o, a vergonha e o medo angustiam-no. Não só se sente aterrorizado pelos assustadores quadros em que pousou seu espírito, mas também fica enfraquecido por falta de comida e esgotado por falta de dormir. É levado a tal desespero que não sabe onde procurar alívio. Então um novo ideal é colocado a sua frente, o ideal de Cristo; e a esse ideal, com a vontade destruída, ele é levado a sacrificar-se de coração alegre […] Os ‘Exercícios Espirituais’ são o método mais maravilhoso até hoje inventado para conquistar controle sobre essa coisa errante, instável e voluntariosa que é a alma do homem” (SARGANT, p. 162).
Através desse relato, podemos ver claramente as etapas já mencionadas em nosso estudo. O fiel é levado ao medo, tensão e esgotamento mental, e quando este se encontra em um momento de sugestionabilidade, novas ideias podem ser implantados na mente, o resultado é que ele sai de tais exercícios “convertido”. O medo, segundo Sargant, também era utilizado por John Wesley, que viveu no século XVIII:
Antes de tudo, Wesley criava alta tensão emocional em seus prosélitos potenciais. Achava fácil convencer grandes públicos daquela época de que o fato de não alcançarem a salvação necessariamente os condenaria para sempre ao fogo do inferno. A imediata aceitação de uma fuga a tão medonho destino era veementemente incentivada sob a alegação de que quem deixasse a reunião “sem mudar” e sofresse um acidente repentino e fatal antes de haver aceito sua salvação iria diretamente para a fornalha ardente. Esse senso de urgência aumentava a ansiedade prevalecente que, à medida que crescia a sugestionabilidade, podia contagiar todo o grupo (SARGANT, p. 100).
Além de suas pregações, a música de seu irmão era uma ferramenta poderosa para alcançar os objetivos desejados:
Com auxílio de seu irmão Charles, cujos hinos eram dirigidos às emoções religiosas e não à inteligência, ele descobriu uma técnica extremamente eficaz de conversão – uma técnica empregada não apenas em muitas outras religiões bem sucedidas, mas também na moderna guerra política (SARGANT, p. 100).
Aqui, o êxtase religioso recebe uma roupagem “cristã”. Para John Wesley, por exemplo, tais colapsos eram evidência de “santificação” (SARGANT, p. 104). Outros os interpretavam como a descida do Espírito Santo sobre a congregação (SARGANT, 1975, p. 92-93).
Na atualidade, a música tem se tornado uma parte importante do culto, especialmente quando existem tantos equipamentos e recursos para intensificar os efeitos da música. Aldous Huxley, comentando sobre a facilidade existente hoje de recursos para induzir estados de sugestionabilidade nas massas, diz:
Reuni uma multidão de homens e mulheres […] tratai-os com música de banca amplificada, luzes brilhantes e a oratória de um demagogo que […] seja simultaneamente o explorador e a vítima da intoxicação do rebanho, e podereis de pronto reduzi-los a um estado de sub-humanidade quase sem mente. Nunca antes tão poucos estiveram em condições de transformar tantos em tolos, maníacos ou criminosos (SARGANT, 1968, p.164).
Podemos afirmar que, apesar do êxtase religioso não ser frequente entre cristãos como o é em religiões afro, sendo às vezes até condenado, nos últimos tempos, tem se tornado mais frequente, especialmente em igrejas que valorizam o louvor carismático. A música, mais uma vez, é um dos métodos mais utilizados para alcançar o êxtase (MEDONÇA, p. 150). Esse fenômeno pode ser facilmente observado em ambientes pentecostais.
A adoração pentecostal e carismática, impregnada de ritmo e adaptada a cultura popular, abre espaço para o florescimento das experiências místicas, fortalece o vínculo com a cultura primitiva africana e consolida a ênfase na imanência divina, o que tende a uma superação dos limites entre sagrado e profano (DORNELES, 2001, p. 201).
Muitos não veem tais técnicas como algo ruim, e sim positivo. Judson Cornwall, descrevendo a experiência pentecostal, afirma que o êxtase espiritual é fundamental para o contato com o Espírito Santo:
Que conforto e vigor espiritual recebemos quando, em meio a adoração, nosso espírito tem contato com o Espírito de Deus! Há momentos em que o espírito parece assumir o controle de todo o nosso ser e se acha tão achegado ao Espírito de Deus, que temos a impressão de estar tendo uma experiência fora do corpo. […] O êxtase espiritual faz isso. Atingimos novas dimensões, novos picos de gozo, e nosso espírito paira tão livre que temos a sensação de não mais estar no corpo e na terra. […] Mas a adoração não liberta apenas o espírito do adorador. Ela é um meio pelo qual nossa alma também pode extravasar-se. Na presença do Senhor liberamos as emoções reprimidas durante longo tempo. É que na adoração tudo é valido: lágrimas, suspiros, gritos, cânticos e até o silêncio (1995, p. 101).
Como já observamos anteriormente, música, excitamento, esgotamento emocional e relaxamento são fundamentais para o êxtase espiritual. O líder espiritual se torna a peça central nesse processo.
Essa pessoa, acompanhada de outros cantores e orquestra, inclusive instrumentos de percussão, conduz o cântico de acordo com uma bem planejada, mas aparentemente espontânea progressão, encorajando o povo a ‘abandonar-se a si mesmo ao Espírito’, em cânticos, palmas e dança. (HUSTAD, 1996, p. 14).
Conclusão
Como foi o objetivo deste estudo, procuramos apresentar alguns efeitos fisiológicos da música e como estes são utilizados para levar a estados alterados da consciência em certas religiões e denominações cristãs. Tal estudo não pretende acusar alguma denominação em específico, mas mostrar certas tendências que podem estar acontecendo dentro do meio cristão. Existem formas de implantar ideias e comportamentos na mente das pessoas sem que estas conscientemente optem por tais condutas, e entendemos que isto seja um abuso do livre arbítrio de cada ser humano. Qualquer decisão, seja de forma filosófica ou religiosa, deve ser tomada de forma consciente e não imposta de forma abusiva.
Referências Bibliográficas
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SPARTA, F. A dança dos orixás: as relíquias brasileiras da afro-asia pré-biblica. São Paulo: Harder, 1970.
WHITE, J. O mais elevado estado de consciência. São Paulo: Editora Pensamento, 1997.
Glauber Souza Araujo é Mestrando em Ciências da Religião (UMESP). Professor de Estudos em Religião no UNASP.
Fonte: Revista Kerygma – 1º Semestre de 2011, pp.124-135