Perda Auditiva Pela Música – Causas, Tratamento e Prevenção
por: Willian J. Dawson, M.D.
Todos nós estamos expostos ao som quando tocamos ou escutamos música. Estes sons têm características especiais que o nosso cérebro reconhece e define como música. Eles nos alcançam pelo ar e entram pelos nossos ouvidos, a parte externa de nosso mecanismo auditivo. Eles também nos alcançam diretamente por meio do contato dos instrumentos com os nossos corpos, uma vez que as ondas sonoras são transmitidas para o ouvido interno através de nossas mandíbulas, dedos e outras partes ósseas.
A maioria das pessoas nasce com a audição normal – a habilidade de escutar sons fortes e suaves em freqüências de 20 Hz a 18.000 Hz – e usualmente mantêm este alto grau de acuidade por muitos anos. Contudo, alguns elementos de nosso ambiente podem interferir nesta habilidade. Exposição excessiva ou repetida a sons muito fortes em qualquer idade pode danificar o aparelho auditivo e resulta em perda de acuidade auditiva. Músicos estão sob risco considerável de dano, em boa parte porque eles estão regularmente expostos a sons musicais fortes, e porque a fonte destes sons está muito próxima de seus ouvidos.
Obviamente nem todos que tocam ou escutam música desenvolvem perda auditiva. Existem vários componentes dos sons musicais que podem ser considerados fatores de risco agravantes. Três deles são de crucial importância para todos os músicos: sonoridade ou nível de pressão sonora, intensidade e duração. Sonoridade ou nível de som de música varia do ppp de muitos compositores até o ffff requerido por algumas composições de Tchaikovsky. Intensidade pode geralmente ser relacionada com o tipo de instrumento que está tocando a música. Por exemplo, o fortíssimo das notas agudas de um trompete ou de um piccolo é muito mais intenso que o mesmo ff produzido por um clarinete baixo. Finalmente, a duração da exposição ao som é um fator preponderante de dano ao aparelho auditivo humano. Exposições prolongadas ou repetidas obviamente trazem um risco maior do que pequenos períodos sob um mesmo nível sonoro.
Todos os músicos em uma banda ou orquestra compartilham o risco de níveis sonoros excessivos, contudo não no mesmo grau. Por exemplo, os músicos das palhetas duplas da orquestra estão sentados em frente dos trompetes, trombones e/ou percussão e recebem normalmente os altos níveis de pressão sonora e intensidade freqüentemente produzidos por estes instrumentos. Felizmente, ao contrário dos músicos do piccolo e dos tímpanos, os músicos das palhetas duplas não aumentam o ataque sonoro com seus próprios instrumentos. Embora o nível de pressão sonora geral nestes conjuntos seja menor que em conjuntos que usam amplificação, estes instrumentistas correm também alto risco de desenvolverem perda auditiva relacionada à música.
Pressão sonora, ou sonoridade é medida em decibéis, ou dB; o tipo de medição de sonoridade que se aplica à maioria dos músicos é o tipo A, que é grafada dBA. De acordo com o OSHA (Occupational Safety and Health Administration – Administração de Saúde e Segurança Ocupacional), existem limites de nível sonoro e duração que são importantes para a maioria dos grupos ocupacionais (incluindo os músicos). Sua recomendação para um período de 24 horas esta listada na tabela abaixo:
Exposição à pressão sonora de | Não deve exceder |
90 dBA | 8 horas |
95 | 4 horas |
100 | 2 horas |
105 | 1 hora |
120 | 30 minutos |
Tabela 1. padrões OSHA
O Instituto Nacional para Saúde e Segurança Ocupacional (National Institute for Occupational Safety and Health – NIOSH) é mais rígido em seus padrões, recomendando a exposição máxima de 8 horas a 85 dBA. Soma-se a isto a recomendação do decréscimo de exposição pelo acréscimo dos níveis de pressão que é baseada em 3 dBA, e não em 5 dBA como no OSHA. Assim para cada acréscimo de 3 dBA , NIOSH recomenda metade do tempo de exposição.
Alguns instrumentos são capazes de produzir sons potencialmente perigosos. Flautistas podem gerar níveis que excedem 105 dBA, piccolos 120 dBA e trompetistas 95 dBA. Bandas e orquestras completas podem produzir sons que excedem 99-105 dBA. Outros estudos têm encontrado níveis sonoros igualmente altos, ou mesmo maiores em bandas de marcha e bandas de jazz durante ensaios ou apresentações.
Músicos que atuam principalmente como professores são tão suscetíveis quanto os próprios instrumentistas. Isto inclui maestros de grandes conjuntos – bandas, orquestra e corais. Embora o dano auditivo seja mais comum nestes maestros, muitos professores de instrumentos podem ser acometidos, especialmente se eles lecionam em pequenas salas de aula com paredes, piso e teto de superfícies sólidas.
Níveis sonoros excessivamente altos ou prolongados afetam o ouvido interno e podem causar danos permanentes aos pelos ou filamentos microscópicos que transformam a movimentação do fluido pelo som em impulsos neurais (elétricos) para o processamento pelo cérebro. Quando estes filamentos são danificados ou mesmo quebrados, as freqüências específicas que eles detectam não podem ser transmitidas para o cérebro; esta perda é permanente, uma vez que os filamentos danificados não voltam a crescer. Os danos sob exposição sonora são cumulativos ao longo dos anos. Exposição moderadamente alta pode causar danos a apenas alguns pelos sensores, mas a exposição repetida pode afetar mais alguns, fazendo com que a perda auditiva seja progressiva com a exposição continuada.
Esta perda auditiva é denominada perda auditiva induzida pelo ruído (NIHL – noise-induced hearing loss). No NIHL, o déficit característico ocorre por volta da freqüência de 4000-6000 Hz. Pessoas nestas condições freqüentemente sofrem de zumbidos nos ouvidos, um sintoma medicinalmente conhecido como tinnitus. O sintoma é usualmente percebido como um som agudo, sendo comparado com um zumbido, apito ou som de uma cigarra. Embora a pessoa com tinnitus o perceba mais em um ambiente silencioso ele é normalmente contínuo. Ele interfere em conversas, especialmente aquelas na faixa dos agudos, e geralmente causa dificuldades no entendimento das palavras faladas por grupos de pessoas durante ocasiões sociais. Para alguns o tinnitus pode ser tão intenso que interfere nas atividades diárias. Algumas pessoas acometidas preferem ter um nível contínuo de som de fundo, como um rádio tocando, para minimizar a percepção do tinnitus.
O diagnóstico do NIHL é feito através de um audiograma aplicado por um especialista auditivo ou audiologista. A impressão do nível de normalidade da acuidade auditiva em várias freqüências mostra uma queda por volta de 4000- 6000 Hz que se estende para além de 8000 Hz. O grau de queda indica a severidade da perda, medida em decibéis (dB). Esta medição é exponencial, assim uma variação de 10 dB indica que o nível sonoro é dobrado (se positivo) ou dividido por dois (se negativo).
Figura 1 Audiograma de pessoa com NIHL, pior no ouvido direito (círculos)
Atualmente parece não haver um bom tratamento para NIHL. Soluções tradicionais para audição apenas amplificam o som na porção externa do aparato auditivo e não tem efeito na interna, ou nervo, porções onde o NIHL se desenvolve. Pesquisas sobre a efetividade de implantes na cóclea estão em curso, mas isto é um tratamento cirúrgico e não é normalmente recomendado como opção para o controle do NIHL. A melhor esperança, contudo, continua sendo a prevenção e a minimização de perdas futuras para aqueles já afetados.
O conceito de prevenção é simples, mas geralmente extremamente difícil de se por em prática: deve-se diminuir ou o nível sonoro ou a duração do mesmo para padrões aceitáveis. Simplificando, isto significa que os níveis de pressão sonora devem ser menores ao alcançar o ouvido médio e interno, e/ou eles devem ter uma menor duração.
Figura 2. Atenuadores ER15
Recentemente um novo modelo foi desenvolvido, pronto para usar, sem a necessidade de moldes customizados. Estes Plugs Auriculares de Alta Fidelidade ER.20, foram desenvolvidos para serem plugs de alta fidelidade, baixo custo e tamanho único, que possam ser usados em uma grande variedade de ambientes ruidosos. O foco no desenvolvimento deste plug auricular foi o mesmo do desenvolvimento do Plug Auricular para Músicos: reduzir o ruído, mas preservar a qualidade sonora; ou seja, diminuir o ruído, mas não abafar vozes, sons ambientes e música. Outras vantagens deste tipo de atenuador incluem: (1) eles replicam a resposta natural do ouvido; (2) vozes são naturais, não abafadas; (3) eles reduzem o som aproximadamente 20 dB em todas as freqüências.
Figura 3. ETY-Plug e estojo plástico de transporte
Diminuindo a intensidade do som ouvida através do ar, mas não mudando aquela que é transmitida pelo corpo, os atenuadores alteram o som percebido pelos músicos. Quando os está usando, seu instrumento parece tocar mais forte do que na realidade está (quando escutado por outros próximos), assim o executante deve aprender a compensar isto aumentando sua dinâmica apropriadamente. Isto é possível com relativa pouca prática, mas informações e ajuda do maestro ou de um músico próximo podem facilitar. Isto sem falar que este tipo de proteção auditiva também é recomendada para os maestros.
Divisórias ou anteparos sonoros transparentes foram usados em muitas orquestras nas últimas décadas e são um meio prático de proteger certos músicos de níveis sonoros excessivos. Eles vêm em diversos tamanhos, para proteger várias pessoas em uma fileira ou apenas um executante. Em geral eles são colocados em frente dos metais ou da percussão. Recomendo a leitura do artigo Senza Sordino (referenciado no fim) para uma explicação mais completa destes anteparos e seu uso.
Especialistas em audição, assim como médicos de medicina na execução artística, recomendam que os jovens músicos comecem cedo em suas carreiras a se preocuparem com os efeitos nocivos do ruído, e usarem técnicas apropriadas para minimizarem a exposição sonora e prevenirem esta perda auditiva progressiva e permanente. Educadores musicais e diretores de banda precisam chamar a atenção desta situação a seus jovens estudantes e executantes, fornecendo informações precisas e mostrando sua aprovação e encorajamento à prevenção da perda auditiva.
Leituras sugeridas:
Chasin Marshall: Hearing aids for musicians. Hearing Review 2006;13(3)
Cutietta RA, Klich RJ, Royse D, Rainbolt H: The incidence of noise-induced hearing loss among music teachers. Journal of Research in Music Education 1944;42(4);318-330
Niquette P: Hearing protections for musicians. Hearing Review 2006;13(3)
Owens Douglas T: Sound pressure levels experienced by the high school band director.Medical Problems of Performing Artists 2004;19(3):109-115
Schweitzer, Marsha: Hear today – gone tomorrow. Senza Sordino 1999;37(1):1-3,5
Sobre o Autor:
Dr. Willian Dawson é médico consultor para o IDRS e tem escrito artigos para o The Double Reed e para o IDRS Journal desde 1988. Cirurgião ortopédico e da mão aposentado, e Emérito Professor de Cirurgia Ortopédica da Escola de Medicina da Northwestern University, ele é atualmente presidente da Associação de Medicina na Execução Artística e atua no Comitê de Educação/Pesquisa.
Fonte: artigo publicado em “The Double Reed” (A Palheta Dupla), vol. 30, nº 2, 2007
tradução: Alexandre Nascimento