Vinde e Adoremos

por: Enoque de Oliveira


“Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor”.
Salmos 122:1.

Há entre os eruditos uma controvérsia sobre a autoria deste inspirado salmo. Pretendem alguns que Davi não poderia ter sido o compositor deste cântico, uma vez que a “casa do Senhor”, mencionada no texto, deveria ter sido o grande templo edificado por Salomão, alguns anos depois de sua morte. Este argumento, entretanto se debilita quando em outros salmos atribuídos a Davi, lemos esta mesma piedosa afeição pela “casa do Senhor”: “Senhor, eu tenho amado a habitação da Tua casa e o lugar onde permanece a Tua glória.” Salmos 26:8. “Uma coisa pedi ao Senhor, e a buscarei: que possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor, e aprender no Seu templo”. Salmos 27:4. “Porque vale mais um dia nos Teus átrios do que em outra parte mil. Preferiria estar à porta da casa de meu Deus, a habitar nas tendas da impiedade”. Salmos 84:10.

Nestes inspirados cânticos, autênticos hinos litúrgicos, encontramos as palavras de um homem que amava intensamente o seu Criador, e se alegrava diante dos privilégios de adorá-Lo em Seus átrios.

Um Anseio Veemente

Quantas vezes nos ocupamos demasiadamente com “as coisas desta vida”, absorvemo-nos com os problemas seculares, e nos olvidamos de que procedemos de Deus e que, sem Ele, nos sentimos inseguros incompletos. Com efeito, há no coração insopitável desejo de comunhão com o sobrenatural. Por isso exclamou Sto. Agostinho: “Criaste-nos para Ti, e o nosso coração não tem paz, enquanto não descansa em Ti.”

Castro Nery, em sua obra intitulada “A Evolução do Pensamento Antigo”, conta que um grupo de arqueólogos, ao escavar as ruínas de um antigo cemitério, em uma região mui remota do Oriente, encontrou que todos os mortos haviam sido sepultados de cócoras inclinados para o oriente. Ao investigar as causas por que aquele povo antigo enterrava deste modo os seus mortos, concluíram com o seguinte relatório: “Eles criam ser o sol o deus supremo, digno de toda honra e homenagem, e por isso sepultavam os seus mortos voltados para o astro-rei, em atitude de reverência e adoração”.

Isto prova que até, mesmo os povos mais incultos e primitivos[1], sentem uma irresistível atração pelas coisas transcendentes, e por uma vida que ultrapassa as fronteiras da Terra.

Na revelação contida nas Sagradas Escrituras encontramos uma resposta aos anseios de nosso coração. Deus Se revelou aos homens, e esta revelação teve em Jesus Cristo a sua gloriosa culminação. Os povos primitivos, sem as luzes do Evangelho, tateiam na escuridão e adoram as forças da natureza. Nós, entretanto, graças à mercê de Deus, como Davi, nos alegramos diante do privilégio de ir à casa do Senhor, para adorar “Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas”.

Como Devemos Adorar

Como podemos aproximar-nos de Deus? Como podemos lograr que a oração, a meditação, a música e os demais elementos litúrgicos que caracterizam o culto corporativo, nos envolvam em uma atmosfera celestial?

Fugindo ao formalismo vazio e à pompa e ao aparato litúrgico que distingue o culto na igreja popular, fomos ao outro extremo, e abandonamos quase completamente a ordem e a forma, elementos indispensáveis em um legítimo serviço de adoração.

Para o aperfeiçoamento de nossos cultos, impõe-se uma compreensão do significado da adoração, bem como uma orientação sobre a atitude a ser observada quando estamos no santuário.

l – ALEGRIA

A primeira característica que o adorador deve refletir é a de uma alegria irradiante que procede de um coração transformado pelo poder redentor do Evangelho. O seu comparecimento à casa do Senhor não deve ter como móvel uma imposição pastoral ou o penoso cumprimento de um dever imposto pela igreja. O adorador deve ir ao santuário animado por uma alegre e voluntária disposição, à semelhança do filho que vai casa de seu pai. Era este gozo que animava o cantor de Israel a cantar com exultante júbilo: “Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa do Senhor”. As Escrituras Sagradas estão cheias de expressões de alegria do povo de Deus, diante do privilégio da adoração. Encontramo-las reiteradas vezes nos inspirados cânticos de Davi.

2 – ORDEM

Os templos que consagramos ao Senhor são feitos para a alma, e a atmosfera que neles se respira é sobrenatural, convidando-nos à ordem e ao silêncio, indispensáveis à oração. Deus não é Deus de confusão, e não pode ser adorado em uma reunião caracterizada pela desordem. “Faça-se tudo com decência e ordem” (I Corintios 14:40), exortava o apóstolo.

É de lastimar-se que demasiadas vezes exista na igreja uma crescente tendência para a perda deste senso de ordem que deve caracterizar a verdadeira adoração. Em muitos lugares o culto é precedido pelo ruidoso sussurro dos membros conversadores. A esta parolice descuidada se associa, muitas vezes, a impontualidade censurável de alguns adoradores, ou a forma irreverente como alguns entram e saem do santuário, distraindo os ouvintes e perturbando o pregador. Procedem na casa de Deus como se estivessem numa casa de negócios ou num centro recreativo.

A estes fatores negativos, acrescentaríamos o desleixo, o descuido e o mau gosto tão evidentes no mobiliário de algumas igrejas, na cor de suas cortinas e na pintura de suas paredes. Nada que nos estimule a adorar?

3 – REVERÊNCIA

Ao entrar nos átrios de Deus devemos estar conscientes de que “o Senhor está em Seu santo templo”. Este pensamento desperta na alma humana uma disposição mística, levando-a em exaltação íntima a pressentir a presença do Ser supremo. E a alma se prostra ajoelhada. Não é absolutamente necessário que o corpo esteja também dobrado sobre os joelhos. Porém é imperativo que o coração se abra de par em par à penetrante e santificadora influência do Espírito Santo.

Salomão, que consagrou grande parte de seu programa administrativo a edificar um magnificente templo dedicado a Jeová, aconselhou: “Guarda o teu pé quando fores à casa de Deus”. Ecl. 5:1. Esta reverência deve ser motivada pelo reconhecimento da santidade de Deus e de nossa indignidade e deméritos.

No templo em o qual João Wesley inaugurou o seu ministério, estão gravadas no soalho as seguintes palavras:

“Entre por esta porta como se o soalho lá dentro fosse de ouro e cada parede fosse composta de jóias de incalculável valor; como se cantasse aqui um coro com trajes de fogo. Não grite, não corra, mas guarde silencio porque Deus está aqui”.

4 – PARTICIPAÇÃO

Durante o sombrio período medieval, o silêncio caracterizava o culto oficiado no templo. Os fiéis, meros espectadores, entravam no santuário, persignavam-se reverentemente, e em atitude contemplativa assistiam ao imponente ritual litúrgico. Dentro das arcadas do templo ressoava apenas a voz do sacerdote, ante o taciturno silêncio dos adoradores.

A Reforma, rompendo a tradição medieval, restaurou o culto legítimo e estimulou os adoradores a participarem com atenção e espírito no louvor e na oração.

Disse há anos a mensageira de Deus:

“Embora nem todos sejam chamados para ministrar na palavra e na doutrina, não é necessário que sejam ouvintes frios e indiferentes. Quando na antigüidade a palavra de Deus foi proferida aos homens, o Senhor disse a Moisés: “E todo o povo diga: Amém! Esta resposta, dada com todo o fervor da alma, foi exigida com evidência de que eles compreenderam a palavra falada e estavam interessados nela”. – Signs of the Times, 24 de junho de 1886. (Grifo Nosso)

Forçoso é reconhecer que não podemos repetir a experiência da igreja de Corinto (I Cor. 14:26-40), na qual a participação dos adoradores degenerava, não raro, em desordem e confusão; mas – é necessário que se acentue – o culto em o qual o fiel nada mais faz que pôr-se em pé e sentar-se, e apenas ouvir, não representa exatamente o modelo neotestamentário.

Penetremos, pois, nos átrios do Senhor, com o devido Espírito, integrando-nos com reverência e alegria nos atos de adoração, e em transportes de exaltação e louvor exclamaremos: “Vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”. Isa. 6:l. 


Nota:

[1] Os editores do espaço virtual Música Sacra e Adoração não concordam com o autor quando ele diz que os povos da Antigüidade Clássica, principalmente os do Oriente, são “primitivos e incultos”. Mas concordamos com o argumento de que há no ser humano, desde tempos imemoriais, um desejo ardente pela adoração ao um ser superior. Para nós cristãos, esse desejo foi colocado no coração do homem pelo próprio Deus, desde o sopro de vida, no momento único da Criação.


Fonte: Revista Adventista, dezembro de 1969 – pp.4,5.