Sintonizando os Hinos com a Bíblia

por: C. Nolan Huizenga [1]

O hino reflete nossa vitalidade espiritual e, ao mesmo tempo, é uma resposta à manifestação da graça divina em nossa experiência cristã.

A Bíblia faz abundantes referências à música. No VT (Velho Testamento), a música está ricamente entretecida com os costumes (folclore) do povo, e tinha significado altamente espiritual nos serviços de culto no templo. Os salmos registram a oração poética e louvor no culto judaico, e permanecem como bela fonte de hinos cristãos. O NT (Novo Testamento) alude brevemente à música nos evangelhos, no livro de Atos e nas epístolas, e o livro do Apocalipse vibra com o grande e eterno salmo ao Soberano Criador-Redentor-Senhor.

Todavia, a Bíblia em parte alguma nos apresenta algum cuidadoso arrazoado sobre o uso da música no culto. No caso, há apenas poucas e sistemáticas considerações quanto ao conteúdo e procedimento de culto de congregação cristã. Um exame das Escrituras revela que apenas em relação a certos aspectos da música no culto temos direta autoridade bíblica: sua motivação, propósito e tono. Falando de modo mais simples, a Bíblia nos dá o “porque” e o “como” espirituais da música no culto; ela não nos dá o musical estilístico “o que”.

Queremos examinar duas instruções do NT quanto ao cântico de hinos: Efésios 5:5-20 e Colossenses 3:12-17. Ambas as passagens tratam de algum aspecto da conduta cristã – a expressão prática das doutrinas do apóstolo fixada nos primeiros capítulos de cada epístola.

Efésios 5

Neste capítulo Paulo encoraja os crentes a viver como filhos da luz, com todos os frutos e as graças do Espírito Santo. Devem eles tirar o máximo das oportunidades porquanto os dias são maus, e “saber qual seja a vontade do Senhor”. Não devem embriagar-se com vinho, mas encher-se do Espírito.

A exortação musical do apóstolo continua nos versos 19 e 20: “Falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Aqui Paulo anima os crentes a se comunicarem uns com os outros espiritualmente em cânticos e poesia, isto é, em representações nas quais os poemas tanto podiam ser falados como cantados. Os cristãos poderiam indagar-se hoje se reconhecem que a inspiração poética e musical pode ser inspirada pelo Espírito Santo, e podem ser uma evidência da presença do Espírito Santo na vida do crente. O contexto deste verso parece sustentar tal opinião.

O texto grego usa três termos diferentes para “salmos, e hinos, e cânticos espirituais”. Seu significado e uso, contudo, vai além, e não exige que se faça demasiada distinção. Salmon (“Salmo”) significa um cântico de louvor, originalmente acompanhado de instrumentos musicais. Pode referir-se aos Salmos do VT, mas o termo grego não o diz de modo absolutamente específico. De igual modo humnom (“hino”) significa também um cântico de louvor, mas o uso não sugere nenhuma espécie precisa de texto ou de música. Pode referir-se a hinos e doxologias que realçam os evangelhos e as epístolas.

O grego para “cânticos espirituais” é pneumatikos ode, uma ode ou adoração e aspiração lírica veiculada pela voz, talvez mesmo testemunho pessoal ou exortação. Na cultura grega a ode demonstrava nobilidade de sentimentos e dignidade de estilo. Crentes poeticamente dotados podem ter composto e cantado odes espirituais. Estas podem ter sido efusões líricas espontâneas, e o termo pode implicar tanto o solo como expressão musical congregacional ou conjunta.

Os três termos para “salmos”, “hinos”, e “cânticos espirituais”, têm um traço de importância comum: eles conotam elevado louvor e adoração a Deus em Cristo pelo que Ele é e pelo que tem feito. E este louvor inclui mínima referência pessoal. Quão saudável e estimulante é este objetivo de tornar Deus o foco!

O verbo “cantar” no verso 19 significa “cantar uma ode”, “fazer música”, (ou melodia) significa literalmente “salmodiar”. Talvez Paulo neste passo use “odear” (cantar ode) para a parte lírica e “salmodiar” para o tono. Em qualquer caso, ele indica que o cântico deve envolver tanto a garganta como o coração; em outras palavras, a personalidade toda. Cantar é tanto um ato externo como uma disposição interior, e o ponto focal de nosso canto é adoração a Deus. Este cântico ao Senhor também se torna comunicação de uns com os outros; nosso louvor a Deus pode e deve edificar os irmãos.

O parágrafo conclui com a favorita explosão de Paulo: Dando sempre graças a Deus o Pai por tudo, em nome do Senhor Jesus Cristo. O grego para dando graças, eucharisteo, sugere agradecimento por graça recebida. A mesma palavra descreve a Jesus, “dando graças” ao instituir a Ceia do Senhor, ou “Eucaristia”. O inteiro motivo, disposição, tema e alvo do cântico cristão é a gratidão, o agradecimento a Deus.

Uma observação posterior: Paulo implica uma comparação de embriaguez alcoólica e espiritual. Ambos, o vinho e o Espírito, comunicam alegria: um, alegria sintética e temporária; o outro, alegria real, permanente, progressiva. Ambos permitem um senso de libertação, de liberação: um espasmódico, o outro duradouro. Ambos libertam a língua e estimulam a comunicação. Enquanto que a embriaguez muitas vezes induz cântico profano e até obsceno, a renovação espiritual inspira os crentes para santa aleluia de gozo e gratidão.

Colossenses 3

Como no caso de Efésios, Paulo debate o cântico de hinos também em Colossenses 3:12-17, após a abertura doutrinal. O contexto para sua exortação específica no verso 16 concernente ao cântico de hinos é um todo encadeado de graças cristãs que se encontram entre o povo escolhido de Deus e especialmente sua culminação em amor, união, paz, e graças. Que quadro para conselho musical! Imagine o que uma mutualidade dessas graças entre os crentes faria pela música em nossas igrejas!

O verso 16 começa: “Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda sabedoria. …” O resultado da rica presença da Palavra é ensino e conselho. O ensino talvez envolva principalmente conteúdo doutrinal, e o conselho, exortação prática.

Paulo continua a traduzir este sábio ensino e conselho em expressão musical. Aqui a NIV (New International Version) e a RSV (Revised Standard Version) rezam: “… e ao cantardes salmos, hinos, e cânticos espirituais com gratidão a Deus em vosso coração”. Isto toma a cláusula paralela a “ao ensinardes e aconselhardes”, e ambas incluem significativos modos pelos quais pode ser expressa a presença da palavra. A ASV (American Standard Version), entretanto, traduz assim a passagem: “Que a palavra de Cristo habite em vós ricamente, em toda a sabedoria, ensinando e admoestando-vos uns aos outros com salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando com graças a Deus em vosso coração”. Isto sugere uma conexão mais íntima entre ensino-conselho por um lado, e cântico por outro. Como músico, eu naturalmente prefiro esta tradução. Em qualquer caso, o contexto implica uma íntima conexão, e o parágrafo paralelo de Paulo em Efésios o confirma. Temos aqui ensino doutrinal e conselho espiritual no cântico[2].

As principais ideias do verso 16 são: (1) a rica presença da palavra de Cristo: e (2) o ensino, conselho, e cântico. Qual é a causa e qual o efeito? A resposta mais óbvia parece ser que a rica presença da Palavra produz ensino e cântico. Mas uma interpretação complementar é também possível: ensino-conselho com sabedoria e cântico com gratidão são naturalmente meios para permitir que a Palavra habite ricamente em nós.

A reflexão sobre esta grande passagem desperta algumas inquiridoras perguntas sobre o uso contemporâneo de hinos: Quão fiel à Palavra é determinado hino? Quão ricamente habitado pela Palavra eu sou quando canto um hino ou o acompanho? Quão inteiramente determinado hino evangélico reflete a Palavra ou minha resposta a esta Palavra? Deve a igreja considerar o uso de hinos como instrução doutrinária ou encorajamento espiritual de jovens e de novos crentes? Significa isto esperar demasiado de um hino?

No verso 17 Paulo resume este pensamento num abarcante princípio ético: “Fazei tudo na base de vosso relacionamento com Deus por meio de Jesus Cristo, dando graças”. Pela terceira vez em três versos dá ênfase à gratidão a Deus. Somos de novo levados a fazer certas perguntas pessoais: Este hino ou cântico evangélico reflete a compreensão bíblica da graça de Deus e minha resposta cristã de gratidão? Estou cantando (na congregação, no coral, ou num solo) com genuíno senso de gratidão, baseado em recente e diária apropriação da graça de Deus? Deve ser uma das qualificações para que uma pessoa cante (no coral, ou como instrumentista, ou regente de coral ou de grupos de cantores) a posse de um espírito de gratidão? Que representaria para os problemas de música em nossa igreja, uma atitude de gratidão a Deus?

Ênfase Comum

Dois parágrafos de Paulo sobre o cântico de hinos dão ênfase a quatro pontos básicos. Primeiro, que o cântico de hinos tem dupla inspiração: o contínuo encher-se do crente em relação ao Espírito Santo e a rica presença da Palavra no coração.

Segundo, Paulo debate a atitude e motivação dos cantores e o conteúdo espiritual de seus hinos, mas ele nada diz sobre estilo musical, formas, ou acompanhamento. É importante, especialmente para músicos profissionais, lembrar-se de que não temos nenhuma revelação bíblica inspirada relativa à música em si mesma, que é grandemente afetada pelas mudanças de cultura e da História.

Mas a ênfase bíblica sobre a motivação espiritual, no conteúdo, e propósito do cântico não nos dá carta branca para adotarmos qualquer estilo que desejemos. O primeiro passo – talvez o mais importante – para apropriado estilo musical é que preencha o critério bíblico e doutrinal no texto e esteja focalizado no culto e ensino. Fazer isto é andar um bom caminho no rumo da escolha de hinos cujo tono enalteça o seu texto. E mais, crentes biblicamente bem informados e espiritualmente dedicados darão caminho para novas ideias musicais. Sentir-se-ão mais livres para comunicar uns com os outros relativamente ao gosto e estilo musical apropriados.

Terceiro, Paulo vê o cântico de hinos antes de tudo como alegre e grata resposta à graça de Deus; seu movimento básico é no sentido de elevado louvor a Deus. Somente depois disto é que ele, o hino, reflui para os crentes em edificação.

Quarto, alguns sentem nestes versos uma espécie de “Koinonia musical”, um senso de partilha e ativa participação por parte da congregação. O privilégio de cantar pertence a toda a comunicação cristã, não a uma elite.

A brevidade destas passagens pode sugerir que a igreja primitiva não tinha grandes problemas com música. O conselho de Paulo sobre música parece aplicar-se igualmente a toda a igreja ou a pequenos grupos em reunião e mesmo à devoção em família, com o cântico de hinos como natural expressão de plena presença do Espírito em todos os aspectos.

O NT contém muitas passagens majestosas e sublimes que são poéticas na forma e no conteúdo. Estas, juntamente com os salmos do VT e muitas referências à música no templo, mostram que cântico e música eram partes integrantes da vida em Israel e na igreja primitiva. Podemos aprender a fazer esta espécie de música que é inspirada pelo Espírito Santo e pela Palavra, e dirigida ao alto, para Deus, em grata resposta a Sua graça.


Notas:

[1] Agradecemos à Loide Simon por esta contribuição ao Música Sacra e Adoração.

[2] O negrito foi adicionado pelos editores do Música Sacra e Adoração.


Fonte: Revista Adventista, Março, 1981, pp.7-9.