Música Cristã, Sagrada ou Secular?
por: Dra. Eurydice V. Osterman
Pode parecer que Deus se cala quando o assunto é música, especialmente a música contemporânea, e por esta razão, muitos têm adotado a crença de que estão livres para ouvir ou apresentar a música que se enquadra em seu gosto porque isto é uma “questão pessoal”. Mas, mediante um cuidadoso exame das Escrituras, feito com oração, pode-se perceber que Deus falou muito mais sobre música do que supõem alguns.
Deus poderia facilmente ter apresentado o tema da música para remover toda e qualquer dúvida daquilo que é ou não aceitável a Ele, mas preferiu não fazê-lo. Antes, deu princípios infalíveis que regem e transcendem todas as preocupações éticas, culturais e de gerações. Diferentemente dos pássaros, grilos e outras criaturas a quem deu a faculdade de emitir sons, Deus, em amor, deu aos homens o poder de escolha e a capacidade de criar sons de louvor e ações de graça a Ele por sua misericórdia, bondade, justiça, fidelidade e amor.
Em primeiro lugar deve ficar entendido que a controvérsia quanto à música é, na verdade, a conseqüência de um problema mais profundo resultante da ignorância dos princípios bíblicos que regem as questões concernentes à música. Um desses princípios é estabelecer a diferença entre o santo e o profano (Levítico 10:10). A palavra-chave nesse texto é diferença. Deus deseja que aquilo que está a Ele associado seja diferente do mundo, e por este motivo claramente disse, através da Escritura, “retirai-vos do meio deles, separai-vos,… não toqueis em cousas impuras; e eu vos receberei” (II Coríntios 6:17, grifo acrescentado). Aparentemente esse texto sugere de forma enfática que, se desejamos as bênçãos de Deus, devemos não apenas fazer diferença entre o santo e o profano, especialmente em nossa música, mas devemos nos apartar daquilo que Deus não aceita.
A Bíblia registra numerosos exemplos de como os líderes escolhidos por Deus deveriam ser diferentes. Ao escolher Israel como nação, a tribo de Levi para ministrar no tabernáculo, Sansão, o rei Saul, os discípulos, etc., todos deveriam ser diferentes daqueles que os cercavam. As conseqüências por eles sofridas, devido à desobediência, também estão registradas na Escritura. Um dos casos mais graves é o de Sansão que, presunçosamente desobedeceu a Deus, não sabendo dizer quando o Espírito de Deus se apartou dele. Tem o espírito de Deus se apartado de nós, sem que o percebamos, devido à presunçosa indulgência naquilo que Ele não pode aceitar?
Hoje como cristãos, também somos chamados a ser diferentes. A Bíblia descreve isto como o ser peculiar. O objetivo para essa diferença é centralizar a atenção em Deus que, se for enaltecido, atrairá todas as pessoas a Ele.
Ao relembrar a história de Caim e Abel e as ofertas que cada um apresentou a Deus, obviamente, reconhecemos que uma foi aceita e a outra não. Caim, cujos motivos eram puramente egoístas, ofereceu o que ele quis a Deus, enquanto Abel ofereceu o que Deus exigiu. É nossa música uma oferta que Deus pode aceitar porque é diferente do mundo, ou é o que desejamos que Ele aceite?
Em seu livro, Set the Trumpet to Thy Mouth, David Wilkerson descreveu seu estado de choque ao folhear uma revista cristã na qual viu uma foto de uma banda “heavy metal”, que se denominava cristã, trajada com roupas de couro preto, cintos ornamentados com metal, braceletes, correntes e um corte de cabelo punk como os doze sadomasoquistas que recentemente o haviam abordado nas ruas de São Francisco.1 Como pode ser? Ele se questionava. Como podia um grupo “cristão” parecer-se e vestir-se como os sadomasoquistas, tocar seu tipo de música, e ainda dizerem-se embaixadores de Cristo?!
Talvez a mesma pergunta possa e deva ser feita por nós hoje. Como podemos nós, que nos denominamos “cristãos”, embaixadores de Cristo, apresentar na igreja, música contaminada pelo “mundanismo”, tudo em nome de adoração? Será que isto se deve ao nosso conceito de igreja, culto e do que é sagrado e santo ter sido adulterado ou perdido de vista?
Há um ditado que diz: “se ele parece um pato, anda como um pato e grasna como um pato, deve ser um pato.” Como prova do que digo, se os “cristãos” se parecem com o mundo, vestem-se como o mundo, comportam-se como o mundo, e se assemelham ao mundo em sua música, então devem ser embaixadores do mundo, já que pelos frutos do “mundo” são conhecidos. Em que consiste a diferença que nos é exigida por Deus?
O dicionário Webster define a palavra mundano como sendo “aquilo que é devotado a este mundo e suas ocupações em vez dos interesses religiosos ou espirituais”. Mundanismo, então é a preocupação com a riqueza, materialismo, comercialismo, fama, moda, sensualidade, etc., tudo o que de alguma forma está associado à música moderna, quer religiosa ou secular. Não será que o mundanismo que tem se insinuado na igreja é realmente o desejo de representar em vez de ministrar? Não está a igreja se tornando um local de entretenimento em vez de adoração? “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6:24).
Não será o motivo para a controvérsia sobre a música cristã moderna um resultado do tentar servir a Deus e a Satanás simultaneamente, quer por ignorância ou pela preferência pessoal?
Após um cuidadoso estudo da tríplice mensagem angélica, de Apocalipse 14, pode-se notar que o tema subentendido é o culto, o ato de atribuir louvor e adoração a um ser ou a um objeto tal como um carro, casa, dinheiro e, sim, mesmo a música. É fácil ver que Satanás, tendo em vista o seu desejo de “ser semelhante ao Altíssimo”, buscou e ainda busca atribuir a si mesmo a adoração, glória e louvor que pertencem somente a Deus, especialmente no que diz respeito à música. Nunca devemos esquecer que, tivesse Jesus sucumbido à tentação de adorar Satanás, no deserto, teríamos perdido toda a esperança da salvação eterna. Assim, se em nossa música Satanás pode nos tentar a render uma adoração vã, adorando pelo motivo errado (aplauso, demonstração de talento, etc.), ou uma falsa adoração, o deus errado (os artistas, a música, etc.), ele terá conseguido o seu objetivo: o de receber a adoração.
Satanás está em ação para destruir o cristão, a igreja, a música sagrada, e tudo mais a isso associado. Ele tem arquitetado e preparado numerosos substitutos e contrafações para seduzir e enganar, se for possível, até os eleitos, especialmente os jovens. Ele tenta mascarar essa verdade distraindo nossa atenção, levando-nos assim a focalizar os pontos controvertidos tais como a distância entre as gerações, preferências culturais e étnicas, preferências de classe e/ou sociais, que na verdade são apenas os sintomas do problema. Para complicar ainda mais as coisas, ele enalteceu o que chamo de lei da gravidade carnal para alcançar o seu propósito. Paulo refere-se a essa lei como sendo outra lei dentro dele, escravizando-o na lei do pecado (Romanos 7:23)
Considere, por exemplo, a distância entre as gerações. Os jovens têm uma tendência natural para se identificarem com a música de ritmo e batidas rápidas quando comparadas à música ouvida por pessoas de uma ou duas gerações anteriores. Contudo, a música sensual lenta também exerce seus efeitos adversos. Independente do tempo de conversão, os jovens não têm maturidade para fazer julgamentos ou decisões, espirituais ou outras, simplesmente porque não viveram muito. É fato comprovado que adoramos conforme nosso conhecimento e experiência com Deus, o que também se reflete em nossa escolha da música.
Infelizmente, o critério pelo qual muitos fazem a avaliação musical, com muita freqüência, baseia-se em sua preferência pessoal. Contudo, quer jovens ou idosos, somente quando há crescimento e maturidade em Cristo, o gosto musical torna-se refinado e temperado.
As indústrias da música e gravação estão cientes dessa situação e aproveitam a oportunidade de fazer milhões de dólares ao mesclarem os sons populares atuais com palavras religiosas. À parte da prova científica, de que esta música é prejudicial ao corpo físico (redução auditiva, destruição das células cerebrais, etc.), e está inundada de sensualismo no tom, estilo e texto, quando contemplamos e a assimilamos, tornamo-nos condicionados a ela, e a linha de distinção entre o santo e o profano ficam anuviadas ou desaparecem por completo.
O mesmo se pode dizer da música instrumental. Embora a Bíblia sancione o uso de instrumentos no culto, se o fruto da música é sensual e soa igual à música mundana, não é aceitável a Deus, e Ele claramente diz que não irá aceitá-la.
Dos três elementos principais da música – ritmo, melodia e harmonia – o ritmo é o elemento que oferece satisfação imediata, e ao mesmo tempo, não requer o nível de reflexão e de contemplação exigidos pela melodia e harmonia. A função das baterias das músicas de hoje, quer religiosa ou secular, é acentuar o ritmo e o compasso, tornando assim a melodia irresistível. A pesquisa científica provou que quando o espaço entre a tensão e o relaxamento progride em uma média lenta, a mente é envolvida de uma forma mais ativa. É por isso que os jovens são atraídos para músicas que têm ritmo e batidas rápidas. É lógico que se alguém deseja que Deus controle sua mente, não deve esperar que o faça através de um método que acentue o físico em vez do mental. Onde está, então, o equilíbrio entre o espírito (as emoções) e a verdade (o intelecto) que Deus requer quando O adoramos?
Ainda para ilustrar o impacto que o tom, estilo e letra têm sobre a música, considere duas palavras-chave: apropriada e associação. O dicionário Webster define apropriado como sendo “separado para um propósito especial”, ou algo que é especialmente “adequado, compatível ou ajustado”. Obviamente, seria impróprio para um casamento músicas como “Jesus é Melhor”, “Let us break Their Bonds Asunder” (do Messias de Handel), ou “Mestre! Tudo é Revolta”. Em si as músicas são boas, mas para essa ocasião não são nem adequadas nem compatíveis.
A associação, por outro lado, é “algo que se associa na memória ou no pensamento com uma coisa ou pessoa que forma um vínculo mental entre sensações, pensamentos ou memórias”. Assim, ao serem proferidos nomes como Louis Armstrong, Ella Fitzgerald ou Duke Ellington, a mente automaticamente os associa ao estilo ou gênero específicos de música, chamado jazz. Novamente quando nomes como Bach, Del Delker, ou Rolling Stones são mencionados, há uma associação automática com outros estilos ou gêneros musicais chamados barroco, sacro e rock, respectivamente, sendo que nem o gênero nem a fonte podem ser separados um do outro.
O espírito e o estilo da música são também sugestivos do tom e do comportamento que produzem. Por exemplo, se um trio de trompetes for tocar certos acordes em ritmo festivo, o espírito e o estilo dessa música sugerirão majestade e esplendor. Inversamente, se um pianista tocar suavemente uma progressão de agrupamentos de acordes sustenidos no registro inferior do teclado, lenta e deliberadamente, o espírito e o estilo do som pode sugerir mistério, tristeza ou mesmo temor. A associação de um som musical pode também ser encontrada na atmosfera criada por um certo ambiente. Por exemplo, substantivos como circo, funerária ou discoteca, todos criam seu próprio tom, atmosfera, resposta comportamental e música que lhes são peculiares.
Se o hino “Oh que Amigo em Cristo Temos” for apresentado no estilo de Duke Ellington, o som associado a este estilo é o jazz, e assim torna-se secular. Simplesmente porque um estilo de música é atualmente popular não significa necessariamente que seja sagrado. Ellen White advertiu a igreja de que prevaleceria uma “tendência para nivelar o sagrado ao comum. Tais pessoas, professando a verdade, serão uma ofensa a Deus e uma lástima para a religião.”2
A música cristã, então, é o que ela faz: volve os olhos para Jesus. A música cristã, assim como a cristandade, exerce uma influência enobrecedora, mas a música barata produz uma religião barata. Tanto a música quanto a religião baratas são superficiais e não produzem uma transformação de caráter.
Assim, os únicos guias infalíveis que orientam na determinação do que é uma boa música cristã são o Espírito Santo e o princípio imutável (Levíticos 10:10; I Coríntios 10:31; II Coríntios 6:17; Filipenses 4:8). “Nenhum desvio da estrita integridade pode encontrar a aprovação de Deus.”3
A Dra. Eurydice Osterman é professora associada de música do Oakwood College, em Huntsville, Alabama, EUA.
Referências
1- David Wilkerson, Set the Trumpet to Thy Mouth, (Lindale, texas: World Challenge, Inc.), 1985. (voltar)
2- E. G. White, Testemunhos Seletos, Vol. II, p. 202. (voltar)
3- E. G. White, Patriarcas e Profetas, p.125. (voltar)
Fonte: Música na Igreja – Veículo de Adoração e Louvor, apostila publicada pelo Departamento de Música da DSA, 1ª Edição, 1999, págs. 85-92.