Música: Uma Questão de Gosto?

por: Dario Pires de Araújo [1]

A Igreja não pode descer; o gosto é que precisa ser elevado e educado.

Desde que a Reforma estabeleceu os tipos básicos de Música Sacra que herdamos, o mundo assistiu à passagem do Classicismo, do Romantismo e do Modernismo musicais em comboios sucessivos; cada qual carregado de gênios musicais guiados por Bach, Beethoven e Debussy, respectivamente.

No período do Classicismo floresceu um tipo de música vigoroso com base numa harmonia natural e lógica. As várias formas musicais, obedientes a leis naturais, afetavam em cheio o cérebro das pessoas; era música racional, embora fizesse também vibrar as cordas do sentimento.

Passada esta época, parece que o coração das pessoas subiu para a cabeça. A música [no Romantismo[2]], embora ainda seguisse leis de harmonia e forma, apresentou-se dando maior importância à melodia e expressava basicamente mais o que pedia o coração, música rica em sua parte sentimental.

No fim do Período Romântico, novas características assumiram papel preponderante. As leis da harmonização natural, lógica e tradicional foram abolidas, e a música passou a manifestar uma atmosfera sonora dissonante; os ritmos se alteraram, se agitaram, livres e extravagantes, refletindo já muito da agitação artificial da vida moderna, com suas tendências livres e permissivas.

A música de cada época afeta de maneira diversa o estado da mente, e provoca uma atmosfera mental característica. A música Clássica favorece e estimula as manifestações intelectuais; a do Romantismo, os sentimentos e emoções; e, finalmente, o Modernismo, pelas dissonâncias e pelos ritmos, provoca reações de tensão ou apatia mental e movimentos físicos.

Nossa religião é mais racional e espiritual do que sentimental e emotiva, e não deve ser tensa, artificial e agitada como a vida moderna. Concluímos que a Música Sacra, que deve ter “beleza, emoção e poder[3]“, atinge melhor seus objetivos se tender para a atmosfera mental que provoca a música do período Clássico e do Romântico, e que o modernismo musical favorece um clima de tensão, angústia, suspense, agitação e desequilíbrio que é estranho à religião e ao culto, porque “Deus não Se agrada de algaravia e desarmonia. O certo é-Lhe sempre mais aprazível que o errado. E quanto mais perto puder chegar o povo de Deus do canto correto, harmonioso, tanto mais será Ele glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos impressionados favoravelmente[4]“.

É verdade que a vida humana tem sofrido grandes e rápidas transformações em coisas não essenciais neste final de século. A tendência tem sido para inovações tão surpreendentes que uma geração não entende nem a anterior, nem a seguinte. Por isso parece que está sendo difícil para um jovem hoje compreender que alguém que era jovem há vinte anos atrás não consegue adorar a Deus quando em presença de “música evangélica contemporânea”, que seja caracterizada por um ritmo popular, o qual naquele tempo era “swing”, ou “fox-trot”, por ele considerado como satânico para as danças sensuais da época.

Alguém que olhe para as tendências da “música jovem” numa perspectiva histórico-profética, conclui que a mistura do bem com o mal, tanto como foi com Adão e Eva, está tornando a mente “confusa, e entorpecidas suas faculdades mentais e espirituais[5]” a ponto de não se perceber que as palavras religiosas ao serem cantadas não trarão benefícios espirituais se vierem associadas com música popular. O que os protestantes e pentecostais estão produzindo e praticando em suas reuniões não nos serve de modelo. Satanás reivindica a música evangélica contemporânea (ver Revista Adventista de 08/84 – Editorial).

Pessoas amadurecidas têm-se indagado se a ideia de jovem adventista precisa estar associada com chiclete, jeans, coca-cola, gíria, patotas, atitudes kisses e olhares menudos, guitarras e rock (sem drogas, naturalmente); ou se a Igreja precisa ter música religiosa popular; ou se tudo não é apenas sintomático.

Entende-se que alguém mudaria de canal, se na TV percebesse se tratar de programa religioso, e que um “show” de música popular evangélica contemporânea o prendesse até, quem sabe, ouvir uma oração e se decidir a estudar a Bíblia; mas que o mesmo “show” esteja em lugar certo dentro da igreja é que não entra na cabeça inteligente, e muito menos que este tipo de música modele o gosto dos jovens da Igreja. O saldo é desfavorável, uma vez que se possa ganhar um de fora, mas pôr em risco a mil de dentro pelo gosto desenvolvido.

Muitos têm achado que poderíamos, como Igreja, fazer “aberturas moderadas” para a música religiosa popular na igreja; todavia os holandeses e argentinos sabem o que seria uma pequena fenda num dique ou em Itaipu. A Igreja está certa em manter a música popular religiosa fora da igreja, e a música popular profana longe da vida de seus membros. O próprio Manual da Igreja o determina: “A música profana ou a que seja de natureza duvidosa ou questionável, nunca deve ser introduzida em nossos cultos[6]“.

Voltando ao início desta série de artigos, quem não se arrepia e se comove com a ideia de que a maioria da juventude nesta época vai perder a vida eterna? Que bem melhor poderíamos fazer para nossos queridos jovens da Igreja senão o de esclarecer, e animá-los a se afastarem da música que a nada conduz, mesmo que isto implicasse em quebrar no joelho uma série de discos, queimar fitas e partituras? Animá-los a, em seus cânticos, não apresentarem diante do mundo atestados de pobreza cultural e espiritual?

A Igreja não pode descer; o gosto é que precisa ser elevado e educado. Isto é dever e necessidade da Igreja para que possa aqui antecipar a música celeste, pois “os que no Céu se unem ao coro angelical em seus cânticos de louvor, devem aprender na Terra o cântico do Céu, a nota tônica que é a ação de graças[7]“.

Triste a classe de quem se diz: “As vozes dos anjos e a música de suas harpas não lhes agradariam. Para sua mente a ciência do Céu seria um enigma[8]“.

“Ao guiar-nos nosso Redentor ao limiar do Infinito, resplandecente com a glória de Deus, podemos aprender o assunto dos louvores e ações de graças do coro celestial em redor do trono; e despertando-se o eco do cântico dos anjos em nossos lares terrestres, os corações serão levados para mais perto dos cantores celestiais. A comunhão do Céu começa na Terra. Aqui aprendemos a nota tônica de seu louvor[9]“.


Notas:

[1] Agradecemos à Loide Simon por esta contribuição ao Música Sacra e Adoração.

[2] Todas as expressões entre [colchetes] são de autoria dos editores do Música Sacra e Adoração.

[3] Ellen G. White. Testemunhos Seletos, vol. 1, p. 457.

[4] Idem, ibidem, p. 45.

[5] Idem. Educação, p. 25.

[6] Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, p. 114.

[7] Ellen G. White. Testimonies for the Church, vol. 7, p. 244.

[8] Idem, Parábolas de Jesus, p. 364.

[9] Idem, Educação, pp. 167-8.


Fonte: Revista Adventista. Novembro, 1985, pp. 44-5.