Música – Orar é Tudo?
por: Malton Lindquist
Ao fazer o ano bíblico, lendo o livro de Ezequiel, deparei-me com um texto que me lembrou de uma questão que tanto abala a comunidade adventista, a música. Lembrei também da palestra de um músico adventista famoso sobre esse assunto – ou melhor, da “não palestra” que ele fez sobre música, já que ele diz que não fala sobre música. Já tive a oportunidade de ouvi-lo duas vezes, e nas duas ele apresentou o mesmo argumento: o de que as respostas para as questões que envolvem escolhas na área da música devem ser consideradas com base em sua frase clássica: “dobre seus joelhos e ore”.
Voltando ao livro de Ezequiel, e ao texto que inspirou este artigo, Ezequiel 22:26 diz:
“Os seus sacerdotes transgridem a minha lei e profanam as minhas coisas santas; entre o santo e o profano, não fazem diferença, nem discernem o imundo do limpo e dos meus sábados escondem os olhos; e, assim, sou profanado no meio deles.“
O texto de Ezequiel fala que é pecado não diferenciar o profano do santo, o imundo do limpo, e diz que cada um de nós, como sacerdotes que somos (I Pedro 2:5, 9), temos o dever de deixar essa diferença bem clara.
Pensando na resposta enfática dada pelo palestrante, vejo que ela é correta, mas, quando se trata de respostas práticas e objetivas, não satisfaz. Apesar de saber que a oração é essencial para a vida e a edificação espiritual (Mateus 6:5-13; 21:22; 26:41; Marcos 11:24, 25; 13:33; 14: 38; Lucas 18:1; 9-14; 21:36; Atos 1:14; 2:42; 8:22; Romanos 12:12; II Coríntios 1:11; Filipenses 4:6; Colossenses 4:2; I Timóteo 4:4-5; Tiago 5:15; 15-17; I Pedro 4:7; entre muitos outros textos), temos que admitir que existem muitos problemas em se responder questões polêmicas com um simples “ajoelhe-se e ore”. Para que possamos meditar sobre esta questão, enumerarei três problemas principais.
Primeiro Problema
O primeiro problema é que a frase encerra uma acusação velada ao ouvinte. “Ajoelhe-se e ore!”, diz ele. “E quem disse que eu não fiz isso ainda?”, pode dizer o interlocutor. É justamente porque já ajoelhamos e oramos, e mesmo assim ainda não temos uma resposta objetiva e clara, que precisamos dos líderes, daqueles que admiramos como exemplos dentro de nossa igreja. Através da oração, comunhão, estudo da Palavra, até podemos chegar a uma a resposta pessoal, particular. Mas e com relação a uma resposta global, geral, que seja válida para a igreja como um todo, quem vai dar?
O adorador liberal ajoelha-se e ora e acha que qualquer música pode ser tocada na igreja. O tradicional ajoelha-se e ora e acha que a música só pode ser acompanhada ao piano, ou por instrumentos tocados ao vivo, desde que não sejam idênticos aos típicos das bandas de rock. O jovem ajoelha-se e ora e acha que a música deve ser alegre, animada. O ancião ajoelha-se e ora e acha que a música deve ser solene e inspiradora. Não estão todos se ajoelhando e orando? Por que ainda existem dúvidas sobre o que fazer na igreja?
Por que o batista se ajoelha e ora, e toca a música batista? Por que o carismático se ajoelha e ora e toca a música carismática? Será que os grupos de rock gospel não se ajoelham e oram e tocam suas músicas de acordo com o que acham ser a certo? Será que o padre Marcelo não ajoelha e reza e toca as músicas que acha ser as melhores? Podemos seguir-lhes os exemplos, já que eles se ajoelharam e oraram?
Todos se ajoelham, todos oram, e cada um toca o que lhe parece ser o melhor. Porém, estamos vendo nas igrejas, a cada sábado, mais e mais músicas compostas e executadas fazendo livre uso, cada vez mais ostensivo, de elementos mundanos, populares e vulgares. E este tipo de música, apesar de todos nós nos ajoelharmos e orarmos, é o que está sendo trazida para ser oferecida em culto a um Deus santo e puro. Mas aí entra novamente o livro de Ezequiel, e ele diz sobre os sacerdotes: “A meu povo ensinarão a distinguir entre o santo e o profano e o farão discernir entre o imundo e o limpo“. (Ezequiel 44:23).
Como sacerdote da minha casa, eu já decidi o que é santo e o que é profano para mim e para a minha família. Mas e na igreja, quem vai decidir? Quem são os responsáveis para definir parâmetros claros e objetivos?
Vivemos em um tempo de transição em todas as áreas, um tempo em que a música adventista vai perdendo sua identidade, sua pureza. E noto que estamos seguindo no mesmo rumo da música evangélica. Caso continuemos neste rumo, sem objetivos claros, sem conceitos definidos da adoração, de acordo com uma cosmovisão adventista, teremos uma música evangélica brasileira única, sem muitas diferenças entre adventistas, batistas, presbiterianos ou pentecostais. Mas será que é isso que queremos?
Discutindo sobre a necessidade de uma Teologia Adventista de Música, o Dr. Samuele Bacchiocchi diz:
“A música define a natureza da experiência da adoração, revelando a forma e o objeto de adoração. Quando a música é orientada no sentido de agradar ao eu, então a adoração reflete esta nossa cultura de elevação das pessoas acima de Deus. A tendência hedonista de nossa cultura pode ser vista na popularidade crescente de várias formas de música rock usada para adoração na igreja, porque elas fornecem uma auto-satisfação fácil. (…) O número crescente de igrejas cristãs em geral e de igrejas adventistas em particular que estão adotando estilos de adoração contemporâneos, onde várias formas de música rock religiosa são executadas, sofrem de uma condição que pode ser chamada de “empobrecimento teológico”. A característica que define esta condição é a escolha de música com base estritamente no gosto pessoal e tendências culturais, em lugar de convicções teológicas claras.” (O Cristão e a Música Rock, pp. 161-162).
Será que não temos nenhuma convicção teológica que nos diferencie dos outros grupos cristãos? Se sim, como estas diferenças podem ser retratadas em nossa música?
Segundo Problema
A segunda crítica que faço à resposta do “ajoelhe-se e ore” é que ela é incompleta, ineficaz, dúbia. É uma resposta politicamente correta, que tenta agradar a todos e diz que todos estão corretos, porque todos se ajoelham e oram. Ajoelhar-se e orar é um bom conselho para vários aspectos da nossa vida cristã: crescimento espiritual, fortalecimento da fé, maior união entre os irmãos, mas não é uma resposta prática para questões práticas, que precisem de definições claras e objetivas.
Imagine uma comissão da igreja, e os membros perguntam para o pastor se devem fazer uma campanha para reforma da igreja. O pastor responde:
– Dobrem seus joelhos e orem.
– Tudo bem, vamos orar. E agora, vamos reformar ou não?
– Dobrem seus joelhos e orem.
– Já fizemos isso, pastor. Devemos fazer a campanha ou não?
– Dobrem seus joelhos e orem.
É óbvio que orar é um bom conselho, mas responde a pergunta ou não? Existe o tempo de orar e existe o tempo de decidir.
Com relação ao líder de igreja, do ponto de vista dos membros, esperamos que ele já tenha orado o suficiente para tomar e dizer sua decisão sobre o santo e o profano. Será que Deus não falou ainda para o líder sobre que decisão tomar? Será que ele ainda espera resposta de Deus? Se Deus já respondeu, o que respondeu? Podemos saber? Podemos comparar a resposta dada por Deus ao líder com a resposta que Deus pessoalmente nos deu?
Em questões polêmicas, o “ajoelhe-se e ore” é uma resposta em cima do muro. Ela não desagrada nem um extremo, nem outro. Porém ela não satisfaz a necessidade da igreja por respostas. A resposta é um dever dado por Deus ao sacerdote, conforme lemos em Ezequiel 44:23.
Este tipo de resposta me lembra a atitude de Pilatos. “Lavo minhas mãos”, diz ele. “Se vocês ajoelharam e oraram, e querem matar a Cristo, eu não tenho nada contra. Mas se vocês se ajoelharam e oraram e decidirem por absolvê-lo, eu apóio sua decisão”.
Acerca destes líderes fracos e pusilânimes, Ellen White diz:
“Quantas vezes em nossos próprios dias é o amor aos prazeres disfarçado por uma “aparência de piedade”! II Tim 3:5. Uma religião que permite aos homens, enquanto observam os ritos do culto, entregarem-se à satisfação egoísta ou sensual, é tão agradável às multidões hoje como o foi nos dias de Israel. E ainda há Arãos flexíveis, que ao mesmo tempo em que mantêm posições de autoridade na igreja, cederão aos desejos dos que não são consagrados, e assim os induzirão ao pecado.” (Patriarcas e Profetas, p. 317).
O líder é escolhido por Deus para liderar o Seu povo em todos os aspectos da vontade revelada de Deus e, tendo em vista o enorme poder da música para “excitar, incitar, absorver e fascinar a mente” (Testemunhos para a Igreja, vol. 1, p. 496), as escolhas na área da música são parte integrante desta vontade.
Terceiro Problema
A terceira, e última, crítica que faço é que a resposta, assim como o contexto da palestra que ouvi, colocam a experiência pessoal acima da doutrina, da revelação sagrada.
O que diz a pena inspirada sobre a música? Será que diz somente “ajoelhe-se e ore”? Não! Pelo contrário, ela fornece princípios retos, claros e simples os quais, se aplicados, impediriam a avalanche avassaladora de mundanismo que vemos nesta área. Recentemente a Casa Publicadora Brasileira lançou uma coletânea de citações dos escritos de Ellen White sobre o assunto, sob o sugestivo título de “Música – Sua Influência na Vida do Cristão“. Bem fariam os músicos adventistas (bem como os pretensos músicos, que se limitam a imitar as gravações existentes), em ler e aplicar os princípios e conceitos ali descritos.
De que adianta orarmos sobre um assunto que já foi plena e claramente revelado? Não estaríamos zombando do Deus que se preocupou em instruir ao Seu povo, ao pedirmos luz sobre um assunto sobre o qual a luz já foi dada, mas nós não queremos aceitar esta luz? A este respeito, Ellen White escreve o seguinte:
“Aí estais clamando a Deus com a alma angustiada, suplicando-Lhe mais luz. Estou autorizada a declarar-vos que nenhum raio mais dessa luz há de incidir sobre a vossa vereda através de Testemunhos, a menos que façais uso prático da luz que já recebestes. O Senhor vos circundou de luz; mas não a tendes apreciado, antes a desprezais. Enquanto uns a desprezaram, outros a negligenciaram ou a seguiram com indiferença. Poucos dispuseram o coração a obedecer à luz que Deus Se agradou dispensar-lhes.” (Testemunhos Seletos, vol. 2, p. 281).
Na palestra que citei no início deste artigo, o palestrante também desaconselhou os membros a lerem livros escritos por estudiosos adventistas sobre o assunto. Ele colocou o seu conselho do “ajoelhe-se” acima das mensagens que possamos obter com pessoas consagradas, que também se ajoelharam e oraram, e estudaram muito mais do que nós esse assunto tão importante que é a música.
O nosso culto deve ser racional, nossa adoração e louvor devem ser racionais, conforme Romanos 12:1-2. Seguindo o mesmo raciocínio, nossa decisão sobre o que é santo e o que é profano deve ser racional, e baseada em todo o conhecimento que possamos reunir sobre música. Devemos estudar o assunto e conversar com pessoas que são especialistas no tema. A oração é importantíssima para acompanhar todo o processo, trazendo a direção iluminadora e santificante do Espírito, para que saibamos “qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2), mas não podemos, de forma alguma, desprezar os conselhos já revelados por Deus aos seus porta-vozes (tanto nas Escrituras Sagradas, quanto nos escritos de Ellen White), bem como pessoas consagradas e dedicadas, as quais, utilizando os dons dados pelo mesmo Espírito, aplicaram-se diligentemente ao assunto e possuem uma valiosa contribuição intelectual e experimental para compartilhar conosco.
O texto de João 4:23 e 24 nos diz que a adoração que Deus almeja de Seus filhos é “em espírito e em verdade“. Como poderemos adorar em verdade, e ao mesmo tempo desprezarmos as verdades reveladas e compartilhadas sobre a questão da adoração? Devemos estudar muito os livros e estudos que nos forem disponibilizados sobre este assunto, cuja importância espiritual não pode ser minimizada. Devemos ter cuidado para não sermos enganados por falsos sentimentos individuais que podem confundir nossa razão e levar-nos a decisões contrárias a vontade de Deus. Afinal, a Escritura diz que “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jeremias 17:9). Por este motivo, não podemos depender de nós mesmos e dos nossos sentimentos e gostos pessoais, quando o assunto é a escolha da música apropriada para a adoração, principalmente quando estamos nos referindo à adoração coletiva, na igreja.
Não podemos nos esquecer que a comunhão pessoal com Deus é construída sobre um duplo alicerce: a oração e o estudo da Palavra. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.” (Romanos 10:17). Ora, se a oração é a única fonte de conhecimento da vontade de Deus, qual seria então o papel da revelação?
É bom não colocar o texto de I Tessalonicenses 5:17 “orai sem cessar” acima do texto de Oséias 4:6 “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento“. Eles andam juntos. E notemos que o texto fala que “o Meu povo está sendo destruído“… não é outro povo, não é um povo que não ora, que não sabe buscar a Deus, mas é o próprio povo de Deus que está sendo destruído, apesar de todas as orações, celebrações e rituais. E isto ocorre por quê? O texto é meridianamente claro: “porque lhe falta o conhecimento“.
Que meus queridos líderes sigam a ordem de Deus: “A meu povo ensinarão a distinguir entre o santo e o profano e o farão discernir entre o imundo e o limpo.” (Ezequiel 44:23).