Sobre Música na Igreja

por: C. S. Lewis

Há duas situações musicais nas quais podemos ter confiança em que a benção está presente. Uma é quando um sacerdote ou organista, ele próprio uma pessoa de gosto elaborado e refinado, de forma humilde e carinhosa, sacrifica seus próprios anseios (esteticamente corretos) e entrega ao povo uma porção mais humilde e simples do que ele gostaria, crendo (mesmo que, como é possível ser, seja uma crença equivocada) que conseguirá levá-los para mais perto de Deus.

A outra situação ocorre quando o leigo, estúpido e musicalmente ignorante, humilde e pacientemente e, acima de tudo, silenciosamente, ouve uma música que é incapaz de apreciar por inteiro, crendo que ela, de alguma forma, glorifica a Deus e que, caso não edifique, a falha deve estar nele mesmo.

Nem o erudito nem o ignorante podem estar longe do caminho certo. Para ambos a música na igreja terá sido um canal da graça; não a música que os agradou, mas aquela que os desagradou. Ambos ofereceram e sacrificaram seus gostos no mais profundo dos sentidos.

Mas onde ocorre o a situação oposta, onde o músico se enche de orgulho de suas habilidades ou é contaminado pelo vírus da emulação e olha com desdém para a congregação que não apreciou seu desempenho, ou ainda quando o inculto musicalmente, fechado em sua ignorância e conservadorismo, olha com a inquietude e hostilidade típica de um complexo de inferioridade para todos aqueles que desejam melhorar seu gosto – aí então, podemos estar certos, tudo o que ambos ofereceram não é abençoado, e que o espírito que os motiva não é o Espírito Santo.

Estas reflexões altamente genéricas não serão, temo, de muita utilidade prática para qualquer sacerdote ou organista ao planejar um compromisso funcional para alguma igreja em particular. O máximo que podem esperar fazer é sugerir que o problema nunca é meramente musical. Em lugares onde tanto o coro quanto a congregação estejam espiritualmente no mesmo caminho, não ocorrerão dificuldades intransponíveis. Diferenças de gosto e capacidade fornecerão, efetivamente, assunto para humildade e carinho mútuos.

Para nós, a massa musicalmente ignorante, o caminho certo não é difícil de discernir; e, enquanto continuarmos nele, o fato de que somos capazes apenas de produzir um ruído ritmicamente confuso não causará muito dano se, quando o produzirmos, realmente pretendermos a glória de Deus. Pois, se esta é a nossa intenção, segue-se a necessidade de que deveremos estar tão prontos para glorificá-lo pelo nosso silêncio (quando solicitado) quanto por gritos. Também devemos estar conscientes de que o poder dos gritos se encontra muito abaixo na hierarquia dos dons espirituais, e que seria melhor aprendermos a cantar, se pudermos. Se alguém tentar nos ensinar, tentaremos aprender. Se não pudermos aprender, e se isto é desejável, ficaremos de boca fechada. E também aprenderemos a ouvir de forma inteligente (…).

O caminho certo para os músicos é, talvez, mais difícil e eu, por qualquer escala, posso falar dele com muito menos confiança. Mas me parece que devemos definir muito cuidadosamente a maneira, ou as maneiras, pelas quais a música pode glorificar a Deus. Num certo sentido, todos os agentes naturais, mesmo os inanimados, glorificam a Deus continuamente, revelando o poder que Ele lhes deu.

Neste sentido nós, como agentes naturais, fazemos o mesmo. Neste nível, nossas más ações, desde que demonstrem nossas habilidades e força, podem ser consideradas como glorificação a Deus, assim como nossas boas ações. Uma peça musical excelentemente tocada, como uma ação natural que revela em um alto grau os poderes peculiares dados aos homens, sempre glorificará a Deus, qualquer que tenha sido a intenção do músico.

Mas esta é uma forma de glorificar que compartilhamos com “as feras e os grandes abismos”, com o “gelo e a neve”. O que se procura em nós, como homens, é uma outro tipo de glorificação, que depende da intenção. Quão fácil ou quão difícil pode ser para um coral inteiro preservar a intenção durante as discussões e decisões, todas as correções e desapontamentos, todas as tentações para o orgulho, a rivalidade e ambição, que precedem a apresentação de uma grande obra, eu ( naturalmente) não sei. Mas é da intenção que tudo depende.

Quando são bem sucedidos, creio que os artistas são os mais invejáveis dos homens: privilegiados como mortais a honrar a Deus como anjos e, por alguns poucos preciosos momentos, ver espírito e carne, trabalho e gozo, talento e adoração, o natural e o sobrenatural, todos fundidos numa unidade que deveria ter existido antes da queda.

Mas devo insistir em que nenhum grau de excelência na música, simplesmente como música, pode nos assegurar que este estado paradisíaco seja alcançado. A excelência é a prova da “vivacidade”; mas os homens podem ser “vivazes” por motivos naturais, ou até mesmo ímpios. Devemos ter cuidado com a ideia ingênua de que a nossa música pode “agradar” a Deus, como ela agradaria a um ouvinte humano aculturado. Esta ideia é como pensar, sob a antiga Lei, que Ele realmente precisava do sangue de novilhos e bodes. A esta noção vem uma resposta: “Porque meu é … o gado sobre milhares de outeiros” e “Se eu tivesse fome, não to diria” (Salmos 50:10 e 12). Se Deus (neste sentido) quisesse música, não diria a nós. Pois todas as ofertas, sejam de música ou de martírio são como o presente intrinsecamente sem valor de uma criança, ao qual o pai de fato valoriza, mas o valoriza apenas pela intenção.


Trechos de um ensaio intitulado ‘On Church Music‘ (Sobre Música na Igreja) de C. S. Lewis que pode ser encontrado numa publicação atual chamada ‘Christian Reflections‘ publicada por Wm. B. Eerdmans Publishing Co. ISBN: 0802808697, disponível no Google Books


Traduzido por Levi de Paula Tavares em Outubro/2009