A Música no Grande Conflito entre Cristo e Satanás
por: Carlos A. Steger
Na primavera do ano 1518, um senhor de Erbach, fervoroso católico alemão, irritado por tudo o que havia ouvido falar de mal sobre Lutero, propôs-se prender o “terrível herege”, com o objetivo de entregá-lo nas mãos dos emissários do papa. Sabendo que no dia seguinte Lutero passaria pelo bosque de Oden, nas proximidades de Witenberg, chegou tarde da noite a uma pousada no caminho que o reformador haveria de passar, acompanhado por um grupo de soldados. Ali decidiu passar a noite com o objetivo de, no dia seguinte, ir ao bosque de Oden para prender Lutero. Bem cedo, na manhã seguinte, foi acordado com um melodioso canto religioso que alguém entoava com vibrante voz, no quarto ao lado.
Foi atraído por este melodioso canto. Enquanto se preparava para sair perguntou ao hoteleiro quem era seu vizinho. “É um sacerdote que daqui a pouco irá sair”, foi a resposta que recebeu. Imediatamente resolveu visitá-lo. Depois de alguns momentos de franca conversa, a pedido do visitante o sacerdote cantou outro hino, e se despediram. Desejando saber quem era a pessoa que tanto bem lhe fizera com seu canto, perguntou-lhe o nome e expôs-lhe o propósito de sua viagem. “Se você veio para prender Lutero, não precisa ter o trabalho de ir até o bosque de Oden, porque eu sou Lutero”. Conta a história que o senhor, convencido que um homem que cantava com tal devoção não podia ser um “herege”, não apenas desistiu de seus planos, como também tornou-se um dos melhores seguidores e amigos de Lutero (1).
Este e outros incidentes exemplificaram o papel da música no grande conflito entre o bem e o mal, entre Cristo e Satanás. Conflito de proporções cósmicas que começou antes da criação deste mundo e terminará depois da segunda vinda de Cristo. Como conseqüência da queda de Adão e Eva este mundo é o centro do mesmo, e cada um de nós fazem parte como protagonista. O apóstolo Paulo enfatiza que este conflito é de natureza espiritual ( Ef. 6:12). Envolve todo o nosso ser: pensamentos, sentimentos e emoções, comportamentos e impulsos. A pergunta básica é: a quem amaremos e a quem obedeceremos? A Cristo ou a Satanás? Quem controlará nossa mente? Nem todas as batalhas são desferidas de maneira aberta ou espetacular. O inimigo muitas vezes usa o sistema de batalhas ou se transforma em anjo de luz (II Cor 11:14). Por isso, algumas batalhas, possivelmente cruciais, acontecem de maneira inadvertida, e são definidas por um meio aparentemente tão neutro, como a música.
Como todas as coisas boas, a música “é de origem celestial” (2). Evidentemente Deus gosta da música, porque formou um coral de anjos no céu e colocou como regente do mesmo, o anjo que estava mais próximo a Ele (3). Mas este anjo, um dos músicos mais dotados do universo, inexplicavelmente rebelou-se contra o seu Criador. Uma nota terrivelmente dissonante foi introduzida na sinfonia perfeita do universo, e Deus não teve alternativa senão expulsá-lo do céu. Desde então, transformado em Satanás, este anjo tem usado seus conhecimentos musicais para seduzir os seres humanos.
Isto explica-nos porque a música pode ser usada eficazmente tanto para o bem como para o mal. O Senhor revelou-nos que “a música é uma bênção; mas é muitas vezes usada como um atrativo de Satanás para enredar almas. ” (4) ” Assim aquilo que é uma grande bênção quando devidamente usado, torna-se um dos mais bem sucedidos fatores pelos quais Satanás distrai a mente do dever e contemplação das coisas eternas.” (5)
“A música muitas vezes é pervertida para servir a fins maus, e assim se torna um dos poderes mais sedutores para a tentação. Corretamente empregada, porém, é um dom precioso de Deus, destinado a erguer os pensamentos a coisas altas e nobres, a inspirar e elevar a alma.” (6)
Lições da História
A Bíblia registra vários exemplos do poder da música para o bem. Um “cicio tranqüilo e suave” deu ânimo a Elias (I Reis19:12) e um coro de anjos anunciou as boas novas do nascimento do Salvador (Lucas 2:14). Singelas melodias executadas por Davi na harpa aliviaram da depressão o atribulado rei Saul (I Samuel 16:23). Cânticos de louvor entoados por um coro de levitas diante do exército israelita resultaram na auto-destruição dos inimigos do povo de Deus (II Crônicas 20:21-22). Hinos entoados com fervor por Paulo e Silas na prisão de Filipos fortaleceram a sua fé no Senhor, e foram libertados nesta mesma noite por causa do terremoto (Atos 16:25-26).
Encontramos também exemplos bíblicos do poder da música para o mal. A música foi o ingrediente básico no culto ao bezerro de ouro ao pé do Monte Sinai (Êxodo 32:15-19). Os israelitas copiaram o culto ao bezerro Ápis, que representava Osíris, o deus-sol dos egípcios, em quem era centralizada toda sua religião. “O culto de Ápis era acompanhado da mais grosseira licenciosidade, incluindo música e dança de natureza indecente e sensual.” (7) Para Josué, que escutava a distância, essa música parecia um “alarido de guerra” (v.17). Entretanto para o ouvido de Moisés, que certamente havia escutado no Egito a música do culto pagão, era evidente que não se tratava de “voz de alaridos”, mas sim de cantos de adoração idólatra (v. 18). Tal música induziu o povo a dançar numa orgia sensual desenfreada (v.19), que somente se deteve com a morte de três mil israelitas (vs. 25-28). Porém o mais lamentável é que tudo isto foi feito como se fosse uma “festa ao Senhor” (v.5). Efeito semelhante teve a música usada por Balaão e os moabitas para seduzir os israelitas a caírem na idolatria em Baal-Peor (Núm. 25:1-3). (8)
Babilônia, símbolo da apostasia e rebelião contra Deus, conhecia o poder da música para dominar os seres humanos. A cerimônia de dedicação da estátua construída por Nabucodonozor em Dura contava com uma das orquestras mais completas descrita na Bíblia (Daniel 3:4-5). Tal orquestra não estava ali simplesmente por motivos estéticos, mas para criar um clima sensual e emotivo, com melodias e harmonias devidamente escolhidas para adoração idólatra. Referindo-se à Babilônia religiosa que no tempo do fim imporá a adoração à besta e à sua imagem, Ellen White diz que “a força é o último recurso de toda religião falsa. A princípio usa a atração, assim como o rei da Babilônia provou o poder da música e a ostentação externa. Se estes atrativos, inventados por homens inspirados por Satanás, faziam com que os homens adorassem a imagem, as devoradoras chamas do fogo estavam prontas para consumi-los. Assim será em breve.” (9)
À medida que se aproxima o tempo do fim, Satanás intensifica cada vez mais seus esforços contra Deus e Seu povo, porque sabe que pouco tempo lhe resta (Apoc. 12:12). Seus ataques são dirigidos especialmente para a igreja remanescente (Apoc. 12:17), procurando afastar seus membros de Cristo. Para atingir este propósito, seus vastos conhecimentos musicais são grandemente úteis. Mais do que ninguém, ele conhece o efeito que diferentes estilos de música podem exercer sobre o corpo e a mente. Porque através da música “Satanás sabe que órgãos excitar para animar, absorver e seduzir a mente, de maneira que Cristo não seja desejado.” (10)
A Música no Conflito de Hoje
O desenvolvimento cultural dos últimos séculos permite que a música possa ser utilizada atualmente de forma muito mais poderosa que em nenhuma outra época da história, tanto para o bem como para o mal. A maioria dos instrumentos musicais que são usados hoje foram inventados ou aperfeiçoados nos últimos duzentos anos. Praticamente todos eles têm um volume e extensão na altura do som muito maiores que os antecessores, dando maior impacto e força nos ouvintes, e sua influência é mais poderosa. As técnicas de composição e execução têm se aperfeiçoado cada vez mais, e assim a música evoluiu para uma crescente complexidade harmônica, resultando na dissolução da harmonia consonante, dando lugar ao predomínio da dissonância e da atonalidade no século XX. Paralelamente tem-se criado estruturas rítmicas cada vez mais complexas, dando mais prioridade ao ritmo.
Através da melodia, harmonia, ritmo e outros elementos, a música transmite emoções e estados de ânimo. Um estudo comparativo mostrou que as composições anteriores ao inicio do século XIX (até o final do classicismo), geralmente apresentam poucas emoções nas composições, de forma mais simples, expressando freqüentemente as emoções de amor, prazer e reverência. Em contraste, a maioria das composições escritas a partir do início do século XIX (do romantismo em diante), geralmente apresenta uma justaposição de emoções de forma dramática, dando preferência a emoções tais como: desespero, esperança, descontentamento, entusiasmo e paixão sexual; estas composições transmitem menos sentido de segurança do que as do período anterior. (11)
Por outro lado, os avanços tecnológicos, particularmente eletrônicos, ajudam a transmitir a música num volume extremamente alto, dando-lhe o grande poder para afetar a mente e o corpo dos ouvintes. A tecnologia também colabora para que a música esteja ao alcance de toda a população, como nunca antes na história do mundo. De fato, a música é hoje um dos melhores agentes unificadores de toda a humanidade. Graças à comunicação em massa e a facilidade em que os cassetes, discos e equipamentos para reproduzi-los são comercializados, a música transpõe todas as barreiras de nacionalidade e cultura. Este fenômeno é tão notório que, de fato, está sendo utilizado com fins comercias, ideológicos e políticos a nível mundial. Um dos exemplos mais notáveis é o papel que teve o rock na queda do comunismo na ex-União Soviética. (12)
A história da música no ocidente também revela uma clara tendência para ir do sagrado ao secular. Apesar dos vaivéns próprios de todo desenvolvimento histórico, é possível observar como a música sacra vem paulatinamente perdendo o predomínio, cedendo lugar à música profana. A conseqüência trágica dessa tendência é que os cristãos incorporam cada vez mais à música religiosa, elementos dos estilos populares. Lamentavelmente a imensa maioria daqueles que fazem esta simbiose, não são conscientes que o resultado é uma mensagem contraditória. Não compreendem que a letra religiosa não santifica um estilo musical profano, e que tal combinação é uma ofensa a Deus, pois “que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos?” (II Cor.6:14-16). A mistura de palavras religiosas com estilos musicais seculares, criados com um propósito contrário aos valores cristãos, é comparável ao pecado de Nadabe e Abiú, que introduziram fogo estranho no santuário (Lev. 10:1-2). O Senhor não tolerou tal proceder, e explicou que os líderes devem ter a mente lúcida “para poder discernir entre o santo e o profano”(Lev. 10:10).
Como Escolher Corretamente?
Queiramos ou não, todos estamos imersos no conflito entre o bem e o mal. Cada dia, ao escolher que música escutaremos ou executaremos, ficamos ao lado do Salvador ou do maligno. A própria eternidade está em jogo. Sejamos conscientes ou não, a música irá nos impulsionar a amar e servir a Deus, ou nos induzirá a afastarmos dEle em pensamentos e ações. (13) Mas, como saber qual música é boa ou má para o cristão?
O critério de escolha não pode estar baseado exclusivamente nos gostos e preferências estéticas, embora este de fato tenham o seu lugar. Os valores estéticos não podem jamais, determinar os valores morais, pois com nossa natureza humana caída, nem sempre nossos gostos coincidem com o que é bom. “A música é um preciosos dom de Deus.” (14) Portanto, será boa toda música que cumpra este propósito e eleve a mente para pensamentos puros, nobres e que nos aproximem de Deus. Este princípio, baseado em Fil. 4:8, é a base para tomarmos decisões acertadas na escolha da música. Mas, como saber qual é a música que cumpre este propósito? A definição é subjetiva ou existem elementos objetivos que dêem respostas válidas para todos os crentes? Felizmente é possível transcender a subjetividade.
Deus criou o universo para que todos os seres e coisas criadas funcionassem de maneira inter-relacionada. Cada elemento existe para benefício dos outros e, por sua vez, depende dos demais. Esta inter-relação está regida por leis que mantém o funcionamento harmonioso do universo num delicado equilíbrio. Esta interdependência harmoniosa é observada no ser humano, tanto em seus componentes fisiológicos como psíquicos. Quando é alterada a harmonia homeostática em algum sistema do ser humano, quebrando as leis químicas, físicas ou biológicas estabelecidas por Deus para seu funcionamento, ocorre a doença. Isto depende de uma variedade de fatores internos externos, entre os quais encontra-se a música.
Assim como o universo e o ser humano, a música é uma combinação adequada de diversos elementos de acordo com as leis naturais. Cientificamente, os diversos elementos da música, tais como: cada nota individual, a melodia, a harmonia e o ritmo, são resultados de uma combinação de vibrações regidas por leis físicas. A obediência às mesmas torna a música harmoniosa e esteticamente bela, cujo efeito favorece o funcionamento harmônico do corpo e mente do ser humano, e portanto de sua conduta. A música que transgride tais leis produzirá o efeito contrário, conforme demonstram vários estudos científicos. (15) Abaixo estão apresentadas as características da música de efeitos fisiológicos, neurológicos e emocionais positivos, em contraste com a de efeitos negativos.
Elementos da Música | Música de efeitos positivos | Música de efeitos negativos |
Melodia | De valor musical, agradável. | Sem valor musical, inexistente. |
Harmonia | Diatônica, predominância de acordes perfeitos, com resolução dos acordes dissonantes. | Desordenada, abundância de acordes dissonantes, geralmente sem resolver. |
Ritmo | Respeita a acentuação natural, variado. | Abundância de síncopes, monótono, obsessivo. |
Cor tonal | Agradável, clara. | Pesada, áspera, escura. |
Entonação | Afinada, natural, fraseado correto. | Desafinada, anti-natural, fraseado incorreto. |
Volume | Normal. | Estridente ao ouvido. |
Apresentação | Natural, sincera, simples. | Teatral, artificial, com ostentação. |
Letra | Elevada, ideias positivas. | Idéias negativas ou imorais, repetitiva, sem sentido. |
Este simples guia permite avaliar qualquer peça musical e diferentes estilos, a fim de estabelecer objetivamente se cumpre o propósito de “erguer o pensamento àquilo que é puro, nobre, edificante, e despertar na alma devoção e gratidão para com Deus.” (16) Ao fazê-lo não devemos esquecer que em última instância as decisões corretas são o resultado da comunhão com Deus. A faculdade de discernir entre o bem e o mal somente se obtém mediante a dependência individual do Senhor. Se renovamos diariamente nossa consagração com Cristo, cresceremos na experiência cristã até chegar a ser filhos adultos de Deus “que pela prática, têm suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal” (Hebreus 5:14).
Referências
1-A S. Rodriguez Garcia, Himnos famosos (El Paso, Casa Batista de Publicações, 1968), 38-39. (voltar)
2- Ellen G. White. Mensagens Escolhidas (Casa Publicadora Brasileira), 3:334. (voltar)
3-Ellen G. White. História da Redenção (CPB, 1973), 25 (voltar)
4- Ellen G. White. Mensagens aos Jovens (CPB, 1985), 295 (voltar)
5-Ellen G. White. Patriarcas e Profetas CPB, 594 (voltar)
6-Ellen G. White. Educação (CPB, 1977), 166. Ver também O Lar Adventista (CPB, 1969), 408 e Evangelismo (CPB, 1978), 496. (voltar)
7- Êxodo 32:6, 7. Ver “Apêndice” em Patriarcas e Profetas, 760 (voltar)
8- “Balaão aconselhou a Balaque a fazer uma festa idólatra em honra a seus ídolos, e ele persuadiria os israelitas para que assistissem e se deleitassem com a música; após isto, belas mulheres midianitas deveriam seduzir os israelitas a transgredir a lei de Deus. Este conselho satânico teve grande êxito.” Ellen G. White, Spiritual Gifts, 4:49. “Iludidos pela música e dança e seduzidos pelas belezas vestais gentílicas, romperam sua fidelidade para com Jeová”- Idem, Patriarcas e profetas, 454 (voltar)
9- Comentário de Ellen G. White sobre Apoc. 13:16-17. Comentário Bíblico Adventista ( Mountaisn View, Pacific Press, 1990), 7: 987. (voltar)
10- Ellen G. White.O Lar Adventista, 407. Ver também Mente, Caráter e Personalidade (CPB, 1990), 1:314 (voltar)
11- Wolfgang H. M. Stefani. The Psycho-physiological Effects of Volume, Pitch, Harmony and Rhythm in the Development of Western Art Music: Implications for a Philosophy of Music History. Tese de mestrado em Artes, Andrews University, 1981. (voltar)
12- Ver Timothy Rayback, Rock Around the Bloc: A History of Rock Music in Eastern Europe and the Soviet Union, ( New York: Oxford University Press, 1990). (voltar)
13- Ellen G. White. Educação, 166. (voltar)
14- Ellen G. White. Patriarcas e Profetas, 594 (voltar)
15- Louis R. Torres e Carol A. Torres. Notas sobre Música. (Siloam Springs: Creation Enterprises International, 1992), 11-28 (voltar)
16- Ellen G. White. Patriarcas e Profetas, 644 (voltar)
O Dr. Carlos A. Steger é Vice-Reitor Acadêmico da Universidade Adventista del Plata